quinta-feira, 2 de maio de 2013

COLUNA UM - Daniel Teixeira - A inolvidável leveza de se ser

 
 
COLUNA UM - Daniel Teixeira - A inolvidável leveza de se ser 
 
Algumas pessoas, não muitas, têm-se-me queixado (delicadamente) que eu escrevo e falo de uma forma muito complexa, que devia ser mais acessível naquilo que escrevo e digo, enfim...que deveria esforçar-me por ser menos eu sendo mais eu para o outro.
 
Este problema, se é que é um problema, tem atravessado gerações: sabemos que uma coisa e outra têm os seus inconvenientes, ou seja, dar às pessoas aquilo que elas querem esmagando ou pelo menos flectindo aquilo que somos ou mantermo-nos como somos esperando que as pessoas nos entendam abrange todos os sectores da sociedade.
 
Eu próprio me queixo do mesmo, por vezes: a enormidade de siglas por exemplo que são familiares a algumas pessoas que são ditas com naturalidade e presteza e que eu tenho dificuldade em entender desde logo e peço explicação será um caso. Exemplo fraco, eu sei, mas não deixa de ser um exemplo.
 
Eu ainda não consegui aprender as siglas que referem os diversos Estados do Brasil e eles são uma remessa deles assim como não percebo peva da distribuição geográfica e horária actual no Brasil: deveriam os Brasileiros tornar-se mais acessíveis para mim, por exemplo (e para mais gente ao que sei) traduzindo desde logo para palavras correntes aquilo que querem dizer com DF (esta eu sei, Distrito Federal!) ou com a divisão territorial Região Norte, Região Nordeste, Região Centro Oeste, Região Sudeste e Região Sul ? (cabulei isto tudo, esclareço).
 
O exemplo pode não ser o melhor mas dá uma ideia das diferenças de terminologia que são necessárias...porque são necessárias! E não há outra forma de dizer as coisas sem deixar de as dizer ou sem ter de se fazer uma detalhada exposição sobre o que nós chamamos de «explicar o funcionamento do relógio quando se perguntam as horas».
 
A minha vida tem-se debatido com esse problema ao longo dos tempos uma vez que tenho trabalhado não pouco amiúde no jornalismo: deve-se «dar» às pessoas aquilo que elas querem ou antes deve-se exercer uma função didáctica (com que direito e com que delegação ou autoridade pudemos perguntar...).
 
Bem, não será esse o caso que devemos colocar em cima da mesa para discussão: qualquer diálogo se faz entre pessoas que forçosamente são diferentes, mesmo que as afinidades possam existir em campos específicos. A moldagem dos discursos faz-se nesse mesmo diálogo, nessa interacção e nem sempre resulta, todos sabemos.
 
Os ensinos sobre saúde e prevenção da doença, por exemplo, e para falar num campo que conheço também relativamente bem têm sérias possibilidades de cair em saco roto...umas vezes por desfasamento que não é de ordem verbal, mas sim da ordem dos costumes.
 
A unidade das linguagens é impossível de ser realizada e aliás é também isso que faz a riqueza dos movimentos linguísticos: características específicas devem ser mantidas, na minha modesta opinião:
 
Quem não percebe esta comovente história CAIPIRA do nosso amigo Acas?
 
Antônio Carlos Affonso dos Santos. - ACAS, o Caipira Urbano.
 
Das veiz eu gosto de apreciá as natureza!
 
 Das veiz eu gosto de apreciá as natureza! Nóis que é da roça, muitas das veiz adivinha se vai chovê; se o sór vai saí; se o vento é de chuva ô de tempestade; quar é a hora de prantá o arrois, o mío ô o fejão. Nóis sabe. E num é que ninguém ensinô nóis não; - só se for Deus.
 
Mais, na natureza tem os outro ser vivente que nóis arrespeita. Tem as borboleta que enfeita as mata ( eu aprecio por demais uma borboleta chamada «dama da noite» que tem deiz veiz o tamanho das outra, toda azur, e que só sai no poente do sór, bem no lusco-fusco). Gosto dos passarim tamém; inda mais se fôr bunito e subé cantá. Mais os outro bicho muitas das veiz nóis mata pra cumê. Eu só nunquinha que tinha pensado nas inteligença dos bicho, inté que eu mêmo vi com meus óio, que a terra há de cumê.
 
Num domingo com sór de estralá mamona, eu tava na rede da varanda dando um cochilo. Acordei com um bem-te-vi cantando ali no balaustre, numa lunjura de uma braça. Na varanda tinha um trem véio que a muié dexô ali pra numseioquê. Em riba duma mesa, tinha um vidro branco que eu achava que era remédio. O vidro de boca estreita tava pela metade de água (parece que a muié colocava flôr nele, como se fosse vaso).
 
O bem-te-vi viu o vidro e ficô rodano em vorta. Deu uma ô duas bicada no vidro duro; dispois subiu no gargalo e enfiô o bico: a água tava muito embaxo. Tentiô, pelejo, umas deiz veiz.
 
Desacorçoado ele vuô, foi embora. Pensei que ele tinha desistido, quar o quê! Ele vortô cuma pedrinha no bico, subiu no gargalo e jogô a pedra lá dentro e azulô, foi embora. Mais ele vortô mais deiz, vinte, trinta veiz., e cada veiz tacava a pedrinha lá dentro. Eu cansei de vê aquilo e dormi, tarveis uma meia hora.
 
Quando acordei, vi o vidro que tava com pedra até o pescoço. Ao lado do vidro, o bem-te-vi com a famía ( uma fema e dois fióte). Um de cada veiz subia no gargalo do vidro e tomava água à vontade.
 
Das veiz eu penso os home são anssim tamém. A diferença é que muitos deis adesiste de carregá pedra, mêmo que isso seja bão pra famía e pra si própio.
 
 Pois, digo eu (Daniel) agora, no que se refere à lingua e às linguagens: «muitos deis adesiste de carregá pedra, mêmo que isso seja bão pra famía e pra si própio.»
 
Daniel Teixeira

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