quinta-feira, 20 de setembro de 2012

COLUNA UM - A questão dos Direitos Humanos - Por Daniel Teixeira

 
 
COLUNA UM - A questão dos Direitos Humanos - Por Daniel Teixeira
 
Esta questão, sendo uma reivindicação legítima e mais que obrigatória desde há séculos para todo o ser humano continua a ser uma questão da qual se fala um pouco, se realiza muito pouco e se esquece todos os dias muito. E claro que a consciência das pessoas e as notícias que vão chegando aos lares vão forçando a tomada dessa mesma consciência e vão colocando uma maior pressão perante aqueles que, melhor ou pior, mais escolhidos ou menos escolhidos, acabam por ser os governantes do Mundo e de cada país em particular.
Governar é, em certo sentido - para além dos aspectos políticos que servem de envolvência e que muita gente não se lembra que se trata simplesmente do exercício da faculdade de optar - é, governar, gerir na sua grande base.
 
Ou seja, um governante ou vários governantes têm os meios, quer dizer o aparelho e utilizam-no ou não o utilizam para determinados fins, neste caso a defesa dos Direitos Humanos. A Comunidade Europeia, através das suas estruturas, do seu aparelho «de estado», resolveu que para o ano que vem, ou seja, em 2010, esse mesmo aparelho vai ser em maior parte que antes direccionado também para a defesa dos Direitos Humanos, no combate à pobreza e no combate contra a exclusão social.
 
Não tenhamos ilusões nem pensemos sequer que essa actividade, ainda que recheada de meios, tenha grande impacto. Se os houver, os meios, e se não andarmos todos a penar resultado da crise económica e se resultado disso não estivermos demasiado ocupados em defender os nossos direitos que também são humanos. Mas, apesar de sabermos as limitações e sabermos da possibilidade de haver sérias alterações de prioridades pelas razões que apontámos e que se relacionam com a crise económica, uma coisa parece sempre certa: o problema dos Direitos Humanos não se resolve por decreto. Aliás, o «decreto» mestre nesta coisa dos Direitos tem 220 anos e, embora especificamente dirigido à burguesia numa tentativa de limar os privilégios de nascimento da nobreza, com o factor democrático em jogo acabou por ser generalizado nas intenções e no seu significado ainda que os factos todos os dias desmintam a sua prática e o seu exercício efectivo.
 
Se não fosse um assunto tão sério seria irónico referir a um subnutrido africano ou de outro continente, mesmo europeu, que «ele é igual aos outros». Sobre esta questão, do ser-se igual tropeçamos desde logo nos diversos caminhos que levam (ou deveriam levar) ao «simples» chegar à igualdade. Imensos caminhos têm sido apontados, incluindo aquele que actualmente está mais em campo que é a igualdade de oportunidades no exercício da política. Sendo a política, na sua essência mais resumida, o exercício de optar entre várias soluções que sejam colocadas na mesa deste jogo universal, desde logo se sabe, e até é despropositado estar a referir, que a larga maioria da população mundial não está em condições de se mover politicamente, seja porque não tem instrução para isso, seja porque tem outras preocupações mais prementes como será a sua sobrevivência, seja «simplesmente» porque o exercício desse direito lhe é coarctado.
 
Mas mesmo que o não fosse, quer dizer, mesmo que vivêssemos num mundo a aproximar-se do ideal, a complexidade das estruturas e das organização (e da organização mundial no seu todo) funciona assim como a cenoura para o burro da fábula: está sempre à nossa frente e nunca há forma de a alcançar. Eu tive a paciência de estar a ler o texto da Comunidade Europeia sobre a tal de defesa dos Direitos Humanos para 2010 e, não me considerando estúpido de todo e por não o ser e reconhecendo tratar-se de um documento que apenas aponta linhas gerais, constatei no entanto que ele se perde em tantas particularidades, que necessário seria, na minha opinião, fazer um Curso acelerado em dois anos pelo menos sobre os meandros da estrutura da União Europeia para ficar a saber exactamente quem faz o quê e porque se faz esse quê.
 
As remissões para textos anteriores são aos montes, contrastando com abstracções programáticas que aparecem na cauda dos textos do género «dar uma especial atenção ao género»: isto quer dizer que se reconhece, pelo menos, que existe a mera possibilidade de não serem exclusivamente as mulheres a estarem desinseridas e / ou excluídas dos processos sociais. Quer dizer, no que toca ao género (masculino ou feminino), mulheres e homens podem estar (admite-se implicitamente) segregados na relação entre si. Valha-nos isso: já que não existe igualdade de direitos ao menos que se reconheça que existe igualdade de exclusão.
 
Mas, honra seja feita à Comunidade Europeia (que o faz porque a isso se sente obrigada, não tenhamos ilusões) depois do optimista ano (este) da Criatividade e da Inovação faz suceder-lhe um ano que trata das desgraças. Se por acaso o programa for cumprido e se forem injectados no processo alguns milhões de euros (que será o que faz andar estas coisas) é bem provável que o ano de 2011 seja destinado a uma outra coisa qualquer igualmente optimista para intercalar.
 
Mas, vendo o que se passa no dia a dia, e vendo a contabilidade das empresas que fecham portas e dos trabalhadores que ficam no desemprego arrastando para a miséria milhões cujo número ainda está longe de chegar ao fim, tenho a sensação de que a escolha foi muito bem feita: material humano já havendo antes que chegasse para uma dezena de anuais programas destes é coisa que não irá faltar, ou seja, para além daqueles que já havia, «nascerão» milhares ou mesmo milhões de candidatos efectivos com necessidade de ver protegidos os seus direitos humanos, a sua subsistência e com necessidade de «re»-inclusão social.
 
Daniel Teixeira
 
Publicada no nº 7, 1º Número de Fevereiro de 2009
 
Nota: A crónica publicada no nº 6 extraviou-se na net (perdeu uma página)
 
 

terça-feira, 18 de setembro de 2012

COLUNA UM - O Heroi Americano e o Heroi de Lagos - Por Daniel Teixeira

 
 
COLUNA UM - O Heroi Americano e o Heroi de Lagos - Por Daniel Teixeira
 
Recentemente, nestes dois ou três dias, dois factos colocaram nas páginas dos jornais duas pessoas que, cada uma à sua maneira, levavam as suas vidas numa normalidade relativa.
 
Um piloto americano conseguiu fazer «amarar» um enorme avião no rio Hudson (manobra considerada das mais difíceis da aviação) e salvou da morte que se adivinharia todos os passageiros e tripulantes do seu avião.
 
Existe um certo misticismo à volta do piloto aviador; afinal nem todos temos apetência por levar todos os dias a andar num ambiente tão fluído como é o ar e a ideia que se tem, apesar das garantias todas que são dadas quanto à segurança do voo aéreo, é que em caso de queda nada se salva, ou acaba por se salvar muito pouco.
 
A ideia do trambolhão (lagarto, lagarto) de centenas ou milhares de metros de altura não é das mais toleradas pela nossa mente e pode ver-se quanto estranha nos é a ideia quando compararmos a facilidade com que se carrega no pedal por essas estradas fora, por vezes a velocidades em que o resultado, em caso de embate, é semelhante àquela que referimos acima sobre o avião, ou seja, não se pode salvar nada ou o que se salva é muito pouco.
No entanto o mais espontâneo acelera de estrada é capaz até de ter o tal receio de ser confrontado com a possibilidade de ser vítima de uma queda de avião, porque na sua mente ele pensa sempre que, se for a conduzir, tem ainda algum controle sobre a situação, mas no ar nada há a fazer. Ora o piloto americano mostrou (e outros têm mostrado ao longo dos tempos) que existe uma margem de controle sobre as situações.
 
Não queremos, como será evidente, menosprezar as qualidades técnicas do dito piloto, nem sequer a sua coragem e sangue frio e a sua opção (ainda que delimitada pelas possibilidades que havia) de amarar e não de escolher antes um outro sítio qualquer, que nem sequer sabemos se estava disponível ou não perto de uma cidade com milhares de torres em betão.
O que se coloca aqui é saber, pelo menos, que a vida dele, piloto, também esteve em jogo. A vida dele, dos colegas de tripulação, dos passageiros, ou seja, todas as vidas estavam em jogo, incluindo a dele piloto.
O Heroi de Lagos, no Algarve, no entanto não tinha a sua vida em jogo quando «num repente» como diz, saltou para o estribo de um enorme camião e torceu o volante do mesmo de forma a fazer embater o veículo que era conduzido por um alegadamente psicologicamente (ou psiquiatricamente) afectado condutor «tresloucado» - segundo a terminologia empregue.
Ou seja, o Heroi de Lagos ia provavelmente a passear, ia almoçar a casa, ou ia mesmo para o trabalho (é auxiliar num estabelecimento de saúde) e, vendo que o «tresloucado» condutor enfileirou o camião para um café - esplanada onde estavam sentadas calmamente cerca de uma centena de pessoas, entre homens, mulheres e crianças, «num repente» como diz em «lingua» algarvia, saltou para o estribo do veículo, forçou o volante das mãos do tal «tresloucado» e centrou-o para bater numa parede reduzindo assim a dois feridos (ele e o condutor) o acontecimento.
Uma senhora veio infelizmente a falecer depois de ser atropelada minutos antes numa outra tresloucada volta do condutor pela baixa de Lagos.
Ora, o heroi de Lagos. não tinha, minutos antes a vida em risco: passou a tê-la a partir do momento em que num repente decidiu fazer o que fez. O seu objectivo, não estando nós dentro da cabeça dele como será claro, foi o de «resolver» uma situação que ninguém até ali tinha tido a possibilidade ou a vontade de fazer: e fê-lo com o sucesso que se conhece.
A nossa televisão e a comunicação social em geral já lá foram a casa visitá-lo, inquirir sobre ele, porque tinha tido aquela atitude...enfim, foram informar-se.
Nos tempos que se seguem será o senhor objecto de algumas, muitas, atenções, na sua terra e fora dela nos sítios deste rectangulozinho português onde ele seja reconhecido. O piloto americano é considerado herói nacional.
Não estamos aqui a tentar fazer comparações entre situações que apenas coincidem no tempo mais ou menos próximo em que tiveram lugar.
Sem retirar mérito a um ou a outro constato as diferenças: os americanos(talvez por vocação, quem sabe e seguramente que não são todos) «nacionalizaram» o herói. O de Lagos, assim que tiver alta dos ferimentos que sofreu vai seguramente voltar a trabalhar para poder viver, ele e a sua família.
Um e outro terão contudo algo a partilhar em partes iguais, algo que sabe muito bem e que é muito gratificante:
 
a sensação do dever cumprido.
 
   Daniel Teixeira
 
Publicado no Jornal Raizonline nº 5 da 3ª semana de Janeiro de 2009

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

COLUNA UM - Sobre a Especificidade e a Globalização.

 
 
COLUNA UM - Sobre a Especificidade e a Globalização.

O Acas, a seguir nesta coluna (ver aqui ), fez o favor de responder ao meu convite para que nos falasse sobre o que é ser-se caipira, o que sente, vive e motiva um caipira que o faz ficar caipira. Em certo sentido tentei que ele me explicasse as razões de fundo do seu orgulho em afirmar-se caipira. 
 
Nunca pretendi como parecerá evidente, ver no caipira um ser estranho a este mundo de modernidade, a este mundo de nivelamento cultural e linguístico, enfim ao mundo em que vivemos.
 
Isto apesar de alguma simplificação comparada (comparamos sempre tudo com tudo) nos levar facilmente a pensar que o caipira é o mesmo que o nosso habitante do interior português, o agricultor de antigamente a soldo dos latifundiários (tipo criado de servir como braço de trabalho e as mulheres também como serviçais) ou da pequena agricultura de sobrevivência, onde existia (e existe) uma relação com fortes laivos de feudalismo - normalmente traduzidos pelo termo compadrio - onde acontecem, nestes tempos de democracia (pelo menos virtual) algumas cumplicidades entre poderosos e «ex-criados» que ultrapassam pelo absurdo tudo aquilo que um defensor da «luta de classes» julgaria possível.
 
Os exemplos mediáticos nesta nossa terra são muitos e podemos falar de Felgueiras, Adelino Ferreira Torres, Alberto João Jardim e todo um manancial que por uma razão ou outra pouco conhecido do grande público é.
 
Mas existem outras relações de solidariedade entre pessoas de classes e condições económicas mais ou menos diferenciadas que não se ficam pela cumplicidade «malandra» e são antes resultantes do respeito mútuo por regras de convivência seculares que não são forçosamente resultado de outras imposições senão as que resultam de uma vivência e de uma história comuns.
 
Afinal, tudo depende dos homens, tudo depende das pessoas. Tudo depende de casos concretos, tudo depende da especificidade que se tem em análise.
 
Numa altura em que todos os povos - e neste momento os mais reparados são os europeus entre os quais neste caso se acentuam os portugueses - são englobados na ideia da mundialização do pensar, num momento em que as próprias tecnologias nos empurram para procedimentos comuns, nivelados, em que o ser «normal» obedece quase a um figurino que se pretende que seja tão único quanto é possível, a afirmação das identidades torna-se trabalho de muito poucos e resistência passiva de muitos.
 
Em certo sentido condenada pela história em andamento a especificidade e a defesa dela começou de forma mais evidente a ser «limada» nos seus pontos mais fracos e o hábito, a cultura, o falar local são seguramente pontos fracos em qualquer sociedade que ficarão como motivo folclórico para turista ver como vai acontecendo todos os dias desde há muito tempo com os povos todos.
 
Teremos nós culpa disso, ou seja, teremos nós achado que era pouco significante que o índio brasileiro, o africano tribal, o ilhéu de Dobu se «civilizassem» à nossa maneira e estaremos nós agora a «pagar» pela nossa desatenção no passado ? Não sei se as coisas não seriam sempre assim qualquer que fosse a nossa atitude...porque de uma forma ou de outra ela aí está e veio para ficar: a globalização cilindrará pura e simplesmente tudo aquilo que destoe do pensar que se vai tornando cada vez mais comum a um maior número.
 
Estamos pois condenados a não ser diferentes e a sermos menos nós - e que não se entendam estas palavras como sendo uma manifestação de derrotismo. É antes a constatação de uma realidade que todos sabemos ser demasiado real.
 
Os portugueses que lêem o Acas quando ele se refere a Portugal, quando ele refere as grandes vantagens de se estar na União Europeia, quando ele fala daquilo que se diz pelo menos em certos estratos da população brasileira sobre a riqueza e a fortuna de se estar na U. Europeia e sobre aquilo que é Portugal actualmente, os portugueses sabem que a imagem que de nós se cria não correspondendo de todo à realidade mas também têm de saber que é assim que as ideias se implantam: manda primeiro o imaginário o manto da ilusão e mostra-se a realidade por si mesma depois. É um processo imparável e infalível...

   Daniel Teixeira

Publicada no Jornal Raizonline no nº 4, 2ª semana de Janeiro de 2009