tag:blogger.com,1999:blog-49841035507641034192024-03-18T21:47:48.217-07:00Blogue do Escritor e Jornalista Daniel TeixeiraDaniel Teixeirahttp://www.blogger.com/profile/02895025907829007517noreply@blogger.comBlogger516125tag:blogger.com,1999:blog-4984103550764103419.post-85607637145087447712015-10-07T13:07:00.001-07:002015-10-07T13:07:23.166-07:00Gostas de mim, não gostas? - Conto de Daniel Teixeira<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEifA-Sm5XS8i_J8rYopH2swio5WBkVBzgGmPLA006LxiA1fFGzteEO-0DqVzV_uoT2M52HyCB_Dya7YQwxnwkkoFKyyGtg_pecvCadUVBVHFsQStXfUox977e_ttqnDNKTa4rQ0ADaLbRGk/s1600/eumini.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEifA-Sm5XS8i_J8rYopH2swio5WBkVBzgGmPLA006LxiA1fFGzteEO-0DqVzV_uoT2M52HyCB_Dya7YQwxnwkkoFKyyGtg_pecvCadUVBVHFsQStXfUox977e_ttqnDNKTa4rQ0ADaLbRGk/s1600/eumini.jpg" /></a></div>
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<b>Gostas de mim, não gostas?<br /><br />Conto de Daniel Teixeira<br /><br />Gostas de mim, não gostas? foi o que ela me perguntou, assim de chofre, naquela tarde na Alameda quando eu tentava fazer com que uma côdea de pão fosse ter certinha a um pobre pato preto que não era suficientemente lesto e deixava sempre que os outros chegassem primeiro ao naco deixando-lhe o bico vazio a chapinhar na água um pouco escura do lago.<br /><br />Eu conhecia aquele pato e estava a estudá-lo havia quase um mês tentando conseguir saber as razões do seu, para mim, estranho comportamento e não interrompi a minha análise e a reflexão que se lhe acoplava como uma luva por causa daquilo que que a moça me perguntou. <br /><br />Se gosto dela (?) agora não dava para responder e para além do mais a minha resposta teria as suas consequentes extensões dialogadas e voltei, sem ter saído, da observação ao pato preto. Era estranho, de facto.<br /><br />Não quero ser cínico, nem sequer quero pensar hoje que naquele dia estava a pensar que o pobre do animal, mesmo não comendo nada, ficava convencido que comia, tal o frenético «mastigar» das suas abas ossudas e a surpresa que eu lhe notei no olhar quando finalmente acabou por «abocanhar» o bom bocado que eu quase lhe encostei ao bico. <br /><br />Ele terá sentido o sólido do pão ao mesmo tempo que eu senti o deslizante da pergunta que me foi feita pela Clarinha.<br /><br />Ora a surpresa do pato foi diferente, certamente, os patos não se surpreendem como os humanos, parece-me claro, mas deve ter sido tão intensa quanto a minha ao ter digerido por inteiro a pergunta que a Clara (Clarinha) me fez.<br /><br />Não deveria ser uma pergunta assim tão estranha se nos conhecêssemos há mais tempo mas era apenas a segunda vez que a levava ali ao lago e depois nos sentávamos num banco esverdeado e suspirávamos respirando o ar puro que o arvoredo nos proporcionava.<br /><br />Era bom e eu de facto gostava de estar ali com a Clarinha porque ela era extremamente pouco conversadora distinguindo-se nisso das outras colegas dela que eu tinha levado noutros dias, colegas essas que pareciam ter uma necessidade absoluta de espalhar vocabulário sobre as ervas, como se estivessem alegremente semeando os pensamentos que manifestamente preferiam estar ausentes das suas cabecinhas.<br /><br />Claro que antes disso, antes do lago e da Alameda tinham havido várias saídas com a Clarinha, o que atenuava um pouco, apenas um pouco o meu potencial de estranheza mas por dentro de mim veio, só para mim, a habitual reacção do perguntado inopinadamente: que raio de pergunta!!.<br /><br />Numa delas, das minhas saídas com a Clarinha, havia uma dessas saídas que eu penso ter sido a mais marcante para a sua pergunta. Terá sido, na minha opinião, o dia eu que eu, descuidado e entusiasmado com o filme que corria no ecrã do cinema local deixei escorregar a mão direita pela sua coxa esquerda e acabei por me encontrar, embaraçado, com a sua mão entrelaçada nos meus dedos apertando-me ela com força toda a superfície sobre-palmar (quer dizer, a parte posterior dos dedos, para simplificar).<br /><br />O filme até nem era nada de jeito mas a dada altura o realizador achou por bem inserir um lago com um único e isolado pato, branco, por sinal, que vagueava em círculos quase concêntricos. Ora este pormenor levou-me a tentar perceber se o sacana do realizador, ou alguém a seu mando, não teria atado uma corda a uma coxa do pato, obrigando-o assim a circular, circular e só circular e isto durante pelo menos um minuto, e foi nessa altura que joguei uma aflitiva mão à pouco aflita coxa da Clarinha.<br /><br />Depois disso o pato e o lago do cinema foram-se embora mas a mão da Clarinha ganhou renovada força própria e tratou de escolher para a minha mão um trajecto que não me envergonhando de todo me impede de o referir aqui em detalhe. <br /><br />Na verdade a escrita, se se entender que «isto» é um escrito, requer-se sóbria, metódica, alinhada, convergente e o que a minha mão fez (não o provocando, esclareço) ultrapassa os limites que a essa mesma escrita todo o escritor (mesmo bera, como eu) lhe deve impor.<br /><br />Por isso eu digo que terá sido esse mero evento (meia hora : depois vieram as luzes e o fim da sessão), provavelmente com significações diferentes para ela e para mim, terá sido esse evento, repito, que terá estado na origem da inopinada pergunta da Clarinha naquele dia na Alameda.<br /><br />Aqui devo confessar que tenho pouca apetência e jeito para fazer entoações diferenciadas pelo que me saiu em resposta à sua pergunta um «Claro que sim, Clarinha, claro que gosto de ti.» o que não sei porquê parece não a ter satisfeito. Debandou, ao que me pareceu bastante irritada, fazendo roçar ruidosamente a saia nos silvados que lhe tentavam tolher o caminho.<br /><br />Vejo-a de quando em vez e ela vira-me simplesmente a cara: sinto vontade de lhe dizer, se para isso tivesse oportunidade, que é injusto que ela me trate assim depois de tudo aquilo que fizemos juntos, tal como estar na Alameda sentados respirando o ar puro da natureza e até tenho pensado, embora desista logo da ideia, que um dia destes lhe falo em irmos ao cinema.</b></div>
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<br /></div>
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<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjl9qdEZrG3BlOa7BqRpHSDc10wJyYaye27VHIfViye9IY58hskVIaaWbSVvYTNxxDwuhH3wQUEZipdpQiOu66SMnDy4q4OAjWD3IBasFEPkPT7rU9L2nZ5ubFMZfOcFuKiza_haCA6N_n5/s1600/1010697_696527853726465_1795374818_n.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjl9qdEZrG3BlOa7BqRpHSDc10wJyYaye27VHIfViye9IY58hskVIaaWbSVvYTNxxDwuhH3wQUEZipdpQiOu66SMnDy4q4OAjWD3IBasFEPkPT7rU9L2nZ5ubFMZfOcFuKiza_haCA6N_n5/s400/1010697_696527853726465_1795374818_n.jpg" width="400" /></a></div>
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Daniel Teixeirahttp://www.blogger.com/profile/02895025907829007517noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4984103550764103419.post-42891257540996856262015-09-28T14:10:00.001-07:002015-10-07T12:57:50.373-07:00Aconteceu - Conto de Daniel Teixeira<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg_at19aFNCDpWoZWjVPPDrVYS4TM72JhNL_HfsBEMe6EHBfswoK1M-gB9zG3swZhtc4BBfBO3lEKrlexkJu6pHuaqnp6RlFS97Ru9ftYBwFz1BDYiNLtuLI2_SZnhdzY8t5431Ag4lkFpB/s1600/parablogue.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="160" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg_at19aFNCDpWoZWjVPPDrVYS4TM72JhNL_HfsBEMe6EHBfswoK1M-gB9zG3swZhtc4BBfBO3lEKrlexkJu6pHuaqnp6RlFS97Ru9ftYBwFz1BDYiNLtuLI2_SZnhdzY8t5431Ag4lkFpB/s400/parablogue.JPG" width="400" /></a></div>
<div style="font-family: helvetica,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 0px 0px 6px; text-align: center; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; widows: 1; word-spacing: 0px;">
<br /></div>
<div style="font-family: helvetica,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 0px 0px 6px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; widows: 1; word-spacing: 0px;">
<br /></div>
<div style="font-family: helvetica,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 0px 0px 6px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; widows: 1; word-spacing: 0px;">
<b>Aconteceu</b></div>
<div style="font-family: helvetica,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 0px 0px 6px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; widows: 1; word-spacing: 0px;">
<br /></div>
<div style="font-family: helvetica,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 0px 0px 6px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; widows: 1; word-spacing: 0px;">
<b>Conto de Daniel Teixeira </b></div>
<div style="font-family: helvetica,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; widows: 1; word-spacing: 0px;">
<br /></div>
<div style="font-family: helvetica,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; widows: 1; word-spacing: 0px;">
<b>Foi assim que as coisas aconteceram ou então é assim que eu me lembro delas e isso pode não ser a mesma coisa, é certo, mas vou contar como eu me lembro porque acho que nunca estarei longe daquilo que de facto aconteceu.</b></div>
<div style="font-family: helvetica,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; widows: 1; word-spacing: 0px;">
<br /></div>
<div style="font-family: helvetica,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; widows: 1; word-spacing: 0px;">
<b>Foi há muito tempo já, há mais de trinta anos, já nem sei exactamente quantos porque o tempo das lembranças não tem a mesma forma de ser medido que o tempo da realidade. Não sendo coisas totalmente diferentes é certo e toda a gente sabe que recordação não é bem a mesma coisa que a realidade, que não têm a mesma idade e que é muito raro, mesmo muito raro que a recordação e a realidade passada coincidam , que isso é pouco possível por mais que nos esforcemos como eu faço agora.</b></div>
<div style="font-family: helvetica,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; widows: 1; word-spacing: 0px;">
<br /></div>
<div style="font-family: helvetica,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; widows: 1; word-spacing: 0px;">
<b>Eu era jovem, isso é certo, e ainda por cima pensava que era possível ser-se jovem e ter ideias revolucionárias e na altura estava convencido que as coisas iam mesmo mudar, todos os dias pensava nisso e várias vezes pensava nisso e foi nesse tempo que o homem entrou no café, era um café de gente fina, lembro-me bem que tinha um espaço onde a gente, gente que não era fina, não devia ir ou não devia sentar-se.</b></div>
<div style="font-family: helvetica,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; widows: 1; word-spacing: 0px;">
<br /></div>
<div style="font-family: helvetica,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; widows: 1; word-spacing: 0px;">
<b>As mesas não estavam reservadas mas era costume as pessoas que não eram finas não se sentarem naquele espaço, que era um espaço grande que estava por vezes quase vazio mas que também estava por vezes quase cheio e naquele dia estava bem cheio, aquele espaço.</b></div>
<div style="font-family: helvetica,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; widows: 1; word-spacing: 0px;">
<br /></div>
<div style="font-family: helvetica,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; widows: 1; word-spacing: 0px;">
<b>O homem era um homem do campo, ainda trazia as botas enlameadas que tratou de fazer bater no chão em calçada lá fora mas a lama não saiu toda e o homem foi por ali fora e falou com o empregado de mesa e disse-lhe que queria falar com o doutor, que era médico, porque a sua mulher estava muito mal e ela precisava do médico.</b></div>
<div style="font-family: helvetica,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; widows: 1; word-spacing: 0px;">
<br /></div>
<div style="font-family: helvetica,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; widows: 1; word-spacing: 0px;">
<b>Ele era gordo, o médico, bem gordo e acho que ele estava a jogar às cartas com os amigos e depois de um bom bocado acabou por se levantar e vir ter com o homem que tinha as botas sujas e o chapéu na mão.</b></div>
<div style="font-family: helvetica,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; widows: 1; word-spacing: 0px;">
<br /></div>
<div style="font-family: helvetica,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; widows: 1; word-spacing: 0px;">
<b>A mulher estava muito mal, dizia ele, doía-lhe muito a barriga e o corpo todo e ele precisava que o senhor doutor a fosse ver, receitar-lhe qualquer coisa ou trazê-la para o hospital e o médico disse-lhe: eu conheço-te, tu moras lá no cerro e eu não vou lá, os caminhos não prestam e a última vez que lá fui, para aqueles lados, amolguei o carro todo, à frente e nos lados, gastei uma remessa de dinheiro para o arranjar, não vou lá não, tens de trazer a mulher aqui.</b></div>
<div style="font-family: helvetica,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; widows: 1; word-spacing: 0px;">
<br /></div>
<div style="font-family: helvetica,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; widows: 1; word-spacing: 0px;">
<b>Mas ela não pode doutor, disse o homem do chapéu na mão, ela nem se consegue mexer e vir com ela, na mula, eu não consigo nem ela consegue cá chegar e o médico disse outra vez que não estava para estragar o carro e que o mais certo era ser alguma coisa que ela tivesse comido que lhe tivesse feito mal e ela que se deitasse e tomasse chá, que dormisse e se amanhã ela não estivesse melhor então ele que trouxesse duas mulas que ele ia numa delas mas que o carro não levava até àqueles caminhos e isso nem pensar.</b></div>
<div style="font-family: helvetica,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; widows: 1; word-spacing: 0px;">
<br /></div>
<div style="font-family: helvetica,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; widows: 1; word-spacing: 0px;">
<b>Mas o homem das botas sujas não arredou pé, continuou a pedir ao médico que fosse e disse-lhe que só tinha uma mula mas o médico que fosse nela que ele ia a pé. Depois acrescentou baixinho que ela, a sua mulher, deitava sangue da barriga e que o sangue era muito e que ele tinha de ir vê-la, pelo amor de Deus, acrescentou o homem das botas sujas e do chapéu na mão.</b></div>
<div style="font-family: helvetica,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; widows: 1; word-spacing: 0px;">
<br /></div>
<div style="font-family: helvetica,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; widows: 1; word-spacing: 0px;">
<b>Já sei o que se passa, meu grande burro, disse-lhe o médico em voz alta e todos ouviram os amigos dele que estavam a jogar cartas e as outras pessoas que estavam sentadas às mesas da parte fina do café e também as que estavam da outra parte do café.</b></div>
<div style="font-family: helvetica,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; widows: 1; word-spacing: 0px;">
<br /></div>
<div style="font-family: helvetica,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; widows: 1; word-spacing: 0px;">
<b>E disse ainda o médico gordo, que sabia bem que ela se tinha metido com a velha Ermelinda para fazer um desmancho e que ela tinha dado cabo de tudo e que ele não ia estragar o carro por causa da burrice deles, que a velha Ermelinda merecia ser presa e eles também porque isso não se faz, os desmanchos, e ainda menos por quem não percebe nada do assunto como era o caso da velha Ermelinda.</b></div>
<div style="font-family: helvetica,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; widows: 1; word-spacing: 0px;">
<br /></div>
<div style="font-family: helvetica,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; widows: 1; word-spacing: 0px;">
<b>E eu que não conhecia a velha Ermelinda nem sabia o que se passava, não sabia que àquela coisa se chamava um desmancho, pensei que ele, o médico, ia receitar qualquer coisa para o homem ir comprar à farmácia mas ele disse que tinha de ir lá mas que não ia estragar o carro, ia na mula e dizia que ela tinha de andar depressa senão não havia nada a fazer e a mulher dele morria e foi quando o homem do campo começou a chorar e a pedir ainda mais vezes que o senhor doutor fosse lá por amor de Deus e chorava muito o homem.</b></div>
<div style="font-family: helvetica,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; widows: 1; word-spacing: 0px;">
<br /></div>
<div style="font-family: helvetica,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; widows: 1; word-spacing: 0px;">
<b>Anda daí meu grande burro, disse então o médico, um homem não chora, era só o que me faltava estar agora a aturar as tuas lágrimas e depois disse-lhe ainda que ele deixasse a mula guardada por ali e que iam os dois no carro dele e que ele ia estragar o carro todo, ia ficar com o carro cheio de amolgadelas e que as suspensões iam ficar uma merda e que ele era um burro por deixar a mulher meter-se naqueles trabalhos, e que mesmo que ele já tivesse cinco filhos isso não era razão nenhuma porque panela onde comem cinco comem seis e foram andando depois dele dizer um já volto para os amigos que jogavam cartas.</b></div>
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<br /></div>
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<b>O médico só voltou muitas horas depois, já eu tinha jantado e tinha voltado ao café para ver se sabia alguma coisa quando ele entrou queixando-se de que tinha estragado o carro todo, que ia ter de gastar uma pipa de massa para o por em condições e os amigos foram ver o carro e eu e os outros fomos todos ver o carro que estava coberto de lama até às portas e tinha amolgadelas à frente e de lado e ele então carregou no tejadilho para que ouvissem as suspensões que rangiam como tudo e disse estão a ver a merda de profissão que eu arranjei e ninguém quis saber da mulher que ele tinha ido tratar e eu fiquei a pensar se ela teria morrido ou não, e só soube no outro dia, que ela não morreu quando o homem veio buscar a mula que tinha ficado abrigada num telheiro ao pé do café e ele disse para quem estava por ali que o senhor doutor às vezes é de mau trato mas que é muito bom homem, muito boa pessoa.
</b></div>
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<div style="display: inline; font-family: helvetica,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px 0px; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; widows: 1; word-spacing: 0px;">
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<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjguzGtyAY7VCYYXlhHfcrqQGOQdVmLk8S2C0IbD9X2dZqPwr2mztbjUcFnv24xzxnNrl-s92e6OXqjOIAej2BhAXV9rZkxxXTEVVks6_Lgj0sVl3kjtt2n9JL76B7q9fbCybKwFaKQz5k0/s1600/11146564_384762398375538_6885407378162362298_n.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjguzGtyAY7VCYYXlhHfcrqQGOQdVmLk8S2C0IbD9X2dZqPwr2mztbjUcFnv24xzxnNrl-s92e6OXqjOIAej2BhAXV9rZkxxXTEVVks6_Lgj0sVl3kjtt2n9JL76B7q9fbCybKwFaKQz5k0/s400/11146564_384762398375538_6885407378162362298_n.jpg" width="266" /></a></div>
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Daniel Teixeirahttp://www.blogger.com/profile/02895025907829007517noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4984103550764103419.post-55358686430557606182015-09-07T15:19:00.000-07:002015-09-07T15:19:00.093-07:00Conto baixinho - Daniel Teixeira<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhh5_DF3JiBQ3oKX-yt5DXo3-LhobFN-apof4H8Yss9rI1g6Iiv4yISjAI0FvGulCjIP8e6UN_Lo9wiRv35Tm13K-cYsRrzOn4P4iDmaGKTZgEGXiMLjcfcJKSP2Gu23h7bZJ9R8AFF2O2g/s1600/PICT0182.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhh5_DF3JiBQ3oKX-yt5DXo3-LhobFN-apof4H8Yss9rI1g6Iiv4yISjAI0FvGulCjIP8e6UN_Lo9wiRv35Tm13K-cYsRrzOn4P4iDmaGKTZgEGXiMLjcfcJKSP2Gu23h7bZJ9R8AFF2O2g/s320/PICT0182.JPG" width="240" /></a></div>
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<b>Conto baixinho<br /><br />Eu já estou emigrado há longo tempo e embora não esteja muito longe do meu local de nascimento, do meu país, da minha pátria, nunca mais aqui pus os pés.<br /><br />Não interpretem isto como sendo uma forma de desapego injurioso para com as minhas raízes, ou como uma manifestação de peneirice motivada por alguma ideia de superioridade entre a minha vida presente e o meu passado porque na verdade lá onde vivo as coisas não me correm bem, passo mesmo alguma fome sobretudo no refeitório da fábrica onde trabalho que desde há anos aderiu à ementa quase gourmet e aos fins de mês é um verdadeiro suplício pagar as poucas contas que tenho.<br /><br />Durmo perto de uma linha de comboios que trabalha 24 horas por dia praticamente fazendo passar um comboio por minuto e no emprego, para além da escassez dos alimentos de que já falei sou tratado como um cão, ou talvez a imagem não esteja certa porque os cães em princípio não têm de fazer centenas de peças por dia e algumas delas são autênticas ofensas para o que resta do meu ego memorial pessoal.<br /><br />No meu dia a dia estou simplesmente farto de fazer tampas de campainhas para bicicletas, puxadores para caixões e juntar com solda as duas metades das garrafas de camping gás, eu que até não sou adepto do campismo, eu que tinha em bom recato a imagem das duas rodas pedaladas na infância, eu que vejo em cada par de puxadores a imagem fúnebre de um pobre diabo estendido num isolado e frio recanto de uma igreja.<br /><br />Chego a colocar problemas filosóficos sobre o triste destino do proletário que eu sou, alienado do resto do produto do meu trabalho, sem saber quem vai tocar alguma daquelas campainhas que eu comecei, quem vai ter uma garrafa de gás «das minhas» ou mesmo quem vai ser o usuário daqueles puxadores que a terra não irá seguramente comer desde logo, mas que comerá devagar durante anos de ferrugimento.<br /><br />É triste mas é assim e antes que me perca mais em divagações deixem-me tentar explicar porque não me apeteceu voltar aqui ao meu país até agora. A explicação é fácil e não foge aos clichés habituais que se foram cimentando sobre o ser do emigrante.<br /><br />Uma coisa é viver mal no estrangeiro, o que o comum dos nossos mortais conterrâneos gregarizados na ignorância dos mundos lá fora considera ser impossível e outra coisa bem diferente é viver mal no nosso próprio país, onde se passa uma imagem inversa.<br /><br />É absolutamente possível para a minha classificação social, aliás, diria que é a possibilidade única, viver-se mal no nosso país e nem sequer ter a veleidade de fazer passar a imagem de uma réstia de felicidade mesmo quando se vai ver um bom filme ou se sai de uma jantarada contadinha ao tostão. Ser triste, ser pobre, macambúzio, lamechas, choramingas, é a regra nacionalizada que não admite excepção.<br /><br />Lá fora, onde estou, é diferente e para mim, nem sequer é possível ter a pretensão absurda de pensar que vivo descansadamente mal porque os outros cá não o sabem. Os nossos antecessores, neste êxodo migratório secular, levaram, todos eles, a realidade escondida nos bolsos e dela não abrem mão pública. Mas eles sabem tudo, sabem tudo e não fica nada que eles não saibam.<br /><br />Na verdade, e aprofundando as coisas, a grande valorização de estar longe do seu país é porque a miséria no estrangeiro é sempre melhor tolerada que a miséria no nosso país. Não é uma questão de grau, viver mal é igual em todo o mundo e não tem escalas, mas a sensação é diferente.<br /><br />A miséria do cosmopolita pode até ser chique, tem um status, vale psicologicamente mais embora o aperto da fome nos estômagos seja igual em qualquer canto do mundo. Mas é assim...e basta ler os jornais para saber que é mesmo assim: um sem abrigo em Nova York tem infinitamente mais classe que um sem abrigo em Lisboa.<br /><br />Pois bem: amealhei durante cinco anos para fazer uma deslocação a Portugal, à minha terra, ver os amigos que ainda restam, e sobretudo ver se ainda restava algum, enfim, foi uma decisão longamente ponderada: cinco anos é assim um tempo normal para se considerar longo, acho eu e em estado de ponderação pode considerar-se quase uma tibetana eternidade.<br /><br />Assim que desembarquei do autocarro calhou-me logo ver ao balcão da bilheteira uma antiga namorada minha, velha como tudo, de papos horríveis nos olhos e umas mamas transbordando em suporte incompleto no tampo anterior do balcão.<br /><br />Ela fez o favor de nem me reconhecer, o que é foi bom porque não sabia mesmo o que lhe dizer se entrássemos em conversa. Quase tínhamos estado no altar da Igreja não fora o facto de ter sido um falso alarme a sua possível gravidez, o que levou a um adiamento sine die que ela não levou muito a gosto na altura e de certa forma acho que foi melhor para ela assim. Se ela soubesse o que eu sei hoje sobre a minha vida reconheceria rapidamente o favor que eu lhe fiz.<br /><br />Mas erro meu, aqui, neste fugaz encontro com a minha antiga namorada: na verdade ela apenas fez que não me reconheceu mas topou-me e bem. Eu estava mais magro, foi o que me disse quando saiu de trás do guichet e aqui as mamas dela pareceram-me mais proporcionadas e até os papos nos olhos pareciam ter diminuído.<br /><br />Se eu não fosse um gajo frio, calmo, ponderado, racional ao extremo teria pensado que havia ainda um pouco do fogo da nossa paixão e parece-me que sim. Na verdade, as coisas são como são: ela disse-me que tinha esperado sempre por mim, que eu tinha sido o único homem da vida dela e mais coisas que me enterneceram o coração.<br /><br />Teria ficado por cá, demo-nos muito bem durante os dias que cá estive, acabei por não encontrar ninguém verdadeiramente conhecido e aquelas pessoas que o tinham sido, conhecidas, homens e mulheres já não eram os mesmos pelo que nada me prendia senão o decrescer vertiginoso da amplitude das mamas da Joana, o aligeirar dos papos nos olhos e mais umas coisas que relevam do domínio do íntimo e pessoal.<br /><br />Mas pesei tudo, ponderei cerca de trinta dias e cheguei à conclusão que era impossível viver nesta miséria portuguesa (não levem a mal), um país onde não havia campainhas de bicicleta, garrafas de camping gás e puxadores de caixões para fazer. Nada, não havia nada: nem sequer comboios de minuto a minuto. Uma autêntica miséria....<br /></b></div>
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<b>Daniel Teixeira</b></div>
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<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgJSCLw_0iB2Ij2jjenebu70Rl85ihrsu7s-ArVsUcEWIS1sqt2sFvmCak3Ot_mstZN-rcd0egtmDScpx0WbPb32bQwT0lDdiN34b5rfHeJinwf2do7nThc0uYHJhi6Rgl-cJRcgTsKCKgu/s1600/beach-sunset-background-images-hd-wallpaper-wallpapers-source_beach-sunset-background-images-hd-wallpaper.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="225" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgJSCLw_0iB2Ij2jjenebu70Rl85ihrsu7s-ArVsUcEWIS1sqt2sFvmCak3Ot_mstZN-rcd0egtmDScpx0WbPb32bQwT0lDdiN34b5rfHeJinwf2do7nThc0uYHJhi6Rgl-cJRcgTsKCKgu/s400/beach-sunset-background-images-hd-wallpaper-wallpapers-source_beach-sunset-background-images-hd-wallpaper.jpg" width="400" /></a></div>
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Daniel Teixeirahttp://www.blogger.com/profile/02895025907829007517noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4984103550764103419.post-82862943524135761072015-07-25T14:37:00.001-07:002015-07-25T14:37:35.588-07:00Sobre o cultivo da palavra - Texto de Daniel Teixeira<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEifA-Sm5XS8i_J8rYopH2swio5WBkVBzgGmPLA006LxiA1fFGzteEO-0DqVzV_uoT2M52HyCB_Dya7YQwxnwkkoFKyyGtg_pecvCadUVBVHFsQStXfUox977e_ttqnDNKTa4rQ0ADaLbRGk/s1600/eumini.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEifA-Sm5XS8i_J8rYopH2swio5WBkVBzgGmPLA006LxiA1fFGzteEO-0DqVzV_uoT2M52HyCB_Dya7YQwxnwkkoFKyyGtg_pecvCadUVBVHFsQStXfUox977e_ttqnDNKTa4rQ0ADaLbRGk/s1600/eumini.jpg" /></a></div>
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<b>Sobre o cultivo da palavra<br /><br />Texto de Daniel Teixeira<br /><br /><br />Este é um dos textos mais monótonos que alguma vez escrevi e para quem se questione como sei eu que este é um dos textos mais monótonos que alguma vez escrevi devo responder que sei isso porque o meditei todo, mais palavra menos palavra, há poucos minutos enquanto tomava o pequeno almoço: algumas bolachas e café com leite, para alimentar a saciedade dos mais curiosos.<br /><br />Poderemos sempre perguntar-nos porque é que eu tomo um pequeno almoço que segundo os parâmetros, mesmo os continentais, é um pequeno almoço frugal, até excessivamente frugal segundo me dizem e que para estar a tomar um pequeno almoço destes, também segundo me dizem, mais valia estar sossegado e passar directamente à refeição seguinte.<br /><br />Pois bem - e esta parte já não faz parte do meditado antes e que virá a seguir - eu sempre fui uma pessoa de pouca comida de manhã, aliás de manhã é quase tudo aos poucochinhos para mim, e tudo se assemelha ao bochecho do lavar dos dentes, ao fraco dispêndio calórico com que faço tudo até à hora da bica. O esforço que consumo está numa proporção directa com o volume do frugal ou mesmo miserável pequeno almoço que tomo.<br /><br />É a partir da bica que a minha acelerada vida, um pouco mais acelerada vida - não exageremos - começa. Aqui caberia bem uma anedota sobre alentejanos mas não posso perder de vista o objectivo deste texto já reflectido sob risco de esgotar o espaço para introdução de texto que a moderna forma de leitura me permite. Nem pouco nem muito, porque o pessoal não está muito virado para leituras de testamentos nem de Lusíadas de assentada.<br /><br />Pois bem, mas antes de ir ao reflectido tenho de descrever de uma forma mais clara o que é a minha vida de manhã e isto porque não quero que os meus queridos leitores achem que eu faço tudo em pequenino: salvo os bochechos do lavar dos dentes, limitados pelo espaço entre dentes e pelo normalmente pequeno volume do interior de uma boca normal, o resto é abundante, tal como a água do duche ou mesmo o sabão para a barba, mas lento, lento, numa exploração exaustiva da minha condição de sulista. Chego a levar uma hora a despachar-me e nunca tive grandes problemas com isso.<br /><br />Levanto-me cedo precisamente por causa disso: prefiro dormir menos e continuar a explorar este ritmo matinal do que levantar-me mais tarde e trocar as voltas às rotinas, porque de rotinas se trata. Em rigor não tenho de pensar absolutamente nada antes da bica. Tudo é mecânico, espontâneo e mesmo quando a tampa da pasta de dentes calha a cair dentro da bacia é igualmente mecânico o gesto que me leva a apanhá-la e a colocá-la no circuito certo e donde nunca deveria ter saído.<br /><br />O que mais me chateia, para além do facto de alguém se atrever a apressar-me, coisa que acontece uma vez na vida por razões que têm de ser devidamente fundamentadas, o que mais me chateia, dizia, é tocar o telefone. Não porque eu não goste de falar ao telefone (ah! se aquele telefone falasse...sozinho!) mas porque o som é sempre irritante mesmo que eu o tenha adocicado com um género de princípio de uma sinfonia de Beethoven, ou Schubert, não interessa para o caso...ou será de outro gajo qualquer?<br /><br />Bem, verdadeiramente não interessa, embora agora fique a magicar sobre isso. Quem será o sacana?! Strauss? O Piotr Ilich Tchaikovski? O Wolfgang Amadeus Mozart? Tenho de ver se me lembro de descobrir isso da próxima vez que o telefone tocar, desde que não seja enquanto eu estou nas minhas rotinas matinais porque aí o gajo que toca na campainha (falo do telefone fixo, esclareço) é um filho da p. e o gajo ou a gaja que me telefona inicialmente é também isso embora eu possa mudar de opinião depois de ouvir as primeiras palavras.<br /><br />Para o efeito tenho um conjunto de telefones em casa que ocupam toda a casa mas não me arrisco a meter um na casa de banho: não é por nada mas acho exagerado. Todas as coisas têm o seu limite e este é um daqueles que eu estabeleci a mim mesmo: nem televisão, nem rádio, nem telefone na casa de banho. Na casa de banho apenas o necessário para cumprir as funções da dita embora haja por lá tralha a dar com um pau, felizmente arrumada em prateleiras, mesa, gavetas e etc.<br /><br />Mas voltando ao que interessa, que é o cultivo da palavra: já não tenho assim grande espaço para escrever sobre o cultivo da palavra, o que é pena, mas posso deixar um resumo: o cultivo da palavra versaria - se eu não tivesse perdido o meu tempo e o espaço de escrita - sobre a subjectividade e a sucessão de impressões subjectivas que criamos sobre a palavra, tendo por base a poesia de António Ramos Rosa, mas podia ser de outro qualquer, porque a tese a defender era uma tese a la Palisse e suportava qualquer poeta mesmo pouco famoso.<br /><br />É pena não poder desenvolver mais o tema mas a culpa não é minha: está estudado que as pessoas não lêem mais do que x palavras num texto e mesmo que isso me seja indiferente, que é, de facto, não quero fugir a essa regra. Provavelmente escreverei sobre o cultivo da palavra noutra altura porque a reflexão, agora que me despeço, até tinha o seu interesse e a sua piada.<br /><br />É pena não haver mais espaço..</b></div>
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<b><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgCBVcCS3tHAYl7nVyu8Yzs7ncfC9IYOekaI58Lj3Gd2X6jVAwN8mz7V_VJUSAWyRJJdF7o-MGKpAy9BCApo8SYwKNWUfbofZgnDxo5W7ytPyk1Q6fUOqnRjHgLDl_twyBzPl9xUTPH196u/s1600/1452241_810201259021188_274720993037672787_n.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="267" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgCBVcCS3tHAYl7nVyu8Yzs7ncfC9IYOekaI58Lj3Gd2X6jVAwN8mz7V_VJUSAWyRJJdF7o-MGKpAy9BCApo8SYwKNWUfbofZgnDxo5W7ytPyk1Q6fUOqnRjHgLDl_twyBzPl9xUTPH196u/s400/1452241_810201259021188_274720993037672787_n.jpg" width="400" /></a></b></div>
<br />Daniel Teixeirahttp://www.blogger.com/profile/02895025907829007517noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4984103550764103419.post-74703030441893695172015-07-02T14:54:00.002-07:002015-07-02T14:54:58.438-07:00Um caso esquisito? - História de humor de Daniel Teixeira<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEifA-Sm5XS8i_J8rYopH2swio5WBkVBzgGmPLA006LxiA1fFGzteEO-0DqVzV_uoT2M52HyCB_Dya7YQwxnwkkoFKyyGtg_pecvCadUVBVHFsQStXfUox977e_ttqnDNKTa4rQ0ADaLbRGk/s1600/eumini.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEifA-Sm5XS8i_J8rYopH2swio5WBkVBzgGmPLA006LxiA1fFGzteEO-0DqVzV_uoT2M52HyCB_Dya7YQwxnwkkoFKyyGtg_pecvCadUVBVHFsQStXfUox977e_ttqnDNKTa4rQ0ADaLbRGk/s1600/eumini.jpg" /></a></div>
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<b>Um caso esquisito?<br /><br />História de humor de Daniel Teixeira<br /><br /><br />Ontem quando me deitei já era tarde. É claro que tudo depende da ideia do ser cedo ou ser tarde mas essencialmente o que me interessa fazer reparar aqui é que era tarde, na minha perspectiva, de acordo com o meu pensamento ou de acordo com os meus parâmetros. <br /><br />Ora, aqui uma outra questão se pode levantar que é de se saber se os meus parâmetros sobre o ser cedo ou sobre o ser tarde são os parâmetros correctos ou normais. Isso não seria relevante se não dependesse da verdade desta análise a continuidade da estória que quero contar, porque na verdade, e em boa verdade vos digo, se eu me tiver deitado realmente tarde não será de estranhar o desenvolvimento que a estória que pretendo contar tem, mas inversamente, se eu me tiver deitado cedo, ou pelo menos não muito tarde, seria de esperar que a estória tivesse um outro desenvolvimento colocando-se assim um verdadeiro busílis narrativo que fará colocar-se o problema do limiar destrinçante entre o real e o irreal.<br /><br />Eu explico melhor: se me deitei tarde, e se for aceite essa ideia de eu me ter deitado tarde é absolutamente normal que aquilo que se passou comigo tenha sido um sonho e logo que a estória nada tenha de paranóico, isto é sendo eu radical, ou de menos normal, sem radicalismos, porque nos sonhos, como se sabe, vale tudo e mais alguma coisa.<br /><br />Mas, se eu me deitei cedo então terei de reconhecer que a possibilidade de se ter tratado de um sonho, não sendo de todo remota contudo, é reduzida, e aquilo que é o objecto desta estória é realmente algo de anormal, de menos comum, um pouco doentio mesmo ou então, estranho e para não entrarmos nestes campos esquisitos do se ser são ou se ser "maluquinho".<br /><br />Até porque esta coisa da normalidade, minha ou da estória, tem muito a ver com aquilo que é corrente e é esse corrente que é o parâmetro aferidor: estamos próximos, ou em posição credivelmente aceitável daquilo que é corrente e aquilo que fazemos ou contamos é normal, ou estamos afastados daquilo que é corrente e aquilo que fazemos ou aquilo que contamos é anormal, paranóico (em extremo) ou só maluquinho numa versão mais tolerante.<br /><br />Pois bem, o que quero contar é o seguinte: estava eu deitado, dormindo ou não dormindo isso é questão pendente, sonhando ou não sonhando igualmente questão pendente, neste caso de duas condicionantes (estar a dormir e estar a sonhar) quando me tocaram à campainha da porta.<br /><br />Não costumo receber visitas tardias pelo que pensei desde logo estar a sonhar e voltei-me para o outro lado, coloquei meticulosamente a almofada sobre a cabeça, calquei-a com aquele solene e simultaneamente carinhoso gesto da praxe (todos sabem como é, uma almofada não é só uma almofada, é também um pouco de nós) mas, a campainha continuava a tocar depois de um ligeiro intervalo que eu calculo ter sido de poucos segundos mas que pode ter sido de mais tempo se eu me tiver deixado dormir e tiver perdido a noção do tempo.<br /><br />Levantei a cabeça da almofada de baixo deixando cair a de cima que antes tinha afagado (nunca compreendi muito bem porque é que as pessoas levantam a cabeça para ouvir melhor mas enfim, agora não interessa), coloquei os dois ouvidos em escuta plena bandeando a cabeça não fosse haver traição timpanal de um deles e, de facto, estavam a tocar-me à campainha, só podia ser isso uma vez que a hipótese da campainha tocar sozinha era de afastar.<br /><br />Levantei-me, gritei um já vai porque aquele ruído da campainha é irritante mesmo de dia e ainda mais de noite, espreitei pelo ralo e surpresa: uma cara sorridente aparecia no buraquinho, de cabelo amarelamente louro e tez bronzeada. <br /><br />"Caramba!"- disse para mim mesmo: eu não encomendei nenhuma pizza e se tivesse encomendado estas não são horas para entregar pizzas e para além disso os entregadores de pizza são normalmente homens, ou pelo menos são pessoas do sexo masculino e por princípio trazem uma embalagem de plástico ou de cartão à frente e a moça a única coisa que trazia à frente era um volumoso par de seios (são sempre aos pares) repuxados para cima e prontos a saltar, isto já visto e analisado depois de eu ter entreaberto a porta.<br /><br />"Olá!"-disse-me ela. "Olá!"- disse-lhe eu e ali ficámos nos olás cerca de vinte segundos mais coisa menos coisa não tinha o relógio à mão. Depois tudo se passou como num sonho: ela entreabriu a racha da saia (que por acaso até era gira, a saia) mostrou-me uma nesga de abundante joelho com entrada de coxa, penetrou uns centímetros dentro do hall e jogou-se a mim (eu estava paralisado, como será de entender) e sem mais nem menos deu com o sapato esquerdo na porta fazendo-a fechar-se quase sem estrondo.<br /><br />Caramba! Caramba! Era a única coisa que me vinha à mente.<br />"Surpresa!" dizia ela. <br />Bolas pensei que tivesses levado a chave...disse depois de refeito. <br />E trouxe, meu tontinho...disse-me ela mostrando o molho de chaves. Mas tu, como sempre esqueceste-te de tirar a tua chave da fechadura...meu tontinho. <br />Acabei por ter de lhe ir dando razão até que mergulhei na cama e me deixei de facto dormir. <br />Ou não?!</b></div>
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<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh4ebljacGH8zn1ewOIIF80N23KSnIvtRrPhK3eJyFXGLaQ-k8mgbtFsc9ICGHu86PdDXoHo0VpABHZoLOUUp1KWhBnyj0uauOvzV8v-1jDmeLmractK4M6-2yCxnEpy4RDT-AYyuuAi0Zl/s1600/m30cb1793.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="298" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh4ebljacGH8zn1ewOIIF80N23KSnIvtRrPhK3eJyFXGLaQ-k8mgbtFsc9ICGHu86PdDXoHo0VpABHZoLOUUp1KWhBnyj0uauOvzV8v-1jDmeLmractK4M6-2yCxnEpy4RDT-AYyuuAi0Zl/s400/m30cb1793.jpg" width="400" /></a></div>
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Daniel Teixeirahttp://www.blogger.com/profile/02895025907829007517noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4984103550764103419.post-35342345224865480662015-06-19T14:15:00.001-07:002015-06-19T14:15:42.824-07:00Joaquim de Fiore e August Comte<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEifA-Sm5XS8i_J8rYopH2swio5WBkVBzgGmPLA006LxiA1fFGzteEO-0DqVzV_uoT2M52HyCB_Dya7YQwxnwkkoFKyyGtg_pecvCadUVBVHFsQStXfUox977e_ttqnDNKTa4rQ0ADaLbRGk/s1600/eumini.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEifA-Sm5XS8i_J8rYopH2swio5WBkVBzgGmPLA006LxiA1fFGzteEO-0DqVzV_uoT2M52HyCB_Dya7YQwxnwkkoFKyyGtg_pecvCadUVBVHFsQStXfUox977e_ttqnDNKTa4rQ0ADaLbRGk/s1600/eumini.jpg" /></a></div>
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<b>Joaquim de Fiore e August Comte<br /><br /> Por: Daniel Teixeira<br /><br />August Comte, foi um filósofo francês, e tendo em conta que a sua filosofia teve grande propagação e se transformou quase numa religião na América do Sul, este trabalho destina-se a oferecer mais uma possibilidade de se verificarem alguns pontos de convergência entre diversas concepções do mundo e do ser humano existentes entre a ontologia de Comte e a sua visão culta do acontecimento histórico, e, neste caso, as ideias do abade Joaquim de Fiore (c.1135-1202) e o seu pensamento messianista que se acredita ter sido o principal fundamentador da teoria sebastianista portuguesa. <br /><br />A apresentação do messianismo, como manifestação de uma esperança em algo que resulta não do nosso esforço mas de algo que tem de acontecer, é feita simultaneamente e intercaladamente com a Teoria dos Três Estados de August Comte, cujos pontos de convergência com Fiore achamos importante realçar neste trabalho.<br /><br />Não nos debruçamos sobre o Sebastianismo em si, que é uma sub - divisão localizada do messianismo mas deixamos algumas pistas para outros trabalhos sobre esta questão messiânica que desenvolveremos noutras oportunidades.<br /><br />Joaquim de Fiore foi abade de um convento cisterciense na Calábria. Dividia a história em três fases sucessivas, ou, para falarmos na terminologia do autor, em três estados (status): o do Pai, o do Filho e o do Espírito Santo.<br /><br />Para Fiore o estado do Pai iniciou-se com Adão, começou a frutificar em Abraão e terminou em Zacarias, o pai de S. João Batista. Caracteriza-se pela imposição rigorosa de mandamentos exteriores, à qual corresponde, da parte dos homens, o temor.<br /><br />Em Comte, o seu Primeiro Estado, ou Estado Teológico é descrito assim: No estado teológico, o espírito humano, dirigindo essencialmente as suas investigações para a natureza intima dos seres, para as causas primeiras e finais de todos os efeitos que o afectam, numa palavra, para os conhecimentos absolutos, imagina os fenómenos como um produto da acção directa e contínua de agentes sobrenaturais mais ou menos numerosos, cuja intervenção arbitrária explica todas as anomalias aparentes do universo.<br /><br />Para Joaquim de Fiore o estado do filho iniciou-se com Osias, rei de Judá (Sec.VII A.C.), começou a frutificar com Jesus e deverá terminar (deverá ter terminado) por volta de 1260. Caracteriza-se pela humildade do verbo encarnado, à qual corresponde, da parte dos homens, a obediência confiante a leis ainda não completamente interiorizadas. <br /><br />Ou seja, o homem entrega-se ao seu «destino» e segue confiante as leis da natureza (e as suas) que não compreende mas atribui-lhes um valor ontológico e de verdade ou certeza.<br /><br />Para Comte, o seu segundo (cronologicamente) Estado é o Estado metafísico: No estado metafísico, que, no fundo, não é mais do que uma simples modificação geral do primeiro, os agentes naturais são substituídos por forças abstractas, verdadeiras entidades (isto é, abstracções personificadas) inerentes aos diversos seres do mundo, e concebidos como capazes de engendrar por eles mesmos todos os fenómenos observados, cuja explicação consiste, então, em atribuir a cada um a entidade correspondente.<br /><br />Para Fiore o seu Terceiro Estado é o estado do Espírito Santo: iniciou-se em S. Bento, começará a frutificar (terá começado a frutificar) por volta de 1260, e deverá terminar com a consumação dos séculos. <br /><br />Caracteriza-se pelo amor e pela liberdade espiritual e as leis já não são impostas nem propostas, mas livremente aceites, amadas e vividas. Ou seja, e por outras palavras o homem interioriza as leis, assume-as como necessárias, mas como se depreende pelo termo «aceites» não as faz.<br /><br />Em Comte o seu Terceiro Estado é o Estado positivo: No estado positivo, o espírito humano, reconhecendo a impossibilidade de obter noções absolutas, renuncia a procurar a origem e o destino do universo e a conhecer as causas íntimas dos fenómenos, para se consagrar unicamente á descoberta, pelo uso bem combinado do raciocínio e da observação, das suas leis efectivas, i.é., das suas relações invariáveis de sucessão e de semelhança. <br /><br />A explicação dos factos, reduzida então aos seus limites reais, nada mais é, doravante, que a ligação estabelecida entre os diversos fenómenos particulares e alguns factos gerais cujo número tende, cada vez mais, a ser reduzido.<br /><br />Ou seja, a descoberta, processando-se no campo fenoménico, naquilo que se reveste de realidade pela acção ou pelo acontecer, agrupa-se em leis gerais que se vão restringindo no número porque a «descoberta» se orienta, também (ou talvez só) para a simplificação do conhecer, liberto ainda à priori da necessidade de conhecer os princípios primeiros e no campo fenoménico liberto do conhecimento das causas que estão por detrás de cada fenómeno ou de vários fenómenos.<br /><br />Tudo estaria bem se a amplitude do homem se não demonstrasse pelo abdicar de conhecer, o que em rigor levaria ao cultivo do desconhecer. <br /><br />Como se vê (em Joaquim de Fiore) não se trata de uma sucessão de três estados rigorosamente demarcados, mas de três estados parcialmente coincidentes. O desenvolvimento da história é, em última análise, a obra de um único Deus Trino.<br /><br />Fiore, exegeta, e de alguma forma cabalista, estabelece datações destinadas a encontrar coincidências ou estados anteriores e superiores em correlação, num sistema de plataformas numeradas.<br /><br />Por sua vez os números de Fiore existem desde sempre (e serão para sempre) e fazem parte de uma organização da qual são meros elementos apontadores mas ao mesmo fazem parte da essência dos eventos. Quase que se pode dizer que sem eles não haverá evento dado que ao estabelecerem a datação a enquadram materialmente.<br /><br />(...) Cada um destes três estados compõe-se de sete idades, analogamente aos seis dias da Criação seguidos do sábado, e aos sete dígitos sucessivamente abertos pelo Cordeiro do Apocalipse. A estrutura interna de cada uma das sete idades apresenta uma grande semelhança com a idade que lhe corresponde no estado anterior ou posterior. A cada personagem e a cada facto ocorrente no estado do Pai correspondem, nos dois estados seguintes, outra personagem e outro facto que representam o mesmo tipo. <br /><br />A história repete-se, dentro de certo esquema cronológico, cada vez num plano superior. A repetição não é idêntica, como o imaginavam alguns pensadores da antiguidade, mas tipológica. <br /><br />A figura de São Bento (480-547) não é idêntica á do Profeta Elias, (Sec. IX A.C.) mas a obra do abade de Monte Cassino (S. Bento) repete, num plano superior, a do ermitão do Monte Carmelo (Elias). Investigar essas analogias ou «concórdias» é, para Joaquim de Fiore, a grande incumbência do exegeta. Quem, munido desta chave, conseguir entrar na tipologia da Escritura Sagrada será também capaz de entender o profundo significado da história moderna.<br /><br />Por outras palavras e através de um sistema previamente construído, ainda que não de todo conhecido (faltará a chave) o homem constata as coincidências temporais, resume estas e tem consciência que o «segredo» do conhecimento está numa hipotética chave ou combinação metodológica que doará o conhecimento da história moderna, entendida aqui como sendo o conhecimento absoluto de tudo o que irá acontecer, precisamente porque essa metodologia (chave) sendo a mesma que orientou o passado será a mesma que orientará o futuro, consciência que se tenha que o sistema funciona em plataformas que se repetem. <br /><br />Breve, num e noutro caso, nos seus últimos estados, põe-se por exclusivo o problema do conhecimento e nunca o problema da acção (praxis) e a vida do homem, como ser componente da história. <br /><br />Os dois Estados anteriores referem-se, de uma forma geral, à atitude do homem perante a natureza, a sua forma de compreensão dela e dos Deuses ou Deus que lhes está subjacente: no primeiro Estado desconhecido ou incompreendido, no segundo Estado personificado ou unificado numa ou em várias entidades e no terceiro Estado, predestinado em Fiore e resultante de uma impossibilidade de conhecimento constatada em Comte.<br /><br />Enquanto que em Fiore o segredo do futuro pode ser conhecido (mas não transformado) em Comte o futuro pode apenas ser conhecido no campo restrito do acontecer, o que de alguma forma vem dar ao mesmo uma vez que um e outro sistemas não actuam sobre esse mesmo futuro.<br /><br />Em qualquer um deles predomina pois o destino, o facto consumado desde o princípio dos tempos, e a margem de liberdade do ser humano restringe-se ao exercício de especulações inseridas em campos pré-delimitados (num caso por força das coisas e noutro caso por força de uma constatação dessa mesma força das coisas).<br /><br />A acção humana, que pode existir dentro de um campo delimitado é de alguma forma serva dessa mesma condição.<br /><br />Daniel Teixeira </b></div>
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Daniel Teixeirahttp://www.blogger.com/profile/02895025907829007517noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4984103550764103419.post-34442861131195545002015-06-14T07:29:00.000-07:002015-06-14T07:29:04.249-07:00Chama devoradora - John Steinbeck - Resenha crítica de Daniel Teixeira<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEifA-Sm5XS8i_J8rYopH2swio5WBkVBzgGmPLA006LxiA1fFGzteEO-0DqVzV_uoT2M52HyCB_Dya7YQwxnwkkoFKyyGtg_pecvCadUVBVHFsQStXfUox977e_ttqnDNKTa4rQ0ADaLbRGk/s1600/eumini.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEifA-Sm5XS8i_J8rYopH2swio5WBkVBzgGmPLA006LxiA1fFGzteEO-0DqVzV_uoT2M52HyCB_Dya7YQwxnwkkoFKyyGtg_pecvCadUVBVHFsQStXfUox977e_ttqnDNKTa4rQ0ADaLbRGk/s1600/eumini.jpg" /></a></div>
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<b>Chama devoradora<br /><br />John Steinbeck<br /><br />Resenha crítica de Daniel Teixeira<br /><br />Com este título, Chama devoradora, aparentemente da autoria da tradutora da Livros do Brasil - Lisboa, Virgínia Motta, em data incerta dos anos 60's, baseado no volume de Steinbeck de 1950 «Burning Bright», relemos recentemente mais uma obra deste nobelizado (1963) autor.<br /><br />O título em português não é dos mais felizes, na nossa opinião, havendo algumas alternativas possíveis que correspondessem melhor quer a um sentimento literário menos catastrófico quer à própria temática do livro, mas por ora fique-mo-nos por aqui.<br /><br />Na verdade há todo um conjunto de especificidades neste volume que é preciso desde logo referir, na medida em que se não trata directamente de romance (embora o seja no seu conjunto) mas sim de um conjunto de novelas entrelaçadas que se constituem num trama romanceado.<br /><br />Mas ninguém melhor que o autor para nos explicar porque escreveu desta forma e não de uma outra:<br /><br />«Decidi-me por este tipo literário por várias e diferentes razões. A leitura de peças teatrais parece-me difícil e o mesmo pensa muita gente. As peças que se dão à estampa são lidas exclusivamente pelas pessoas que se encontram ligadas ao teatro, pelos estudante ou estudiosos da arte dramática e por um grupo relativamente reduzido de leitores a quem o teatro fascina.<br /><br />Daí a primeira razão da forma literária que adoptei: o desejo de produzir uma peça capaz de atrair um número substancial de leitores, uma vez que o livro é apresentado como um romance vulgar, ou seja, dentro de um género mais familiar ao grande público» (...)»<br /><br />Quanto à segunda razão apresentada pelo escritor no seu prefácio iremos resumi-la desta forma: trata-se de fornecer de forma mais acessível um conjunto de informação ao actor, ao director, ao produtor e ainda ao leitor, em diversos aspectos, alargando o leque informativo sobre as personagens, coisa que uma peça de teatro escrita ou declamada não faz desde logo, no entender do autor, permitindo por isso uma liberdade interpretativa ao encenador, aos actores e ao público que pode não corresponder àquela intensidade ou forma que inicialmente era pretendida pelo autor.<br /><br />Steinbeck divide esta peça novela em quatro actos, cada um deles passado em cenários diferentes, com as mesmas personagens base e um argumento que se entrelaça nos momentos relevantes de cada um dos anteriores.<br /><br />Assim, o primeiro acto passa-se num circo, o segundo acto numa quinta, o terceiro que se prolonga pelo quarto acto entre o mar (um barco atracado num porto) e um nascimento.<br /><br />Quem conhece Steinbeck sabe que este autor deu uma importância relevante à relação de família e ao relacionamento familiar e tanto neste romance como noutros a transmissão de sangue ou da continuidade afectiva e memorial está de alguma forma sempre presente: lembramo-nos de «A um Deus desconhecido» por exemplo (que curiosamente teve pouco sucesso quando da sua publicação primeira em 1933) ou mesmo «Ratos e Homens» que é considerada a sua obra prima ou ainda «As vinhas da Ira» (1939) entre outros.<br /><br />Neste romance/peça de teatro o tema basilar trata de um indivíduo que tem um verdadeiro problema sobre a necessidade de deixar descendência, o que se torna de alguma forma obsessivo. Compreender Steinbeck e o tempo em que escreve é também ter a tentação de referir o chavão que se acopla normalmente ainda hoje ao povo americano em geral que é a busca de uma identidade comum americana (USA).<br /><br />Nascido este país (conjunto de estados) de um caldo (nem, sempre ou poucas vezes misturado) de nacionalidades e culturas é bastante comum encontrarem-se ainda hoje as referências identitárias originais (irlandês, italiano, judeu, latino, polaco, etc.) dos emigrantes que inicialmente povoaram a América, mantendo-se algumas comunidades com muito poucas variantes inter - culturais e relativamente pequena fusão social e familiar efectiva.<br /><br />Contudo este problema relatado por Steinbeck pode inicialmente ser encarado no plano exclusivamente pessoal. Joe Saul é casado em segundas núpcias com Mordeen dado o falecimento da sua primeira esposa, tem um amigo denominado no romance de Amigo Ed, e um jovem auxiliar de nome Vítor.<br /><br />Independentemente do cenário desenvolvido por Steinbeck as posições hierárquicas dos personagens mantêm-se. No circo Vítor é companheiro de trapézio do mais experiente Joe Saul, na quinta é trabalhador sob as ordens de Joe Saul e no barco é o imediato de Joe Saul e no quarto acto, interligado com o terceiro, está ausente por razões que esclareceremos mais à frente.<br /><br />Mordeen ama Joe Saul cuja ânsia por ter descendência se vê constantemente frustrada e o atormenta cada vez mais porque sem o saber Joe Saul é estéril. Sabendo da esterilidade dele e desejosa de fazer cumprir o desejo do companheiro, logo no primeiro acto, em conversa com Amigo Ed, sugere levemente a possibilidade de engravidar através de uma relação secreta com o jovem Vítor que a ama sem ser correspondido por Mordeen, relação essa que vem a acontecer.<br /><br />No primeiro acto ficamos com a dúvida sobre se a infidelidade de Mordeen a Joe Saul terá uma componente exclusivamente altruísta, uma vez que Mordeen também deseja ser mãe, não de uma forma tão obsessiva, mas o resultado acabará por ser o mesmo na medida em que o seu relacionamento com Joe Saul melhorará de forma significativa no seu entender cumprido que seja este seu desejo de deixar o «seu sangue» perdurar.<br /><br />Nos outros actos trata-se sobretudo da gravidez e da luta de Vítor perante Mordeen para que ela assuma que o futuro filho é dele e dela, situação esta que está presente nos três actos. <br /><br />No último o Amigo Ed acaba por «resolver» a insistência de Vítor jogando-o ao mar e causando a sua morte, ficando desta forma o crime sem castigo, tentando assim poupar tanto Joe Saul como Mordeen.<br /><br />A parte final trata do nascimento do bebé, já sabendo na altura, através de análises que fez, Joe Saul, que é estéril e que logo o filho que nasce da barriga de Mordeen não é seu.<br /><br />Joe Saul acaba por aceitar a inevitabilidade, depois de uma luta de recusa consigo mesmo, e após o nascimento do bebé acaba a peça / romanceada com o seguinte trecho:<br /><br />(...) «Mordeen, gosto da criança - a voz de Joe Saul ganhou volume e foi em tom vigoroso que reforçou a sua declaração - Mordeen, gosto do nosso filho - e erguendo a cabeça, exclamou triunfante - Mordeen, gosto do meu filho.»<br /><br />Depois do que dissemos acima sobre as intenções de John Steinbeck quanto à forma do seu escrito parece-nos claro que, apesar de estar bem escrito e ter um enredo suspensivo constante entre actos, com os elementos dramáticos, desconhecimento da realidade dos factos da parte de Joe Saul e posterior conhecimento, insistência e incerteza quanto ao resultado da pressão do verdadeiro pai da criança, desfecho relativamente inesperado pela acção de Amigo Ed e a atitude final de Joe Saul que, dito tudo isto, como romance este vale mais como peça de teatro.<br /><br />Na verdade pensamos que só na declamação e na actuação as personagens podem ganhar verdadeira força e intensidade dramática e que as coreografias poderão de facto ajudar bastante uma história que não sendo de todo banal, está quanto a nós longe de se constituir como sendo interessante por si só na sua forma escrita.<br /><br />Daniel Teixeira</b></div>
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<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhDAHp9U80vcT3-UVxvs9-K0eU7UEvlGUTSox39kGTm4ERIPfkSlsOyvGpnVXHwV6c2A8NLWym7n26G7SVCMBKYTJ1MXZ7lEIRQJ27urW7YCtQM_7aw967tPQQAkiKvWEyGULI6Zaeha9l7/s1600/chama+devoradora.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhDAHp9U80vcT3-UVxvs9-K0eU7UEvlGUTSox39kGTm4ERIPfkSlsOyvGpnVXHwV6c2A8NLWym7n26G7SVCMBKYTJ1MXZ7lEIRQJ27urW7YCtQM_7aw967tPQQAkiKvWEyGULI6Zaeha9l7/s400/chama+devoradora.jpg" width="295" /></a></div>
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Daniel Teixeirahttp://www.blogger.com/profile/02895025907829007517noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4984103550764103419.post-40678028773817168982015-06-08T04:03:00.002-07:002015-06-08T04:03:47.810-07:00Luís Forjaz Trigueiros - Aquelas mãos - Por Daniel Teixeira<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEifA-Sm5XS8i_J8rYopH2swio5WBkVBzgGmPLA006LxiA1fFGzteEO-0DqVzV_uoT2M52HyCB_Dya7YQwxnwkkoFKyyGtg_pecvCadUVBVHFsQStXfUox977e_ttqnDNKTa4rQ0ADaLbRGk/s1600/eumini.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEifA-Sm5XS8i_J8rYopH2swio5WBkVBzgGmPLA006LxiA1fFGzteEO-0DqVzV_uoT2M52HyCB_Dya7YQwxnwkkoFKyyGtg_pecvCadUVBVHFsQStXfUox977e_ttqnDNKTa4rQ0ADaLbRGk/s1600/eumini.jpg" /></a></div>
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<b>Luís Forjaz Trigueiros<br /><br />Aquelas mãos<br /><br />Por Daniel Teixeira<br /><br />Conforme fizemos referência no número anterior existem no livro de contos «Ainda há Estrelas no Céu» de Luís Forjaz Trigueiros dois contos que mereceram uma maior atenção da crítica e dos tradutores fazendo desses dois contos aqueles que maior relevo merecem ainda que, e conforme dissemos igualmente quando da análise do conto «Boa noite, Pai!» existam neste pequeno volume algumas outras estórias que consideramos de igual interesse desenvolver, o que faremos noutras oportunidades. Este volume tem oito contos.<br /><br />Embora e citando a contracapa do volume vejamos que na altura o autor foi referenciado como tendo afinidades narrativas com Maupassant e K. Mansfield e em termos de análise ou ambiência psicológica ele seja situado nesta introdução com Mauriac, certo nos parece ser que existe nele também influência do psicologismo russo e em análise mais detalhada talvez com Camus ou mesmo Gogol.<br /><br />Na verdade as personagens deste autor são na sua larga parte elementos de uma pequena e média burguesia rotineira, que não vivem o seu tempo mas que antes o deixam passar por elas, desprovidas de objectivos substanciais, desligadas da alegria de viver, fazendo em certo sentido lembrar o Mersault de Camus no romance o Estrangeiro (não na Morte Feliz) ou mesmo a «Peste».<br /><br />Por seu lado a falta de objectivos definidos na vida dos seus personagens principais fá-los viver num universo estreito: uma grande farra de aniversário é uma noite no Parque Mayer, por exemplo, a ver uma Revista... enfim, são personagens que se não encontram no tempo em que vivem (as notícias da guerra, neste conto que resumimos e procuramos analisar, de 1940, entram-lhe por um ouvido e saem-lhe pelo outro), é fundamentalmente uma desesperança de vida que neste conto encontra a sua alegria num facto sem importância que pode muito bem aceitar-se como a alegoria que é, mas que denuncia a pouca imaginação do personagem.<br /><br />Bom narrador, Luís Forjaz Trigueiros, consegue uma narrativa inteligente e faz uma descrição tão detalhada quanto possível de um homem que pode considerar-se comum com ambições que vão um pouco além mas não passam do comum plano mental.<br /><br />Farei algumas citações mais à frente mas noto antes que o autor procurou ele mesmo construir antecipadamente o ambiente que despoletaria o evento : na verdade por uma vez decide seguir um percurso diferente daquele que segue habitualmente de eléctrico e nele encontra duas mãos de uma jovem senhora que o cativam muito para além daquilo que seria normal.<br /><br />Ora e retrocedendo um pouco na nossa análise não vemos porque razão ele não encontraria umas mãos que o cativassem numa das suas habituais viagens de casa para o emprego e deste para casa e porque as encontrou naquele dia e não num outro.<br /><br />Claro que temos um alerta logo no início do conto onde ele repete para si mesmo aquilo que a sua mulher lhe diz ao que parece com alguma frequência : «Tu não me enganes! (...) Não arranjes outra.» o que pode funcionar nele como um desejo de ser tão normal quanto os outros seus colegas e amigos, mas não nos parece que o argumento tenha assim tanta força.<br /><br />Na verdade «Aquelas mãos» apesar de poder considerar-se ser um conto bem escrito está fracamente alicerçado e menos alicerçado fica quando essa sua paixão por aquelas mãos em concreto se distribui na sua imaginação por várias mãos femininas. Contudo as mãos da sua mulher nunca são referidas nem positiva nem negativamente.<br /><br />O problema maior que esta questão levanta é o seu convencimento de que comete infidelidade, convencimento esse que o leva a um alheamento familiar que depressa contagia os receios sempre infundados da mulher. Assim os condimentos da infidelidade conjugal reúnem-se entre os dois havendo da parte da sua mulher uma atitude de aceitação dos factos que não existem.<br /><br />(...) « Foi nessa altura que comecei a olhar melhor para a rapariga que ia sentada mesmo defronte de mim. A falar a verdade, ela não tinha nada de extraordinário. Era bonita? Não me recordo bem. Creio, porém, que tinha uns olhos de tal maneira vagos que nem se cruzaram com os meus.Além disso, vestia sem espalhafato. Sem espalhafato e, com certeza, sem água de colónia absorvente da senhora do lado. Pintadinha, sim, mas com recato, sem exageros. Também não me lembro do vestido. Só me lembro - e isso muito bem - que tinha uma carteira castanha e que a segurava, com as mãos rosadas, sobre os joelhos. Mas eu olhei para as mãos da rapariga e não fui capaz de olhar para mais nada!»(...)<br /><br />(...)«Até ao dia em que meti naquele eléctrico eu tinha uma cortina corrida entre mim e a vida. Tudo quanto eu via era visto apenas por detrás dessa cortina e, logo, correspondia a uma realidade incompleta.»(...)<br /><br />(...)«Do meu lugar, (...) acompanhava fixamente com os olhos a vida das suas mãos. Já não eram indiferentes. Assim como eu tinha acordado para um mistério, elas tinham entrado também nesse mistério. E riam para mim, riam evidentemente, já sem conseguirem estar à vontade, perseguidas pela consciência de que estavam a falar comigo uma linguagem própria, que os meus olhos talvez não vissem, mas escutavam.»(...)<br /><br />(...)«Desta maneira, à medida que fitava as mãos da minha companheira de eléctrico, sem quer desviar delas esse olhar, instintivamente me lembrava da minha mulher e quase a ouvia numa reprimenda discreta e apagada como todos os seus gestos: "Firmino, não olhes para ela..." Ouvia-a falar-me assim, mas continuava a olhar. Afinal, pela primeira vez, estava a ser infiel à Lucília, infiel com frieza, conscientemente.E não tive remorsos.»(...)<br /><br />(...) « Mas assim que me levantei do meu lugar (...) chegara ao final do meu percurso (...) aquelas mãos recuperaram a sua tranquilidade, voltaram a cumprir o seu destino de existirem apenas. (...) As mãos daquela desconhecida, que eu não tornaria a ver, voltaram, de súbito, a ser silenciosas para mim.»(...)<br /><br />O resto da estória já foi referida em grosso acima. Podemos sempre pensar e acreditar que se trata de ficção, claro que é, mas mesmo pela sua insignificância o episódio pretende descrever a eclosão de um sentimento até aí recalcado (e que continua recalcado) mas onde tudo funciona como a grande catarse desejada.<br /><br />Chamamos no entanto a atenção para a imagem da cortina corrida (sobre uma vida) e o correr dessa cortina (sobre uma outra perspectiva de vida) e dizer, ironicamente, que cada um corre as cortinas que tem e as que pode ter.<br /><br />Daniel Teixeira</b></div>
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<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhN-MDmo0OilThWzCScAnEqniLrPJr5TgAiluDYJJMIoR-HcA3-lWvOlnY_bPiu5O3Y0YO5B_8TbyHO5PA8wf_gpaznFty2rxoIUEsMvty1bZWIXsCLnMZb_SPjelcejyn0PBwVKmgzPgBH/s1600/img_221561629_1403864390_abig.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhN-MDmo0OilThWzCScAnEqniLrPJr5TgAiluDYJJMIoR-HcA3-lWvOlnY_bPiu5O3Y0YO5B_8TbyHO5PA8wf_gpaznFty2rxoIUEsMvty1bZWIXsCLnMZb_SPjelcejyn0PBwVKmgzPgBH/s400/img_221561629_1403864390_abig.jpg" width="261" /></a></div>
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Daniel Teixeirahttp://www.blogger.com/profile/02895025907829007517noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4984103550764103419.post-79380288242405056342015-06-01T14:48:00.001-07:002015-06-01T14:51:58.575-07:00Luiz Forjaz Trigueiros - Texto /Resenha de Daniel Teixeira - Boa noite Pai<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEifA-Sm5XS8i_J8rYopH2swio5WBkVBzgGmPLA006LxiA1fFGzteEO-0DqVzV_uoT2M52HyCB_Dya7YQwxnwkkoFKyyGtg_pecvCadUVBVHFsQStXfUox977e_ttqnDNKTa4rQ0ADaLbRGk/s1600/eumini.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEifA-Sm5XS8i_J8rYopH2swio5WBkVBzgGmPLA006LxiA1fFGzteEO-0DqVzV_uoT2M52HyCB_Dya7YQwxnwkkoFKyyGtg_pecvCadUVBVHFsQStXfUox977e_ttqnDNKTa4rQ0ADaLbRGk/s1600/eumini.jpg" /></a></div>
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<b>Luiz Forjaz Trigueiros<br /><br />Texto /Resenha de Daniel Teixeira<br /><br />Boa noite Pai<br /><br />Tenho-me dedicado nos tempos livres e nos tempos não livres a reler alguns autores que no meu tempo de escola e não só foram referências para mim importantes no desenvolvimento do meu gosto pela literatura.<br /> </b><br />
<b>Faço-as, estas releituras, por razões que vão muito além do mero saudosismo: na verdade, na actualidade tenho tido dificuldade em gostar da literatura que se produz actualmente, seja ela nacional ou estrangeira, ainda que pudesse facilmente apontar um número razoável de excepções.<br /><br />O volume de contos «Ainda há estrelas no Céu» de Luiz Forjaz Trigueiros (1915-2000) é apenas um livro no percurso literário deste autor, cujos caminhos se estendem da ficção ao jornalismo, ao ensaio e à crítica literária e teatral.<br /><br />Contém este pequeno volume os contos «Boa noite, Pai» (1942) e «Aquelas Mãos» (1940) que tiveram bastante acolhimento na altura da sua publicação e que foram traduzidos em várias línguas. Sobre este último, «Aquelas Mãos» faremos o seu resumo e notas numa outra publicação seguinte.<br /><br />Há outros contos dentro deste pequeno volume que mereciam igualmente uma referência da minha parte neste pequeno texto ou noutros, mas talvez a eles revenha numa outra altura.<br /><br />Por ora digamos que estes dois contos tratam quer da infidelidade numa perspectiva latente ou potencial não efectivamente consumada na sua forma mais conhecida, quer do ciúme, ainda que ambos vistos em perspectivas bastante diferentes.<br /><br />Há várias formas de infidelidade e de ciúme sem que alguma delas possa ser considerada nas acepções correntes: neste conto que vou referir a seguir há uma forma de infidelidade, na medida em que se descrevem percursos lógicos diferentes da base esperada ou desejada e é dessa tensão entre a realidade e aquilo que se esperaria, segundo formas de pensar distintas, que pode existir a ideia de uma infidelidade também ela distinta.<br /><br />No conto «Boa noite, Pai» trata-se de alguma forma de ciúme ainda que o fulcro do tema se situe no relacionamento entre um pai e uma filha: não se trata pois do ciúme amoroso naquele sentido mais corrente mas sim de um sentimento de afastamento progressivo de uma filha do seu pai, à medida que a mesma cresce, o que acaba por colocar uma segundo questão que será a de se saber se é a filha que cresce afastando-se do pai ou se é o pai que não acompanha a sua evolução e a evolução dos tempos.<br /><br />Há neste problema que o autor desenvolve também uma forte componente de crise da sua meia idade que está presente e se acentua dado a evolução do seu relacionamento com a sua filha e do relacionamento desta com um período socialmente diferente cujo percurso ele tende a não conseguir psicologicamente acompanhar, preenchendo os espaços vazios da sua mente neste campo com as mais variadas e imaginadas suspeitas sobre o comportamento actual da filha.<br /><br />O autor é bastante simpático com o desfecho do conto tudo acabando em bem, pelo menos no conto, com um «simples» Boa Noite, Pai.<br /><br />Quando disse atrás que o autor tinha sido simpático na narrativa não esqueço é claro que os problemas entre ele e a evolução da sua filha única (e dele com a sociedade) não acabam, embora o «Boa noite pai!» sirva de alguma forma como paliativo.<br /><br />Para o leitor que atentar no escrito notará seguramente que o conflito é apenas adiado porque o personagem mais não faz do que fazer reflexivamente regressar este «Boa noite, Pai» aos tempos passados, aos tempos em que a filha era para ele ainda uma criança, como veremos nestes estractos:<br /><br />«Vê-a pequenina a chegar da escola primária ao meio-dia, para almoçar, laçarotes cor de rosa, almazinha cor de rosa, futuro cor de rosa.» (...) «Gabi era ainda Gabriela (o senhor Mota nunca se habituou a chamar-lhe Gabi, e talvez gostasse mais da outra filha, a de ontem, a do nome por extenso), ainda era Gabriela e ainda sorria.<br /><br />Esteve oito dias entre a vida e a morte (...) durante longas noites de vigília os pais alternaram-se à cabeceira. (...) Aristides acompanhou a longa convalescença de Gabriela, e só se afastava quando a filha dizia meigamente "Boa noite, Pai" e adormecia com a mão dada com a sua, (...). A verdade é que nunca mais, nunca mais, a filha voltara a tratá-lo tão meigamente e com entoação tão doce.(...).<br /><br />(...) Oito horas, oito e meia. A chuva abrandou, iluminaram-se mais candeeiros na velha rua deserta (...) Aristides Mota ouve na escada os passos apressados de Gabriela (...). Ouve-a atravessar o corredor, dirigir-se à salinha pequena onde, há duas horas, ansiosamente a espera. Gabriela vem de cabelo revolto, encharcada, a pintura desfeita, escorrendo-lhe ainda na cara a água da chuva.<br /><br />Pára um momento mesmo à porta, surpreendida com o olhar do pai, que fica em silêncio, pois nem se atreve a dizer-lhe nada. Gabriela dá dois passos em frente, adivinha que qualquer coisa se transformou no pai, mas não pode compreender o quê. Então, enlaça-o instintivamente com mais ternura que de costume, e diz-lhe simplesmente, naturalmente: «Boa noite, pai!»<br /><br />Acho que é um conto bem escrito, que consegue prender o leitor do princípio ao fim, sobretudo porque na sociedade em que vivemos actualmente e graças aos massacres constantes das ideias verdadeiras e falsas de modernidade, teremos seguramente margem para fazer as extrapolações ideadas que aqui o pai faz sobre a sua filha, o que me leva a uma outra questão, que é a de saber até que ponto este conto terá sido actual na altura em que foi escrito (1942), isto é, numa altura em que esse tipo de preocupações tinham talvez menos variáveis para explorar mas que a avaliar pelo escrito existiam já com a profundidade que alguns de nós por vezes lhes damos hoje.<br /><br />Mas...retiremos um pouco mais a Luz Forjaz Trigueiros:<br /><br />(...) Gabriela (...) «Disse-o simplesmente, naturalmente, mas Aristides Mota logo esquece ali mesmo quanto o preocupava e afligia. Responde-lhe sorrindo como numa bênção que nunca soube dar: «Boa noite, filha!», e fica-se muito surpreendido por ter encontrado naquele momento o eco duma voz diferente. <br /><br />Ele próprio diz "Boa noite, filha" como o dizia sete anos atrás nas longas noites dessa outra angústia tão diferente da que experimentou agora.<br /><br />Gabizinha vai arranjar-se para o jantar. O senhor Mota ergue-se a custo do maple, vai lá dentro por o casaco, endireitar o laço da gravata. Canta-lhe ao ouvido aquela voz inesperada :«Boa noite, pai», que lhe trouxe, afinal todo o doce sabor da antiga paz. <br /><br />E senta-se à mesa, sem coragem para fazer qualquer pergunta, muito feliz e sorridente.»</b></div>
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<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEih15Dn8a4jrheCXBwi5ou9dF2mbhY6_KzzqSCpuIXHv2qjiPCJZqkGjRDJidq7QYY4Iz5MVaru_aDPiEnqSq1ZJW9A9b5M1qFJL5X_mSEEIiN4qOURQvCG3NKCExTGoBOhUjY3gHx77EtG/s1600/img_221561629_1403864390_abig.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEih15Dn8a4jrheCXBwi5ou9dF2mbhY6_KzzqSCpuIXHv2qjiPCJZqkGjRDJidq7QYY4Iz5MVaru_aDPiEnqSq1ZJW9A9b5M1qFJL5X_mSEEIiN4qOURQvCG3NKCExTGoBOhUjY3gHx77EtG/s400/img_221561629_1403864390_abig.jpg" width="261" /></a></div>
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Daniel Teixeirahttp://www.blogger.com/profile/02895025907829007517noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4984103550764103419.post-17593438943756221832015-05-22T12:19:00.000-07:002015-05-22T12:19:23.078-07:00Irene - Conto / Crónica de Daniel Teixeira<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEifA-Sm5XS8i_J8rYopH2swio5WBkVBzgGmPLA006LxiA1fFGzteEO-0DqVzV_uoT2M52HyCB_Dya7YQwxnwkkoFKyyGtg_pecvCadUVBVHFsQStXfUox977e_ttqnDNKTa4rQ0ADaLbRGk/s1600/eumini.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEifA-Sm5XS8i_J8rYopH2swio5WBkVBzgGmPLA006LxiA1fFGzteEO-0DqVzV_uoT2M52HyCB_Dya7YQwxnwkkoFKyyGtg_pecvCadUVBVHFsQStXfUox977e_ttqnDNKTa4rQ0ADaLbRGk/s1600/eumini.jpg" /></a></div>
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<b>Irene<br /><br />Conto / Crónica de Daniel Teixeira<br /><br />A Irene não era bonita, nunca tinha sido bonita e nunca seria bonita, <br />pensava eu no tempo em que a conheci mais de perto, então era ela jovem, isto pelos idos dos anos oitenta.<br /><br />Lamentava-a porque, reflectindo, depressa tinha de chegar à conclusão que há pessoas que nascem, crescem e morrem sem nunca serem bonitas e eu não sou grande adepto da ideia do destino como guia do passado, do presente e do futuro.<br /><br />Não acredito nas condenações eternas, acho que as coisas e o mundo estão em constante movimento, enfim acho que aquilo que é pode deixar de ser e que aquilo que não é pode vir a ser.<br /><br />No caso dos homens o problema de ser feio não parece ser tão grave <br />porque existe uma tradição implantada, penso eu. Corre por aí que as <br />mulheres não se importam muito com essas coisas, ou que conseguem <br />descobrir a beleza em traços quase imperceptíveis ao imparcial olhar <br />comum.<br /><br />Enfim, não vou fazer, neste espaço que é uma história, uma dissertação sobre a influência do patriarcalismo nestas coisas mas parece-me claro que, numa lógica do homem mandante este terá sempre defeitos que são socialmente mais toleráveis em si do que nas inferiorizadas e comandadas mulheres.<br /><br />Claro que nos anos oitenta havia já um esbatimento da ferocidade <br />patriarcal mas como sabe quem essa época viveu uma parte substancial das concepções de inovação nesse campo eram para uso crítico do comportamento dos outros e muito raramente para consumo próprio.<br /><br />Mas tratava-se ainda, nesta altura que refiro, quando ela tinha cerca de <br />vinte anos mais ou menos, de ter de pensar num percurso de feiúra ainda a percorrer, por isso, e contra minha vontade, voltava à ideia de <br />destino e este parecia-me alicerçado nessa então recente certeza <br />científica que era a genética.<br /><br />Qualquer mente, mesmo sem ser muito dotada para a imaginação sentia-se quase na obrigação de projectar para ela um percurso crescente de feiúra: era fatal, penso eu, que alguém não visse, desde a primeira vez que via a Irene que o que lhe restava a ela pela frente era ser precisamente igual à sua mãe, boa senhora, por sinal, conformada com a sua fatalidade.<br /><br />Quando se olhava para a Irene via-se logo o realce em amplificação e <br />profundidade das rugas à volta dos olhos, via-se-lhe o crescimento dos <br />chamados papos, o encarquilhar lento mas irremediavelmente progressivo dos lábios - agora ainda relativamente carnudos - empurrados para dentro dela pela perca de alguns dentes (primeiro os sobressaídos da frente) e imaginava-se aligeirado o afundamento pela colocação de uma daquelas placas em prótese branquérrima, denunciando desde logo a sua artificialidade, tal como na sua mãe.<br /><br />Via-se, imaginava-se, calculava-se também perfeitamente a possibilidade que deixava de ser cada vez menos remota à medida que nisso se pensava que a placa descolaria do céu da boca, tal como na sua mãe, quando ela se risse muito, coisa que fazia agora. E ria sem complexos a Irene.<br /><br />Sabia-se desta mesma forma também que o queixo dela se afundaria cada vez mais, misturando-se com as rugas do pescoço (se engordasse talvez se misturasse com o papo) tal como a sua mãe.<br /><br />Mas o que interessava era que por mais voltas que a sua fisionomia desse nunca ela ou outros veriam decrescer aquele nariz enorme, um autêntico triângulo bermudiano apontando para uma distância incalculada nos ares à sua frente, um apêndice desproporcionado, uma verdadeira intrusão de um corpo num espaço roubado, um geométrico lançado de arestas afiadas no perfil, uma agressiva e quase cortante intrusão no espaço vital de quem a visse de frente.<br /><br />Pois...a Irene não tinha passado de beleza, não tinha presente de beleza e o futuro era ainda mais ameaçador para ela.<br /><br />Mas, e há sempre um mas que merece ser metido em altura oportuna, consta que constava que a Irene confidenciava repetidamente às suas amigas, já nesta altura que descrevo, um segredo que era simultaneamente sentido como um chamamento: "Tenho de casar rapidamente!"- dizia - como que a constatar aquilo que eu tenho descrito atrás e acima. "Tenho de casar rapidamente, antes que a minha feiúra progrida ainda mais!"- era o que a Irene queria dizer, digo eu.<br /><br />Possibilidade de fazer plásticas não havia: a Irene era apenas e só <br />economicamente remediada; tinham, ela e a mãe - o pai falecera <br />oportunamente - algumas rendas de pequenas propriedades, de casas <br />antigas, algum dinheirito a render, pouco, seguramente e trabalhar por <br />conta de outrem não era tradição na família nem sequer sei que <br />actividade poderia exercer a Irene porque nunca a essa ideia se dedicara e o tempo normal de começar estas coisas já ia passando.<br /><br />Não sei exactamente como tudo se passou imediatamente antes, nem quais os preparativos que a Irene terá eventualmente feito e também não consta que tenha dado conta de alguns desses preparativos às amigas mais chegadas, mas o certo é que um dia a Irene desapareceu da cidade.<br /><br />Falecida a sua mãe com quem convivera desde sempre, talvez não se <br />sentisse em condições de reviver a memória dela no mesmo espaço durante todo o seu tempo e partiu.<br /><br />Foi o que eu e as suas amigas e amigos pensamos, embora todos achássemos estranho ela não dizer nada a ninguém. Soubemos entretanto que tinha vendido as casas e os terrenos que lhe ficaram. Não terá amealhado muito, era a voz corrente. E foi assim como que um corte radical, o acabar de um livro que se fecha e não se leva na bagagem aquilo que achámos que a Irene tinha feito.<br /><br />Pois...todas as histórias têm um remate final senão não valeria a pena <br />contá-las e esta não foge à regra. Estava eu então em Lisboa num <br />intervalo de esplanada quando se aproximou de mim uma senhora. Eu já ia nos quarenta e a tal senhora por aí andaria, quando ouço um «Olá, estás bom!?».<br /><br />Virei-me na direcção daquilo que me pareceu ser um chamamento a mim dirigido e deparo-me com a Irene, sem tirar nem por, quer dizer, com mais vinte anos como eu, mas igual a ela mesma. Dei-lhe os tradicionais dois arremedos de beijo na face, convidei-a a sentar-se e ela então foi-me contando aquilo que era feito nela.<br /><br />Primeiro vieram as razões porque não tinha dito nada a ninguém quando se viera embora. Ainda recordo, passados mais alguns anos, as suas palavras: aquele ambiente era para mim sufocante - foi o que ela me disse - alegre sim, confessou, tinha ainda algumas saudades dos amigos e amigas, mas chegara à conclusão que precisava de se diluir numa multidão e na nossa pequena cidade sentia-se encurralada.<br /><br />Embora nunca se tivesse apercebido de ser alvo de chacota, cada vez que entrava num café ou saía com as amigas e os amigos ou mesmo só sentia-se alvo de todos os olhares. Por vezes sentia a piedade, aquela sensação estranha de ser motivo de pena. <br /><br />Aguentou tudo enquanto a mãe foi viva, não iria nunca abandonar a velhota e nem sequer podia sugerir-lhe fazer aquilo que ela tinha feito.<br /><br />Viera para Lisboa, tirara um curso de secretariado e encontrara emprego num pequeno escritório na baixa onde se mantinha desde então, já lá iam quase vinte anos. Com o tempo foi-se adaptando à nova realidade e hoje, naquela altura, sentia-se bem. Vivia só num apartamento depois de algumas bolandas por quartos alugados e disse-me: era feliz.<br /><br />Acredito que sim, acreditei nela, na sua sinceridade, embora o peso da <br />solidão estivesse presente nela. Gostou de me ver - disse. Eu também e <br />nunca mais vi a Irene.<br /><br />Por vezes, como agora, lembro-me dela e por estranho que me pareça sempre, embora ela fosse naquela altura em Lisboa quase igual à Irene que eu tinha conhecido muitos anos antes pareceu-me ter uma face e uma figura como qualquer outra pessoa.</b></div>
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Daniel Teixeirahttp://www.blogger.com/profile/02895025907829007517noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4984103550764103419.post-67360518178039693112015-05-22T12:08:00.006-07:002015-05-22T12:08:53.509-07:00O Suicídio - Por Daniel Teixeira<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEifA-Sm5XS8i_J8rYopH2swio5WBkVBzgGmPLA006LxiA1fFGzteEO-0DqVzV_uoT2M52HyCB_Dya7YQwxnwkkoFKyyGtg_pecvCadUVBVHFsQStXfUox977e_ttqnDNKTa4rQ0ADaLbRGk/s1600/eumini.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEifA-Sm5XS8i_J8rYopH2swio5WBkVBzgGmPLA006LxiA1fFGzteEO-0DqVzV_uoT2M52HyCB_Dya7YQwxnwkkoFKyyGtg_pecvCadUVBVHFsQStXfUox977e_ttqnDNKTa4rQ0ADaLbRGk/s1600/eumini.jpg" /></a></div>
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<b>O Suicídio<br /><br />Por Daniel Teixeira<br /><br />Há diversas formas de se morrer. Uma delas é o suicídio. Hoje em dia enquadramos o suicídio num contexto psicológico e vemos aqueles que o cometem como pessoas com problemas, passíveis de ser ajudadas por profissionais.<br /><br />Mas o suicídio, a sua prática sempre existiu, desde os tempos mais remotos, e foi a forma de o encarar que mudou radicalmente ao longo dos tempos. As mentalidades evoluíram e o suicídio tomou outros contornos.<br /><br />Só no século IV é que se começa a tomar o suicídio como algo negativo, graças a S. Agostinho que rejeita a prática. Mais tarde, a Igreja, órgão de suma importância nas sociedades do século XIII veio - sob a forma de S. Tomás Aquino - a trazer um conceito que mudou para sempre a visão dos que cometiam suicídio. Foi o conceito de «pecado» que até hoje ainda influencia a opinião de muitos neste assunto.<br /><br />Foi então que, através de «castigos», como a ameaça do Inferno (ao cometer o pecado), e a exposição do corpo em praça pública, denegrindo a pessoa morta e família, o suicídio ganhou o seu cunho de «proibido» e mau.<br /><br />Hoje o suicídio é visto essencialmente de uma forma psicológica (considerando-se as problemáticas psicológicas relacionadas), e entendido mais abertamente que sob a suma influencia da Igreja.<br /><br />No entanto, não existe uma posição permissiva em quase nenhuma sociedade, mas sim uma preocupação crescente da saúde mental e não só de proporcionar uma existência em que o suicídio não seja contemplado como alternativa. Assim, desenvolvem-se esforços vários para promover condições de vida em que o suicídio não seja visto como uma hipótese viável.<br /><br />Este é um assunto muito complexo, e podemos começar por comparar as diferentes noções que vários autores dão do conceito de suicídio.<br />Parece-nos óbvio o que é o suicídio, mas há diversas teorias que abrangem mais do que o simples acto de morrer voluntariamente, utilizando de instrumentos que se sabem provocar esse fim (a morte).<br /><br />Durkheim (1897) refere que uma conduta suicidária alcança tudo o que a «vitima» causa, tendo consciência do seu possível resultado. Assim, segundo este autor, usar drogas, álcool ou até conduzir perigosamente, são condutas suicidárias.<br /><br />Já Halbwachs (1930) refere que o suicídio é o acto realizado com instrumentos ou meios que nos levem a crer que o sujeito realmente tinha como objectivo a morte.<br /><br />A definição que, talvez, se aproxime mais da noção em senso comum que vigora actualmente, é a de Vaz Serra (1971) que concebe o suicídio como a autodestruição consequente num acto voluntariamente realizado com vista a esse fim (morte).<br /><br />Baechler (1975) vê o suicídio como todo o comportamento que procura solução para um problema existencial através do atentar ao Eu.<br /><br />Estes autores, referidos por Daniel Sampaio, também ele muito atento a esta questão, dão-nos uma noção breve da extensão desta problemática.<br /><br />Talvez ninguém saiba explicar completamente o suicídio, o que leva uma pessoa a recorrer a ele, que sentimento acompanha o momento do suicídio, que objectivo se pretende alcançar com esse acto.<br /><br />Talvez seja diferente para cada pessoa, as pressões exercidas sobre os indivíduos são diferentes, as razões nunca poderiam comparar-se de pessoa para pessoa.<br /><br />Será para alguns como Paulo Coelho escreve no seu livro, Verónika decide morrer:<br /><br />«(...) Verónika decidira morrer naquela tarde bonita de Lubljana, com músicos bolivianos a tocar na praça, com um jovem a passar diante da sua janela, e estava contente com o que os seus olhos viam e os seus ouvidos escutavam. Mais contente ainda estava por não ter que ver aquelas mesmas coisas por mais trinta, quarenta, ou cinquenta anos - pois iam perder toda a sua originalidade, e transformar-se na tragédia de uma vida onde tudo se repete, e o dia anterior é sempre igual ao seguinte(...) .»;<br />para outros esta calma, é substituída por um desespero avassalador, uma angústia silenciosa.<br /><br />O suicídio nem sempre é um adeus, na maior parte dos casos é uma mensagem, um pedido aos que os rodeiam.Daniel Sampaio refere quatro tipos fundamentais de suicídio (baseou as suas conclusões num estudo de tentativas de suicídio adolescente):<br />fala-nos do suicídio por apelo, em que o indivíduo pretende a comunicação, enviar determinada mensagem que, de outra forma, não consegue expressar;<br />o suicídio por desafio, em que o sujeito desafia os seus superiores, colocando-se numa posição de igualdade;<br />do suicídio de renascimento, em que a pessoa quer modificar o sistema em que está inserido, a seu modo;<br />e, por fim, temos o suicídio de fuga, em que o sujeito quer excluir-se.<br /><br />Nestes quatro tipos de suicido encontra-se uma noção em comum, a noção de mudança. Os sujeitos desejam a mudança. A forma como encaram as suas tentativas de suicídio difere, mas o objectivo central é o mesmo, a mudança. A situação em que se encontram não lhes serve mais.<br /><br />Não será o equivalente a sofrer de uma doença terminal em que a morte não é uma escolha, mas uma certeza incontornável, mas os últimos passos de quem um dia «escolhe» a morte, seja por que razão for, são também minutos de despedida que talvez nunca entendamos completamente.</b></div>
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<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjtM3F1xkURnXosHIkefXyqq6duSifDI4f0D6Q-Kdwc3DXmH8e-nO9Jpm-Y5cCMDxoKMvREuuZkcPmn_Ox7ApI5FJm_mqRHLT3pQVvj-8vhUpFRV0gcL_Q54mZI8_u-xURKn2RhsZ4E3HWl/s1600/11200630_825232340904594_2176575290375883896_n.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="280" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjtM3F1xkURnXosHIkefXyqq6duSifDI4f0D6Q-Kdwc3DXmH8e-nO9Jpm-Y5cCMDxoKMvREuuZkcPmn_Ox7ApI5FJm_mqRHLT3pQVvj-8vhUpFRV0gcL_Q54mZI8_u-xURKn2RhsZ4E3HWl/s400/11200630_825232340904594_2176575290375883896_n.jpg" width="400" /></a></div>
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Daniel Teixeirahttp://www.blogger.com/profile/02895025907829007517noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4984103550764103419.post-15139109812585061272015-05-22T12:00:00.000-07:002015-05-22T12:00:08.257-07:00Valores reais - Texto de Daniel Teixeira<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEifA-Sm5XS8i_J8rYopH2swio5WBkVBzgGmPLA006LxiA1fFGzteEO-0DqVzV_uoT2M52HyCB_Dya7YQwxnwkkoFKyyGtg_pecvCadUVBVHFsQStXfUox977e_ttqnDNKTa4rQ0ADaLbRGk/s1600/eumini.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEifA-Sm5XS8i_J8rYopH2swio5WBkVBzgGmPLA006LxiA1fFGzteEO-0DqVzV_uoT2M52HyCB_Dya7YQwxnwkkoFKyyGtg_pecvCadUVBVHFsQStXfUox977e_ttqnDNKTa4rQ0ADaLbRGk/s1600/eumini.jpg" /></a></div>
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<b>Valores reais<br /><br /><br />Texto de Daniel Teixeira<br /><br />Este titulo e uma parte do texto / argumento é «emprestado» pela nossa amiga e colaboradora do Jornal Raizonline, Renata Rimet, residente na Baía (desculpem lá escrever à portuguesa) e que tem um poema precisamente com este titulo colocado de forma poetizada.<br /><br />Peço desculpa de não ir agora ver qual a forma exacta utilizada por ela mas esse poema foi publicado no jornal e o que me interessa aqui (para além de plagiar pelo menos parte do título e a ideia de parte do seu conteúdo) é fazer a destrinça que ela faz no seu poema de uma forma mais alongada.<br /><br />Como sabem não sou poeta nem sintético: poeta gostaria de ser mas ser sintético / sumarizador já é outra coisa e francamente não vou mudar, provavelmente nunca.<br /><br />O poema da Renata retrata um assalto a um autocarro (não me lembro como se diz no Brasil e estou mesmo atrasado neste texto e não dá para andar a fazer pesquisa - aliás tenho horror ao termo, parece-me que é ónibus...<br /><br />Bem, continuando: no referido assalto o autor do mesmo não leva nada dos valores que quer, mas rouba, segundo a Renata - e com toda a razão - sentimentos às pessoas. Intimidade exposta (quer dizer aquelas coisas que por vezes se levam nas malas ou nas algibeiras ou nas mochilas e que fazem parte da nossa intimidade e que não gostamos que os outros vejam), devassa dos nossos pertences (algumas coisas compradas nos chineses aqui em Portugal, por exemplo e que são conotadas com a penúria pessoal por as termos comprado, o que é paradoxal, mas já veremos isso).<br /><br />Bem, o que está em causa na descrição poética da Renata é o facto de uma determinada atitude ou comportamento (neste caso um assalto à mão armada ainda por cima) trazer prejuízo a quem o sofre mesmo que não traga, como não traz, vantagem ao outro ou ao criminoso - neste caso.<br /><br />Pois por mais estranho que lhes possa parecer e tomando a posição do outro (sem crime como é claro) eu posso não obter nada do que quero, retirar (comprando) a outro algo, mas, por uma posição de escala de valores isso não me servir para nada ou para muito pouco.<br /><br />Se fizerem uma viagem com os olhos - não precisam mexer-se do sofá - verão à vossa volta pelo menos dezenas de coisas que não servem absolutamente de nada e nem sequer já para regalo da vista, como foi o caso daquele pote chinês que se comprou quase compulsivamente num dado dia, que se adorou durante uma semana ou um mês e que acabou por ser arquivado no nosso circuito de atenção.<br /><br />Pois a sociedade de consumo é assim: as coisas são compradas (e não roubadas (!); a Renata aqui entra de férias neste texto) muitas vezes por impulso. A nossa necessidade natural de novidade, de ver ou fazer diferente, é excessivamente explorada pela nossa envolvência, seja ela comercial ou não.<br /><br />Depois existe também uma tendência também quase natural para seguir e por vezes perseguir o outro: na minha infância por exemplo lembro-me bem que as coisas desejadas, mesmo de melhor qualidade, se enquadravam quase sempre no necessário: quer dizer, comprar uma mobília ou um colchão melhor, um sofá, uma televisão com um ecrã maior (naquele tempo - agora é com maior fidelidade de imagem), enfim...mesmo que já houvesse uma descolagem do reino do aperfeiçoamento do necessário ameaçando a descambada no supérfluo, ainda havia uma relação com a base que se foi depois afastando progressivamente. Agora andamos constantemente de avião, neste plano...<br /><br />Perseguir o outro foi a fase seguinte à fase primitiva: começámos a desejar não só o que nos fazia falta como começámos também a desejar o que fazia falta aos outros (vizinhos, familiares, meros conhecidos e os meros desconhecidos que colocavam coisas nas montras - todas elas apetitosas diga-se).<br /><br />Ficámos assim despojados dos valores reais, dos reais valores, com os quais ainda temos alguma ligação que muitas vezes falseamos oportunistamente: uma coisa não nos faz falta mas dentro das caves do nosso raciocínio encontramos presto para ela uma «utilidade». Esta estante ficava mesmo a matar ao lado da outra que temos naquela nossa cave onde só vamos duas vezes por ano para borrifar o insecticida.<br /><br />Breve...temos, de uma forma geral, e descrita de forma exagerada como se requer, uma necessidade grande de «comprar», de ter novo ou diferente...<br />Ora, sem que isto se aplique senão de forma abstracta, porque razão não direccionamos nós esta forma de desejar para aquilo que mesmo sendo considerado por vezes supérfluo, faz de facto também falta, como a cultura (?) ...<br /><br />Porque aceitamos (generalizo de novo) melhor um novo modelo de automóvel do que um filme bom? (que até sai bem mais barato...).<br /><br />Bem, no fundo todos sabemos porquê: é mais fácil encontrar um plasma numa casa relativamente degradada do que uma estante de livros: um é um símbolo de poder o outro é um símbolo do saber e o saber já não se usa. Usa-se a esperteza e essa compra plasmas, carros ultimo modelo e tudo o resto.<br /><br />Por isso (mas não só por isso) estamos como estamos um pouco por todos os lados deste nosso planeta. A esperteza no entanto é um «bem» de carreira curta, sempre o foi e os espertos nunca acreditaram nisso e ainda não acreditam.<br /><br />Daniel Teixeira</b></div>
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<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjg66XJqYuB0iJryKyq71abiI3McMxG2SPb8CFGjjj8d_I7Sqi2jCHpB1tYy62U1rBPVMyGixla-BEsQgIyMet6n8gfSHvKMxetFeBtJ4hP5jetFu1Gj2ExXdvYZUGcMn5CI97YHL8zH8LN/s1600/beach-sunset-background-images-hd-wallpaper-wallpapers-source_beach-sunset-background-images-hd-wallpaper.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="225" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjg66XJqYuB0iJryKyq71abiI3McMxG2SPb8CFGjjj8d_I7Sqi2jCHpB1tYy62U1rBPVMyGixla-BEsQgIyMet6n8gfSHvKMxetFeBtJ4hP5jetFu1Gj2ExXdvYZUGcMn5CI97YHL8zH8LN/s400/beach-sunset-background-images-hd-wallpaper-wallpapers-source_beach-sunset-background-images-hd-wallpaper.jpg" width="400" /></a></div>
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Daniel Teixeirahttp://www.blogger.com/profile/02895025907829007517noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4984103550764103419.post-39899502891941813342015-05-21T14:15:00.000-07:002015-05-21T14:15:22.531-07:00Eu e fulana - Conto (Humor) de Daniel Teixeira<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEifA-Sm5XS8i_J8rYopH2swio5WBkVBzgGmPLA006LxiA1fFGzteEO-0DqVzV_uoT2M52HyCB_Dya7YQwxnwkkoFKyyGtg_pecvCadUVBVHFsQStXfUox977e_ttqnDNKTa4rQ0ADaLbRGk/s1600/eumini.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEifA-Sm5XS8i_J8rYopH2swio5WBkVBzgGmPLA006LxiA1fFGzteEO-0DqVzV_uoT2M52HyCB_Dya7YQwxnwkkoFKyyGtg_pecvCadUVBVHFsQStXfUox977e_ttqnDNKTa4rQ0ADaLbRGk/s1600/eumini.jpg" /></a></div>
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<b>Eu e fulana<br /><br />Conto (Humor) de Daniel Teixeira<br /><br />Este título precisa de ser explicado porque podem aparecer várias opiniões sobre o facto dele ser como é, o título. Quando se diz fulana (ou fulano) embora nunca se consiga esconder o factor depreciativo, pode estar a querer dizer-se que se trata de alguém cujo nome não queremos, por razões diversas, escrever por explicado explícito.<br /><br />Numa conversa de rua, por exemplo, e quando vão passando diversas pessoas nas proximidades, pode-se utilizar o termo (fulana ou fulano) para esconder a identidade da pessoa de quem se está a falar, porque não é conveniente que essa identidade seja declarada, mesmo que não se saiba se as pessoas que vão passando à nossa volta estão (pela notoriedade dela) ou estariam (pelo teor da conversa) sim ou não interessadas em saber do que ou de quem se está a falar.<br /><br />O meu caso, e isto desde logo porque não interessa muito estar a consumir tempo e espaço, é diferente: escrevi fulana porque a mulher (senhora) tinha (e deve ter ainda) um nome horrível. <br /><br />A mulher do Afonso Henriques chamava-se Urraca e, com todo o respeito patriótico que me é exigido, devo dizer que eu não casava com uma mulher com um nome destes: eu sei que o amor é cego e etc. mas desculpem-me todas as Urracas deste mundo mas comigo não contem...nem as Urracas nem aquelas cujo nome seja igual à que eu agora chamo de fulana. E mais uns quantos nomes, mas isso agora não vem ao caso...<br /><br />Por mais depreciativo que possa parecer, o termo fulana está milhas acima do nome daquela mulher (senhora). E a coisa era assim, avançando eu na descrição da minha relação com fulana. <br /><br />Vivíamos próximo, numa daquelas ruas com casas térreas quase todas iguais e eu de vez em quando era solicitado pela Dª Fulana (é melhor meter maiúscula!) para desenrascar coisinhas daquelas que levam meses a ser resolvidas por um sempre assoberbado profissional de qualquer métier relacionado com a domus, desde o parafuso na fechadura até ao candelabro do sec. XVIII.<br /><br />A coisa ia bem, razoavelmente bem: as solicitações da Dª Fulana, que só era Dona porque era de boas famílias mas que em teoria deveria ser Menina, embora fossem frequentes, essas solicitações, atingiam uma regularidade mensal por mim considerada razoável: uma média de dois parafusos e uma lâmpada chama por mês ou uma de casquilho grosso ocasionalmente, mas factores exteriores ao nosso relacionamento semi-profissional (sou amador, eu) vieram conturbar uma relação que tendia a estender-se até às nossas respectivas covas (a dela primeiro que a minha segundo a lei das probabilidades).<br /><br />A Dª Fulana arranjou um namorado, um espertalhão, na minha opinião, que tinha como fito declarado na cara sugar-lhe os tostanitos e metê-la daí a anos num Lar da Misericórdia se não optasse por dar à sola quando a coisa estivesse mais para lá do que para cá. <br /><br />Ora, a minha intimidade com a Dª Fulana (cujo nome real eu era obrigado a dizer pelo menos uma vez quando batia à sua porta), era daquelas intimidades tipo paternais.<br /><br />Embora eu fosse (e sou) bastante mais novo que ela eu era o pai dela nas questões que metiam parafusos, porcas, lâmpadas, tomadas, peras e nalguns cuidados especiais quando começaram a aparecer na casa dela as novas tecnologias como o micro-ondas, o DVD, a televisão por cabo, etc.<br /><br />Ora, nestas coisas, como o seu namoro, eu não deveria nunca meter a colher, e não meti e esse terá sido o meu grande erro. Ora o homem era o que era e ela era maior e vacinada e pergunto a qualquer leitor imparcial se eu não procedi bem...é claro que procedi! O homem não tinha fusíveis, nem termóstato, nem comando electrónico porque razão eu me deveria meter!?<br /><br />Por outro lado, e já disse isto acima, o amor é louco e etc. e ela sabia ou deveria saber bem as linhas com que se cosia. Ser solteirona não é certificado universitário de imbecilidade para ninguém...<br /><br />Como já devem ter calculado, o gajo, por artes e engenhos vários, foi-lhe sacando aos bochechos o dinheirinho que ela tinha no banco e pirou-se em seis meses e isto ao ponto dela nem sequer ter disponibilidade para comprar as lâmpadas e os parafusos que eu continuava a substituir-lhe em casa. <br /><br />O micro-ondas deu o bafo, a televisão por cabo foi-lhe cortada, e lá tivemos de regressar ao velho sistema da antena no telhado com acesso a 4 canais com os riscos que isso voltou a comportar para mim obrigando-me a constantes subidas e descidas ao telhado para acertar a imagem.<br /><br />Quando a coisa começou a tornar-se incomportável para mim (ela já me devia seis lâmpadas - três chama e três de casquilho grosso - uma antena nova e o preenchimento de uma declaração de IRS com multa) eu tive de lhe dizer:"Ó Dª Fulana!!! O barco vai titanicando e a este ritmo não há Céline Dion que nos safe!!" fui então surpreendido pela surpreendente resposta.<br /><br />"A culpa é sua!! Você sabia muito bem que o fulano (chamava-se Góis!) me ia levar à penúria e não me avisou de nada!!"<br /><br />Daniel Teixeira</b></div>
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<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgyfO9wPfB1k9W8EVUEtrXuWiR1RBR5IWu4DiYw45J4z5JZUpT8Pd9Ap8tCt_x4KUXgleseOb78ZzgMwNncsxXfkvLhV3WzNzTMwLAjM4k2eiLVzSi07e7cYxS5ZHW1tbdeFNDWrlNTldpW/s1600/m30cb1793.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="298" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgyfO9wPfB1k9W8EVUEtrXuWiR1RBR5IWu4DiYw45J4z5JZUpT8Pd9Ap8tCt_x4KUXgleseOb78ZzgMwNncsxXfkvLhV3WzNzTMwLAjM4k2eiLVzSi07e7cYxS5ZHW1tbdeFNDWrlNTldpW/s400/m30cb1793.jpg" width="400" /></a></div>
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Daniel Teixeirahttp://www.blogger.com/profile/02895025907829007517noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4984103550764103419.post-28128077396734915952015-05-21T14:07:00.000-07:002015-05-21T14:07:10.132-07:00Fotos e memória - Conto (Humor) de Daniel Teixeira<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEifA-Sm5XS8i_J8rYopH2swio5WBkVBzgGmPLA006LxiA1fFGzteEO-0DqVzV_uoT2M52HyCB_Dya7YQwxnwkkoFKyyGtg_pecvCadUVBVHFsQStXfUox977e_ttqnDNKTa4rQ0ADaLbRGk/s1600/eumini.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEifA-Sm5XS8i_J8rYopH2swio5WBkVBzgGmPLA006LxiA1fFGzteEO-0DqVzV_uoT2M52HyCB_Dya7YQwxnwkkoFKyyGtg_pecvCadUVBVHFsQStXfUox977e_ttqnDNKTa4rQ0ADaLbRGk/s1600/eumini.jpg" /></a></div>
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<b>Fotos e memória<br /><br />Conto (Humor) de Daniel Teixeira<br /><br />Tenho-me dedicado tanto quanto posso a pesquisas na net sobre fotografias e como devem calcular encontro um pouco de tudo e mais do que aquele todo imaginável pelo naïfe que eu sou. Mas, sem entrar em desbragadas análises sobre o quase inalisável o que mais me tem chamado a atenção é o facto de se encontrarem muito poucas fotos comuns sobre gente comum, na net.<br /><br />Tenho visto algumas páginas pessoais, daquelas mesmo pessoais, com poucos centenas de visitas nos contadores, mas mesmo nestes casos tenho encontrado algum desejo de ser mostrado o incomum naquelas pessoas que deveriam mostrar-se gente comum por serem gente comum.<br /><br />Os meus primeiros encontros com gente comum que não quer ser comum ou que se não quer assumir como comum, vulgo vulgar, sem diferença, orgulhosa de ser como é e não orgulhosa por ter sido incomum num dado momento da sua vida, foi quando pesquisei páginas pessoais com fotos e verifiquei que uma série razoável de gente tinha fotos das suas viagens, às Caraíbas, por exemplo, ou outros destinos exóticos.<br /><br />Dependendo das nacionalidades o exótico é aquilo que se não encontra na terra onde vivemos: um português, por exemplo, tira fotografias de neve e montanhas, posa alegremente ao lado de um professor de sky, assenta os pés em dois palitos nos quais se vê que ele mal se consegue manter direito, e enterra firme e profundamente na neve dois tacos agarrados como enxadas e sorri, meu deus, como ele ou ela sorriem para a foto, para o fotógrafo, para a máquina mas sobretudo estão, dentro deles a pensar como irão fazer roer de inveja os amigos quando mostrarem as fotos sem sequer calcularem que eles se estarão borrifando para o facto de eles terem estado 24 horas vezes não sei quantos na Sierra Nevada ou mesmo nos Alpes.<br /><br />A foto é alegre, a alegria é pessoal e o desejo de ferir o próximo (o vizinho teso ou com menos posses) é evidente. Nada está escondido na manga...<br /><br />No caso de um Norueguês, por exemplo, o exótico é andar entre biquinis, toplesses, e abundância de carne exposta, ver e fotografar uns quantos marmanjos e marmanjas, estas com as mamas à mostra, de preferência, tirar a inevitável foto com uma bebida colorida num bar todo em madeira com os troncos "rústicos" à mostra e dar um chocho para o fotógrafo guardar no negativo.<br /><br />Em qualquer dos olhares, português ou norueguês, ou de qualquer nacionalidade, o que se lê entre linhas, é a expressão da necessidade de mostrar ao próximo vizinho quanto felizes foram as férias, mesmo que se subentenda por vezes que a fominha passada fora das fotos foi enorme ou que mesmo os cartões de crédito levarão eternidades a ser saldados.<br /><br />Gente comum não há, nunca há gente comum: quando um indivíduo, munido da sua indispensável máquina de chapear, vai ao Tibete, por exemplo, tem forçosamente de arranjar um monge, uma peregrinação, uma referência ainda que remota ao Lama do sítio, um mosteiro alcandorado nas montanhas, ou mesmo um animal daqueles que parecem camelos e se babam aos litros e quilos para a fotografia e para o fotógrafo.<br /><br />O pobre e vulgar cidadão, com preocupações com o fisco ou mesmo sem possibilidades de ter essas preocupações não aparece senão quando calha em fundo de ecrã: e no entanto há tanta gente comum, tanta, tanta que são mesmo mais do que os Lamas, os professores de sky, ou as floridas havaianas.<br /><br />Cheguei pois à conclusão que é impossível arranjar gente comum fotografada: gente mesmo comum. Uma simples velhinha a troco de muita insistência ou mesmo por biscate exibe o abundante relevo das rugas, esboça um sorriso talvez por gozo interior e mostra uma catrefa de dentes em falta ou simplesmente apodrecidos. <br /><br />Não há, de facto gente comum senão aquela que é obrigada ou sente que é simpático mostrar o comum da sua vida ou vivência.<br /><br />Uma mocinha, atingida a maior idade, não se importa absolutamente nada que a fotografem com os trajes da região (que ela vai buscar à arca a casa porque no dia a dia anda de mini saia) e com um pouco de insistência ou nenhuma mostra uma fatia da perna para decorar e dar mais interesse ao traje.<br /><br />Os "profissionais" da "gente comum", esses, vão a África, arranjam pela agência uma festa tribal que pagam entre todos e batem fotografias de gente comum toda coloridamente besuntada com lama colada ao corpo, empunhando ameaçadoras lanças cuja ponta nem cortaria manteiga, e aparecem adornados com máscaras o mais mal feitas possível e alegadamente retalhadas directamente em troncos de árvore mas que alimentam a pequena indústria carpinteira local.<br /><br />Mas, um dia, se Deus quiser, ainda verei na net fotos de gente mesmo comum.<br /><br />Daniel Teixeira</b></div>
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<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiiJZMBpGene1yCI0AqJniiMl4z9UAdecslUT2kWZoFyl6kKM_yGBWgVBEEJIEhJ7eS6oL9FVQqJykZvFjj7A3A8SC13NskNgjxuc0LMXRn4LIYBd8aov0KdNkYRVk9eZjXpfjF-5yIPQl5/s1600/Chita6.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiiJZMBpGene1yCI0AqJniiMl4z9UAdecslUT2kWZoFyl6kKM_yGBWgVBEEJIEhJ7eS6oL9FVQqJykZvFjj7A3A8SC13NskNgjxuc0LMXRn4LIYBd8aov0KdNkYRVk9eZjXpfjF-5yIPQl5/s400/Chita6.jpg" width="400" /></a></div>
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Daniel Teixeirahttp://www.blogger.com/profile/02895025907829007517noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4984103550764103419.post-89196842733936278332015-05-21T13:59:00.000-07:002015-05-21T13:59:23.912-07:00O drama verde de Roberta - Conto (Humor) de Daniel Teixeira<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEifA-Sm5XS8i_J8rYopH2swio5WBkVBzgGmPLA006LxiA1fFGzteEO-0DqVzV_uoT2M52HyCB_Dya7YQwxnwkkoFKyyGtg_pecvCadUVBVHFsQStXfUox977e_ttqnDNKTa4rQ0ADaLbRGk/s1600/eumini.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEifA-Sm5XS8i_J8rYopH2swio5WBkVBzgGmPLA006LxiA1fFGzteEO-0DqVzV_uoT2M52HyCB_Dya7YQwxnwkkoFKyyGtg_pecvCadUVBVHFsQStXfUox977e_ttqnDNKTa4rQ0ADaLbRGk/s1600/eumini.jpg" /></a></div>
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<b>O drama verde de Roberta<br /><br />Conto (Humor) de Daniel Teixeira<br /><br />Uma vez que me parece que gostam de histórias aqui vai uma que não é especialmente de Natal embora se passe também no Natal. O ano, como todos sabem, tem 365/366 dias, dentro dos quais está compreendido o período de Natal e esta história passa-se durante todos os ainda curtos anos de vida desta menina de que eu vos vou falar.<br /><br />Exactamente quantos Natais se tinham passado na vida desta menina na altura em que me contaram a história não sei exactamente, mas, para jogar pelo seguro, vou escrever que se tinham passado à volta de dez anos (dá para menos e dá para mais nesta proximidade decadal).<br /><br />Pois bem, a Roberta; um nome como outro qualquer mas com conotações especiais neste caso porque o seu pai se chamava Roberto o que faz pressupor ao mais imparcial observador e desde logo uma razoável dose de egocentrismo da parte do pai, tinha, a Roberta, filha do senhor Roberto e da senhora Maria das Dores ( aqui começo a ter a impressão que a escolha do nome Roberta como opção não foi de todo infeliz ) tinha, esta menina um problema familiarmente grave que se resumia - "resumia" para nós que não vivemos o problema - ao facto de ela não gostar de ervilhas.<br /><br />Nada de grave (!!), dirão e com bastante razão porque não conhecem o resto da história. Na verdade existem milhares ou pelo menos centenas de substitutos para a ervilha e está provado que se pode viver perfeitamente sem comer ervilhas. <br /><br />Mas os pais da Roberta gostavam de ervilhas e tinham a certeza de que a Roberta também gostava de ervilhas.<br /><br />Ela, por simpatia e para não desgostar os ainda não muito velhos pais, nada dizia. O drama para a Roberta corria numa frequência considerada razoável numa família normal, arranjando ela as desculpas usuais para se escapar da mesa em dia de ervilhas.<br /><br />Deveria ter dito que não gostava de ervilhas, é certo, mas quantos de nós não gostamos de uma dada coisa e, por delicadeza ou para não ferir sentimentos, e quando se trata de comida, somos até capazes dessa hipocrisia suprema que é dizer que essa coisa de que não gostamos (ou que odiamos mesmo ) e que somos obrigados a comer em casa de amigos "estava óptima" etc. etc. e que, para não dar muita pomada, afirmamos que com um bocadinho mais de noz moscada ainda ficava melhor?!<br /><br />O cúmulo, que é o que algumas mulheres sobretudo, mas mulheres ou homens, sem coração, fazem, é segredar ainda a super hipócrita frase: " tens de me dar a receita!!" O ser humano é verdadeiramente esquisito, digo-vos eu, mas isso pode ser dito por qualquer um de nós e não implica qualquer esforço suplementar.<br /><br />Pois bem, o rame rame sacrificial da Roberta foi cortado por um acontecimento inesperado por ela mas há muito desejado secretamente tanto pela sua mãe como pelo seu pai.<br /><br />Houve, um dia, um saldo extraordinário numa grande cadeia de supermercados e os pais da Roberta resolveram atacar a arca congeladora preenchendo-a de sacos de quilo de ervilhas (congeladas como não podia deixar de ser ).<br /><br />A Roberta assistiu ao transporte de cerca de 100 kilos de ervilhas do carro para a arca com um sorriso nos lábios ( era boa mocinha, a Roberta ), ajudou inclusivamente ao descarregamento e era ver as suas mãozinhas enternecidas, enrubescidas e enregeladas pelo contacto com o plástico trazerem os sacos e virem colocá-los alinhados dentro da arca.<br /><br />Ao mesmo tempo um observador mais atento ( que neste caso foi o narrador da história ) poderia ver as lágrimas brotarem dos seus lindos olhos azuis e correr-lhe pela face.<br /><br />Mas sem um sinal sequer de contrariedade ou de revolta. Amor de filho é assim. Ao deitar deu o usual beijo aos pais e eles nem se aperceberam que ela nessa noite se chegava mais a eles no abraço, e que ela lhes acarinhava docemente o cabelo, fazendo correr as suas mãozinhas pelos fios onde ia depositando grossos bagos de lágrimas.<br /><br />E, sem dizer mais nada, durante a noite abandonou o lar.<br /><br />Tinha então cerca de doze anos a Roberta e os pais nunca mais souberam nada dela. Nem um telefonema, nem uma carta, apesar da pobre e dolorida mãe quase sempre ir apanhar o carteiro na estrada tanta era a sua esperança...<br /><br />A história é um pouco mais triste ainda porque o Roberto e a Dona Maria das Dores nunca mais entraram no quarto da Roberta e, carinhosamente ( como só os pais sabem fazer ), com os olhos vermelhos de tanto chorar todos os dias tanto tempo, serviam sempre um prato que colocavam no lugar que antes a Roberta ocupava na mesa.<br /><br />Com alguma frequência eram ervilhas...<br /><br />Daniel Teixeira</b></div>
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<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgrdfZ1YhyphenhyphenJpNSarHZMfDsh4uUDbqH90lxpBi90sZO0dSI0LPheGxBSKR1I_o8rteskWzqEhLoq6z2XDQTwTMA0Dh2cq-CwN7hb1LVvqgtgqlU96nlR65DbPLiI6jP4qysPgDwhxBQA1KjE/s1600/17635_10200603722812217_814390907237746257_n.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgrdfZ1YhyphenhyphenJpNSarHZMfDsh4uUDbqH90lxpBi90sZO0dSI0LPheGxBSKR1I_o8rteskWzqEhLoq6z2XDQTwTMA0Dh2cq-CwN7hb1LVvqgtgqlU96nlR65DbPLiI6jP4qysPgDwhxBQA1KjE/s400/17635_10200603722812217_814390907237746257_n.jpg" width="322" /></a></div>
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Daniel Teixeirahttp://www.blogger.com/profile/02895025907829007517noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4984103550764103419.post-76046300774700352612015-04-26T11:07:00.000-07:002015-04-26T11:07:23.867-07:00A importância na observação - Por Daniel Teixeira<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEifA-Sm5XS8i_J8rYopH2swio5WBkVBzgGmPLA006LxiA1fFGzteEO-0DqVzV_uoT2M52HyCB_Dya7YQwxnwkkoFKyyGtg_pecvCadUVBVHFsQStXfUox977e_ttqnDNKTa4rQ0ADaLbRGk/s1600/eumini.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEifA-Sm5XS8i_J8rYopH2swio5WBkVBzgGmPLA006LxiA1fFGzteEO-0DqVzV_uoT2M52HyCB_Dya7YQwxnwkkoFKyyGtg_pecvCadUVBVHFsQStXfUox977e_ttqnDNKTa4rQ0ADaLbRGk/s1600/eumini.jpg" /></a></div>
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<b>A importância na observação<br /><br />Por Daniel Teixeira<br /><br />O termo voyeur é uma expressão normalmente vista numa perspectiva crítica ou depreciativa e é utilizado para definir, ou simplesmente episodicamente referir quem gosta de ver ou quem dá alguma primazia ou valor ao acto de observar outras pessoas ou coisas, entendendo-se aqui que essa observação do outro ou da coisa deverá ter implícita pelo menos alguma ligação com o observado.<br /><br />Eu explico melhor esta última parte que pode aparecer como sujeita a confusão: em princípio não se observa apenas para observar; um astrónomo amador observa as estrelas, por exemplo, porque pretende compor a sua ideia sobre aquilo que é uma estrela, a sua forma, o seu brilho, a constelação onde se encontra, etc. Isto quer dizer que o observador deve ter um fim em vista e mesmo quando o faz por mera curiosidade diletante tal acto acaba por fazer suscitar em si um desejo por uma ou mais particularidades do ou dos objectos observados.<br /><br />Claro que aqui interessa referir que deve haver alguma constância no acto de observar, até porque através da ocasionalidade será impossível detectar-se uma qualquer simpatia ou empatia para com o outro ou com a coisa observada. Jean Paul Sartre, nalguns desenvolvimentos que faz para definição do grupo pode dar-nos aqui uma pista comparativa até porque mais à frente voltaremos a falar dele.<br /><br />Resumidamente, um conjunto de pessoas que apanha um autocarro no mesmo local com o mesmo destino não constitui um grupo, mas um conjunto de pessoas que participa numa deslocação programada, de autocarro, por exemplo, com partida e chegada ao mesmo local, embora se disperse de novo depois, antes durante e logo depois do decorrer da viagem é um grupo. Ora uma observação para o ser tem de equivaler a esta ideia acima referida: ser constante ou continuada.<br /><br />As conotações dadas ao termo «observar» parecem esquecer o platonismo, ou o vulgarmente chamado amor platónico presente no diálogo Simpósio (Banquete). Embora a temática desenvolvida neste diálogo possa ser entendida como menos própria, trata este velho filósofo de destrinçar entre amor e (um pouco forçado) amor sem amor, sem apego, sem afeição.<br /><br />Platão parece simpatizar com a segunda fórmula, até porque esta não distrai o observador dos verdadeiros interesses do saber e do conhecimento aos quais dá a primazia, que são do domínio do cérebro (pensamento) e não do domínio do corpo ou da paixão amputadora da racionalidade, como o primeiro. No seu entender é claro.<br /><br />Assim, e voltando a Sartre acima, teremos que de forma grosseira Platão tenderia para a ocasionalidade e não para o grupo (ou agrupamento) definido acima. Assim, platonicamente, sem querermos ser muito rigorosos, observar (de forma correta, para ele) seria não se envolver com o observado. Refiro que se trata de analogias lógicas e não propriamente de análises consubstanciadas caso a caso.<br /><br />Ora, observar, todos gostamos, penso eu. Aliás penso até que é uma das actividades à qual nos dedicamos por uma maior fracção do nosso tempo de vida. Na verdade, com excepção dos invisuais, somos dotados de visão e seria pouco compreensível que não exercêssemos essa actividade. O mundo à nossa volta está pleno de movimento, de seres e não-seres, de cores, de luz e sombra, breve, acho que é impossível escapar ao acto de observar.<br /><br />Observar é um fenómeno que tem sido referido ao longo da literatura e mesmo na filosofia: Jean Paul Sartre por exemplo utilizou o termo para dizer que não se pode ser espectador e actor ao mesmo tempo, questão que eu acho discutível mas que não vou aqui discutir, porque na realidade o actor observa ainda que o faça de acordo com o interesse que tem na pessoa ou nos objectos com os quais interage.<br /><br />Na verdade, Sartre distingue quase o mesmo que Platão acima: o envolvimento torna-nos actores e não podemos observar, pelo menos de forma «limpa / imparcial» aquilo em que estamos envolvidos. Vamos passar à frente a questão da subjectividade empregue ou não no envolvimento para lembrar o ditado de que não se pode ser juiz / julgar em causa própria.<br /><br />Por sua vez e num outro paradigma de pensamento, um escritor americano (salvo erro Erskine Caldwell) relata num dos seus romances a luta entre dois indivíduos pela «posse» de um buraco na parede de um armazém naqueles ambientes um pouco surrealistas do campesinato americano dos anos 20 ou 30, com homens de calças de presilhas à jardineiro e ausência de banho anual.<br /><br />Pois o dito buraco dava para a apreciação não de qualquer coisa extremamente escandalosa, não para a visão intromissora em algo de íntimo e pessoal, para algo em movimento que despertasse um desejo de seguir a sua continuidade, mas sim para uma extensa pradaria, vazia e sem qualquer significado se fosse vista da porta do dito armazém.<br /><br />O importante era, pois, o buraco, a visão que era proporcionada pelo filtro do buraco, o facto de haver algo a separar o espectador da paisagem, a sensação diferente que era ter de mexer o corpo, e o olho, para olhar para a esquerda ou para a direita, enfim...se seguíssemos o raciocínio tratava-se de ver através daquele buraco na parede do armazém ... nada diferente, em sentido rigoroso. Mas o que interessou ao escritor foi descrever que é possível ver diferente vendo a mesma coisa de duas maneiras: através da porta e através do buraco na parede.<br /><br />Quando se trata de obras, sobretudo as públicas, é frequente ver-se nos taipais pequenos furos, apenas suficientemente largos para que uma ou mais pessoas possam espreitar e não sei se por piada se por filosofia empresarial aparecem por vezes os dizeres, acompanhados de seta a feltro :«Espreite por aqui.»<br /><br />Ora, estes elementos todos e mais alguns que fui recolhendo ao longo dos anos, de forma desinteressada e sem objectivo desde logo definido, levam-me hoje a fazer a reflexão que se impõe sobre a «magia» do buraco. <br /> </b></div>
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<b>Há de facto algo de solene espreitar pelo buraco mesmo que aquilo que se vê seja precisamente aquilo que se pode ver de forma «livre» e aberta. O buraco soleniza as coisas, faz aquela separação que Nietzsche chama de separação entre actor e público, nas suas Origens da Tragédia. Aquela sensação de não estar por dentro soleniza aquilo que está por fora e a prova está nas referências literárias que fiz acima.<br /><br />Mas, mais que isso, o pessoal que trabalha numa obra, e isto é importante, mesmo muito importante, não é objecto de crítica se por acaso estiver encostado à bananeira a deixar passar o tempo até ao apito de saída. Se perguntarmos a um «espreitante» usual ou não o que acha disso ele dirá que não tem nada com isso, está ali para espreitar e nada mais, o andamento da obra não lhe interessa: basta que do outro lado haja gente em movimento, máquinas, paredes e valas abertas.<br /><br />Ora, e como vimos isso acontece a quem ou à coisa que está para além do buraco. Acontece com aquele que tem uma separação nítida e impeditiva de marchar à sua frente, aquele que não se pode fundir com o observado, aquele que não faz parte do mesmo «ambiente» funcional. Opta então essa pessoa pela ausência da crítica.<br /><br />Não sendo esta uma questão transcendente é quanto a mim no entanto significativa sobretudo porque se aplica em diversos domínios da nossa forma de pensar e ver as coisas embora nem sempre lhe demos a devida importância, nomeadamente e como exemplo quando frequentamos redes sociais.<br /> </b></div>
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<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiiJZMBpGene1yCI0AqJniiMl4z9UAdecslUT2kWZoFyl6kKM_yGBWgVBEEJIEhJ7eS6oL9FVQqJykZvFjj7A3A8SC13NskNgjxuc0LMXRn4LIYBd8aov0KdNkYRVk9eZjXpfjF-5yIPQl5/s1600/Chita6.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiiJZMBpGene1yCI0AqJniiMl4z9UAdecslUT2kWZoFyl6kKM_yGBWgVBEEJIEhJ7eS6oL9FVQqJykZvFjj7A3A8SC13NskNgjxuc0LMXRn4LIYBd8aov0KdNkYRVk9eZjXpfjF-5yIPQl5/s1600/Chita6.jpg" height="320" width="400" /></a></div>
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Daniel Teixeirahttp://www.blogger.com/profile/02895025907829007517noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4984103550764103419.post-56170068438714985832015-03-21T08:00:00.000-07:002015-03-21T08:00:22.469-07:00A imortalidade por correspondência - Por Daniel Teixeira<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEifA-Sm5XS8i_J8rYopH2swio5WBkVBzgGmPLA006LxiA1fFGzteEO-0DqVzV_uoT2M52HyCB_Dya7YQwxnwkkoFKyyGtg_pecvCadUVBVHFsQStXfUox977e_ttqnDNKTa4rQ0ADaLbRGk/s1600/eumini.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEifA-Sm5XS8i_J8rYopH2swio5WBkVBzgGmPLA006LxiA1fFGzteEO-0DqVzV_uoT2M52HyCB_Dya7YQwxnwkkoFKyyGtg_pecvCadUVBVHFsQStXfUox977e_ttqnDNKTa4rQ0ADaLbRGk/s1600/eumini.jpg" /></a></div>
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<b>A imortalidade por correspondência<br /><br />Por Daniel Teixeira<br /><br />Debruçando-nos inicialmente sobre Camões que terá eventualmente sido o maior difusor português do conceito de que existe vida para além da morte, sabemos desde logo que este pequeno trabalho está direccionado para a interpretação de que ela, esta imortalidade, se manifesta de uma forma bem determinada: «aqueles que da Lei da Morte se libertam» ... e vivos memorialmente ficam.<br /><br />Na verdade o autor Camões não pretendeu nem pretenderia lançar uma escada filosófica pitagórica ou outra que seria forçosamente anti-católica e severamente punida na altura em que o autor viveu.<br /><br />Assim, a libertação da Lei da Morte faz-se, segundo este autor, da forma memorial, elegíaca ou não, ou seja, uma dada pessoa liberta-se desta inexorável lei através da memória que deixa de si e que as pessoas, a gente comum ou menos comum, guarda em si como património.<br /><br />Montaigne, um dos meus pensadores favoritos, diz a dada altura das suas reflexões, que Deus nos deu, (na sua infinita sabedoria - será de crer que ele o tenha pensado embora não o tenha escrito) apenas uma forma de nascermos e milhares de formas de morrer.<br /><br />Marco Aurélio, talvez o mais intelectual dos imperadores romanos (estóico) faz também ressaltar de uma outra forma a relatividade da importância da morte: apenas um grão de areia que cai do altar (da vida - deve entender-se).<br /><br />Enquanto que em Montaigne se procura banalizar a morte - nesta nossa interpretação que não forçosamente na ideia do autor- apontando o imenso número de formas dela ter lugar, em Marco Aurélio faz-se ressaltar a relativamente pouca importância do viver humano, (no seu caso) no contexto da racionalidade estóica que neste autor se pode substituir à ideia de Universo ou de Natureza visto aqui de uma forma simplificada.<br /><br />Um e outro, às suas duas maneiras, ao relativizarem o facto de se morrer e numa altura em que a memória dos povos tinha poucas possibilidades de se transmitir e permanecer, não deixaram de ficar na história em recuperação posterior às suas épocas de vida.<br /><br />O mesmo Montaigne acima referido faz um longo elogio à memória e ao cavalo de Alexandre o Grande, interligando a construção do Império de Alexandre à posse e manuseio do seu cavalo (Bucéfalo).<br /><br />Camões também se libertou da Lei da Morte e assim como aconteceu com Alexandre e o seu cavalo Bucéfalo agregou à sua memória o escravo Jau. <br />Não gostaria que fossem feitas comparações entre um cavalo por mais nobre e enobrecido que tenha sido (Alexandre construí-lhe um túmulo luxuoso) e um ser humano, embora a sociedade na altura não reconhecesse Jau como humano no sentido pleno por ser um escravo (logo uma coisa).<br /><br />Ora, o que há de comum entre Bucéfalo, sobre cuja específica configuração existe uma relativamente extensa literatura e Jau? <br /><br />Ninguém sabe ou ninguém se preocupou em descrever Jau, em criar uma imagem dele. Não se sabe como ele era realmente de forma ou caracterizado.<br /><br />Nem sequer temos uma ideia da sua face e da sua constituição física. Diz-se dele ser da ilha de Java e, logo, um javanês será igual a todos os outros javaneses, assim sendo. Actualmente Java é a maior ilha do Arquipélago Indonésio onde se situa a capital Djacarta. Assim, Jau, seria, visto nos dias de hoje como sendo um indonésio, qualquer que seja a ideia que nós tenhamos da constituição física e facial de um indonésio.<br /><br />Casimiro de Abreu, talvez dos poucos escritores que se debruçaram sobre Jau, na sua peça em um acto, desenvolve um pouco aquilo que foi Jau: um ser amante da sua terra (Java) e da sua família que teve um amor igualmente falecido tal como a bela Dinamene de Camões.<br /><br />As referências de Camões atribuídas a Dinamene podem existir em diversos sonetos, dedicados a um amor perdido ou falecido, mas os estudiosos dividem-se entre Dinamene, Dona Catarina de Ataíde, Dama da Rainha, a qual é apontada como (pelo menos) musa do anagrama Natércia ao mesmo tempo que existem referências a um outro (ou ao mesmo) amor à Infanta D. Maria, irmão do Rei D. João III.<br /><br />Para termos uma ideia de Jau em Casimiro de Abreu, cujo nome é aqui António, ele conta a Camões os seus amores.<br /><br />ANTÓNIO (Jau)<br /><br />Sim, sim; uma mulher eu amei muito.<br />Era tão bela! A mesma cor que tenho,<br />Ela tinha também; era de Java.<br />A infância ambos passamos sempre juntos<br />Brincando alegres pelos campos lindos.<br /><br />Passaram-se os folguedos, e sozinhos<br />À fresca sombra dos gentis palmares<br />Que enfeitam a minha ilha tão formosa,<br />Mil falas de ternura lhe falava,<br />Mil esp'ranças risonhas eu nutria.<br /><br />Era muito feliz o pobre escravo!<br /><br />Depois… tão moça ela ainda finou-se!<br />O que eu chorei! E a dor pungente e amarga<br />Até à morte sentirei nesta alma<br />Que outro amor como aquele tão sincero…<br />Senhor, o pobre Jaú não terá nunca.<br /><br />Mas o que fez Jau para merecer ser lembrado ainda hoje? De lembrar que Jau tem o seu nome numa rua em Lisboa, na zona de Alcântara / Stº Amaro assim como Luís Vaz de Camões.<br /><br />Foi Jau um fiel servidor do vate, certo, esmolava para que este tivesse alimento e fosse vivendo aquela vida indigna para a qual foi votado no final da vida. Mas que seria da memória de Jau se antes ele, como tantos outros escravos, tivesse sido escravo de um ser normal e comum que da lei da morte se não tivesse libertado?<br /><br />Camões sem Jau teria sempre escrito os Lusíadas, que foi afinal aquilo que da lei da morte o libertou e Jau sem Camões teria sido um desses inúmeros escravos dos quais não reza nem a história nem uma linha. Por outras palavras seria tão invisível à nossa memória de hoje como o foi enquanto mendigo.<br /><br />De notar desde logo, no que se refere aos Lusíadas e a Camões e Jau que segundo a fabulação de Casimiro de Abreu o Javanês teria salvo os Lusíadas do fogo conforme veremos à frente.Portanto quando se diz atrás que Camões teria sempre escrito os Lusíadas, com Jau ou sem Jau, poderemos ainda aqui aceitar que sim, embora o autor brasileiro (C.A.) os tivesse colocado na eminência de se perderem não fora a acção de Jau.<br /><br />Contudo, e voltando brevemente ao cavalo Bucéfalo, este está historicamente ligado, pelo menos lendariamente,(segundo Montaigne) à conquista do Império de Alexandre o Grande. <br /><br />De Jau, não fora Casimiro de Abreu e mais algumas lendas que se recolhem, nada constaria de importante sobre a sua acção na escrita dos Lusíadas.<br /><br />Assim e ainda Casimiro de Abreu:<br /><br />CAMÕES<br /><br />Eu à pátria sobreviver! Não quero.<br />Quem deste Portugal cantou as glórias<br />Não pode a Portugal na mesma lira<br />Desferir canto fúnebre saudoso.<br /><br />Se a pátria é morta, hei-de morrer com ela.<br /><br />Hei-de sim, hei-de sim, porque nesta alma<br />Era o afecto maior que ora existia.<br />Oh! que a mesma mortalha nos envolva;<br />E o canto d’alma apaixonado e terno,<br />Em que humilde exaltei a fama tua,<br />Que as chamas consumam; que hoje mesmo,<br />De Luís de Camões não tenha o mundo<br />Nem sequer uma prova de seus dias…<br />Bem poucos de prazer, de dor bastantes!<br /><br />Queimem-se todos, queimem-se esses versos,<br />Desta alma parte, que escrevi mil vezes<br />Com pranto amargo deslizando em bagas.<br />Eia, coragem!<br /><br />(Lança ao fogo alguns manuscritos e vai buscar os Lusíadas)<br /><br />ANTÓNIO (Jau)<br /><br />Os Lusíadas nunca!<br />Por quem sois, suspendei! sou que o peço:<br />Que não se queima assim num só momento<br />Dum poeta imortal a rica c’roa,<br />E o mais nobre brasão dum povo inteiro.<br /><br />Oh!vou salvá-los.<br /><br />Breve, Jau contribuiu para que fossem salvos os manuscritos de Camões, neste caso os Lusíadas, que noutros relatos constam como tendo sido igualmente salvos por Camões após um naufrágio no qual terá falecido Dinamene.<br /><br />Camões pelo que escreveu teve e tem direito a estátuas, referências literárias e históricas constantes, enfim...Jau ganhou o direito a um nome de Rua em Lisboa, talvez mais, permito-me pensar, por uma questão de alicerçar materialmente a miséria do vate. Ainda aqui Jau se liberta da morte não se libertando de Camões. Tão escravo é memorialmente hoje como o foi durante a sua vida.<br /><br />Sobre Dinamene existe referência escrita, aliás existem várias, mas dois sonetos referem expressamente o nome Dinamene:<br /><br />Ah! minha Dinamene! Assim deixaste<br /><br />Ah! minha Dinamene! Assim deixaste<br />Quem não deixara nunca de querer-te!<br />Ah! Ninfa minha, já não posso ver-te,<br />Tão asinha esta vida desprezaste!<br /><br />Como já pera sempre te apartaste<br />De quem tão longe estava de perder-te?<br />Puderam estas ondas defender-te<br />Que não visses quem tanto magoaste?<br /><br />Nem falar-te somente a dura Morte<br />Me deixou, que tão cedo o negro manto<br />Em teus olhos deitado consentiste!<br /><br />Oh mar! oh céu! oh minha escura sorte!<br />Que pena sentirei que valha tanto,<br />Que inda tenha por pouco viver triste?<br /><br />E este onde o nome aparece recortado por força da métrica:<br /><br />Quando de minhas mágoas<br /><br />Quando de minhas mágoas a comprida<br />Maginação os olhos me adormece,<br />Em sonhos aquela alma me aparece<br />Que pera mim foi sonho nesta vida.<br /><br />Lá numa saudade, onde estendida<br />A vista pelo campo desfalece,<br />Corro pera ela; e ela então parece<br />Que mais de mim se alonga, compelida.<br /><br />Brado: - Não me fujais, sombra benina!<br />Ela, os olhos em mim c'um brando pejo,<br />Como quem diz que já não pode ser,<br /><br />Torna a fugir-me; e eu gritando: - Dina...<br />Antes que diga: - mene, acordo, e vejo<br />Que nem um breve engano posso ter.<br /><br />E há ainda um outro que se diz referir-se a Dinamene, talvez o mais conhecido e repetido e estudado:<br /><br />AlmA minha gentil, que te partiste<br /><br />Alma minha gentil, que te partiste <br />Tão cedo desta vida descontente, <br />Repousa lá no Céu eternamente, <br />E viva eu cá na terra sempre triste.<br /><br />Se lá no assento etéreo, onde subiste, <br />Memória desta vida se consente, <br />Não te esqueças daquele amor ardente <br />Que já nos olhos meus tão puro viste.<br /><br />E se vires que pode merecer-te <br />Alguma cousa a dor que me ficou <br />Da mágoa, sem remédio, de perder-te,<br /><br />Roga a Deus, que teus anos encurtou, <br />Que tão cedo de cá me leve a ver-te, <br />Quão cedo de meus olhos te levou.<br /><br />Existem muito mais referências a amores idos em Camões mas alguns são de atribuição duvidosa a Dinamene, porque se podem muito bem referir aos seus alegados amores a Dona Catarina de Ataíde ou à Infanta D. Maria, irmã do Rei D. João III.<br /><br />Como resumo temos neste pequeno esboço Camões, Jau, Dinamene, Dona Catarina de Ataíde e a Infanta D. Maria como entidades ligadas memorialmente à memória de Camões, sendo que Jau, Dona Catarina de Ataíde e D. Maria, irmã do Rei D. João III, por ele não são referidos de forma explícita e Jau, seguramente está ausente da poética de Camões.<br /><br />E todos eles, com referência explícita ou sem ela, assim se libertaram da Lei da morte.</b></div>
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<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgXExomq8jejqD5swwFtvgr4eOVlYTWj3Ws9fndZQaXwfLx8QiKEj66MUntUsP_e2INgThvE4QiELKYxvDCD7OL968SwPpDKz6NuQpD03YGZ4dzy8shJFFT9GRAMbkQsLQKFvTWOsdtmrQn/s1600/bm-image-736586.jpeg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgXExomq8jejqD5swwFtvgr4eOVlYTWj3Ws9fndZQaXwfLx8QiKEj66MUntUsP_e2INgThvE4QiELKYxvDCD7OL968SwPpDKz6NuQpD03YGZ4dzy8shJFFT9GRAMbkQsLQKFvTWOsdtmrQn/s1600/bm-image-736586.jpeg" height="300" width="400" /></a></div>
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<br /></div>
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<br /></div>
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<b></b></div>
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<b></b></div>
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<b><br /></b></div>
Daniel Teixeirahttp://www.blogger.com/profile/02895025907829007517noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4984103550764103419.post-73206018583802731302015-03-14T11:25:00.000-07:002015-03-14T11:25:40.909-07:00A senhora Joaquina <div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEifA-Sm5XS8i_J8rYopH2swio5WBkVBzgGmPLA006LxiA1fFGzteEO-0DqVzV_uoT2M52HyCB_Dya7YQwxnwkkoFKyyGtg_pecvCadUVBVHFsQStXfUox977e_ttqnDNKTa4rQ0ADaLbRGk/s1600/eumini.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEifA-Sm5XS8i_J8rYopH2swio5WBkVBzgGmPLA006LxiA1fFGzteEO-0DqVzV_uoT2M52HyCB_Dya7YQwxnwkkoFKyyGtg_pecvCadUVBVHFsQStXfUox977e_ttqnDNKTa4rQ0ADaLbRGk/s1600/eumini.jpg" /></a></div>
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<br /></div>
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<b>A senhora Joaquina <br /><br />Tinha este nome, Joaquina...enfim, eu acho que era assim o seu nome, mesmo que agora isso não seja assim tão importante. Faleceu há bastantes anos, tinha eu talvez uns catorze ou quinze anos. Mas conheci-a a ela praticamente desde que me conheci a mim.<br /><br />Sempre a vi e ainda hoje a vejo com duas malas que sempre pensei serem muito pesadas. Calcorreava a cidade de Faro vinda de uma aldeia próxima. Estivemos lá uma vez, a visitá-la. Fomos, eu, a minha mãe e o meu irmão que na altura era o mais novo, de camioneta. O outro, o que nasceu alguns anos depois não deve ter conhecido a senhora Joaquina como eu a conheci. Acho mesmo que nenhum deles conheceu da vida dela aquilo que eu conheci.<br /><br />Vivia numa casa térrea, rodeada por uma cerca e no terreno havia árvores de fruto. Lembro-me bem das ameixas mas havia também laranjeiras, amendoeiras e duas ou três alfarrobeiras e ainda amoras... sempre reparei nestas coisas, nas árvores plantadas.<br /><br />Nesse tempo não sabia, penso que não sabia como sei hoje porque gostava tanto das árvores mas agora penso que talvez seja porque dão uma ideia de continuidade nas vidas. A senhora Joaquina faleceu e as árvores lá ficaram e ainda lá florescem e dão frutos todos os anos, penso eu. De qualquer forma é assim que eu vejo hoje aquela sua casa e as suas árvores. Já lá estavam quando ela nasceu, isso eu sei porque ela me disse e ficarão para sempre na imagem que tenho da sua casa.<br /><br />Vendia roupas, a senhora Joaquina. Enviuvara, talvez nos tempos da pneumónica, isso nunca perguntei, não tinha filhos nem propriedade que lhe bastasse e vendia roupas. <br /><br />Naquele tempo não havia muita coisa que se pudesse vender assim de porta em porta. Era sobretudo roupa interior que ela vendia, meias de lã e algum tecido para costurar, botões, agulhas: do tecido trazia as amostras e na volta seguinte entregava.<br /><br />Era uma senhora muito alegre, sempre bem disposta e vendia também umas rifas que davam cem escudos da roupa que ela vendia a quem saísse o número premiado. Era muito amiga da minha mãe, talvez porque fossem as duas camponesas, ainda que nascidas e criadas a muitos quilómetros de distância, mas acho que o pessoal do campo é igual em todo o lado e isso sabe-se logo: a amizade e a cumplicidade já lá estão antes das pessoas se conhecerem bem. É assim mesmo.<br /><br />Talvez por isso a minha mãe foi provavelmente a única a saber que ela nem ligava aos números da lotaria para dar os prémios de cem escudos em roupa. Umas vezes dava a uma senhora, outras vezes dava a outra, outras vezes dava à minha mãe...e outras ficava para ela: quando lhe perguntavam a quem tinha saído respondia que tinha sido a uma senhora do Alto Rodes, outras vezes uma senhora do Pé da Cruz, enfim...para os outros era sempre indeterminada a ganhadora. Ela mesma, muitas vezes.<br /><br />Como disse era uma pessoa muito alegre, as gargalhadas soavam desde que chegava até que partia de nossa casa carregando as duas malas. Às vezes comia mesmo ali na nossa casa: trazia uma marmita com comida do campo que a minha mãe aquecia e era mesmo uma pena vê-la partir depois...era mesmo uma alegria de pessoa.<br /><br />Depois, bem, depois teve um azar, só se pode dizer disso ter sido um azar... Segundo ela estava um fim de semana a fazer a limpeza da casa e tinha lá uma arca com roupas do falecido que foi escolhendo e metendo numa fogueira que fez no quintal da cerca. Aquilo que achava que já não serviria para nada e estava ali a ocupar espaço, a apodrecer e já não lhe trazia recordação nenhuma.<br /><br />Esqueceu-se, disse depois ela passado mais de um mês sem nos visitar, que tinha guardado todo o seu dinheiro, todas as notas amealhadas no meio dessas roupas. Quando se lembrou já era tarde. Todo o dinheiro acarinhado ao longo de anos, carregando as duas pesadas malas pela cidade de Faro, percorrendo quilómetros e mais quilómetros tinha ardido.<br /><br />Envenenou-se, teve uma quebra e a alegre senhora Joaquina envenenou-se. Os vizinhos ainda acorreram a tempo depois de terem ouvido os gritos dela e levaram-na ao hospital. Esteve lá cerca de um mês e recomeçou a sua vida e foi só quando ela nos foi visitar que soubemos do sucedido.<br /><br />Mas já não era a senhora Joaquina que eu tinha conhecido: encolhida numa cadeira na nossa cozinha, pequenina e triste, beberricava uma gemada com cerveja preta que a minha mãe lhe tinha feito: Precisa de ganhar forças, senhora Joaquina, precisa de ganhar forças, dizia-lhe a minha mãe. E por ali ficaram conversando um bom bocado.<br /><br />Quando se foi embora tive a certeza que nunca mais veria a senhora Joaquina tal como a tinha visto até aquela altura. Há pessoas que morrem antes de morrer e a senhora Joaquina morreu quando perdeu o resultado de todo o seu esforço de tantos anos de trabalho e eu disse-lhe um adeus sem querer mostrar o desgosto que me ia na alma.<br /><br />Pobre senhora Joaquina: o sobrinho roubou-lhe todas as economias e foi para o Canadá. Ela não quis fazer queixa nem disse a mais ninguém porque ele era do seu sangue e este envenenou-lhe o sangue dela para sempre.<br /><br />Daniel Teixeira</b></div>
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<br /></div>
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<br /></div>
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<br /></div>
Daniel Teixeirahttp://www.blogger.com/profile/02895025907829007517noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4984103550764103419.post-40884508120357907472015-02-21T15:10:00.001-08:002015-02-21T15:21:48.418-08:00Romance acabado - Conto de Daniel Teixeira<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEifA-Sm5XS8i_J8rYopH2swio5WBkVBzgGmPLA006LxiA1fFGzteEO-0DqVzV_uoT2M52HyCB_Dya7YQwxnwkkoFKyyGtg_pecvCadUVBVHFsQStXfUox977e_ttqnDNKTa4rQ0ADaLbRGk/s1600/eumini.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEifA-Sm5XS8i_J8rYopH2swio5WBkVBzgGmPLA006LxiA1fFGzteEO-0DqVzV_uoT2M52HyCB_Dya7YQwxnwkkoFKyyGtg_pecvCadUVBVHFsQStXfUox977e_ttqnDNKTa4rQ0ADaLbRGk/s1600/eumini.jpg" /></a></div>
<div style="color: #141823; font-family: Helvetica,Arial,"lucida grande",tahoma,verdana,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 0px 0px 6px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; word-spacing: 0px;">
<br /></div>
<div style="color: #141823; font-family: Helvetica,Arial,"lucida grande",tahoma,verdana,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 0px 0px 6px; text-align: center; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; word-spacing: 0px;">
<b>Romance acabado</b></div>
<div style="color: #141823; font-family: Helvetica,Arial,"lucida grande",tahoma,verdana,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 0px 0px 6px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; word-spacing: 0px;">
<br /></div>
<div style="color: #141823; font-family: Helvetica,Arial,"lucida grande",tahoma,verdana,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 0px 0px 6px; text-align: center; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; word-spacing: 0px;">
<b>Conto de Daniel Teixeira</b></div>
<div style="color: #141823; font-family: Helvetica,Arial,"lucida grande",tahoma,verdana,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 0px 0px 6px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; word-spacing: 0px;">
</div>
<div style="color: #141823; font-family: Helvetica,Arial,"lucida grande",tahoma,verdana,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; word-spacing: 0px;">
<br />
<br />
<b>Eu tinha os condimentos todos na minha história, ou pensava que tinha, mas talvez eu tivesse exagerado na complexidade de dar volta ao romance e construir as páginas necessárias para que a obra ficasse satisfatoriamente aceitável.</b></div>
<div style="color: #141823; font-family: Helvetica,Arial,"lucida grande",tahoma,verdana,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; word-spacing: 0px;">
<br /></div>
<div style="color: #141823; font-family: Helvetica,Arial,"lucida grande",tahoma,verdana,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; word-spacing: 0px;">
<b>Havia várias fontes de inspiração mas eram fontes ao nível superficial porque é praticamente impossível fugir às nossas referências literárias e o processo da minha personagem era bem diferente de tudo aquilo que seria pensável coadunando-se bastante com a minha anterior experiência de crítico literário.</b></div>
<div style="color: #141823; font-family: Helvetica,Arial,"lucida grande",tahoma,verdana,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; word-spacing: 0px;">
<br /></div>
<div style="color: #141823; font-family: Helvetica,Arial,"lucida grande",tahoma,verdana,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; word-spacing: 0px;">
<b>Tratava este meu romance que acabou por não o ser do relacionamento entre o escritor e o público e a crítica também, embora esta última fosse referida de uma forma mais subtil.</b></div>
<div style="color: #141823; font-family: Helvetica,Arial,"lucida grande",tahoma,verdana,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; word-spacing: 0px;">
<br /></div>
<div style="color: #141823; font-family: Helvetica,Arial,"lucida grande",tahoma,verdana,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; word-spacing: 0px;">
<b>O meu personagem era suficientemente inteligente para saber que podia dispensar alguns leitores, ou mesmo muitos, mas que estaria liquidado como escritor caso afrontasse a crítica de uma forma demasiado directa, de nada lhe valendo os numerosos prémios até ali acumulados. Seria irremediavelmente votado ao olvido, ostracizado.</b></div>
<div style="color: #141823; font-family: Helvetica,Arial,"lucida grande",tahoma,verdana,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; word-spacing: 0px;">
<br /></div>
<div style="color: #141823; font-family: Helvetica,Arial,"lucida grande",tahoma,verdana,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; word-spacing: 0px;">
<b>A crítica que o tinha elogiado e continuava a elogiá-lo nunca o deitaria abaixo senão pelo olvido depois de o ter subido, isso sabe-se, eu sei como as coisas funcionam : poderiam aqueles que se tinham mantido mais discretos no seu apoio começar por meter uma ou outra opinião menos favorável, progressivamente, mas esse processo levaria muito tempo ou não seria nunca mesmo completado. Ele nunca seria reduzido a zero.</b></div>
<div style="color: #141823; font-family: Helvetica,Arial,"lucida grande",tahoma,verdana,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; word-spacing: 0px;">
<br /></div>
<div style="color: #141823; font-family: Helvetica,Arial,"lucida grande",tahoma,verdana,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; word-spacing: 0px;">
<b>Para além disso, deste cuidadoso aspecto do seu relacionamento com a crítica e no outro campo onde se sentia sem peias, nas conferências, notava ele pela leitura das expressões das pessoas que uma parte grande do seu público então presente considerava que aqueles mitos, os mitos que ele criara, aqueles que ele pretendia desfazer mais não eram que manifestações da sua excentricidade.</b></div>
<div style="color: #141823; font-family: Helvetica,Arial,"lucida grande",tahoma,verdana,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; word-spacing: 0px;">
<br /></div>
<div style="color: #141823; font-family: Helvetica,Arial,"lucida grande",tahoma,verdana,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; word-spacing: 0px;">
<b>Na verdade que coisa mais fácil de apreender pela grande massa, mesmo aquela que era muito, mas mesmo muito culta que todo ele era excentricidade?</b></div>
<div style="color: #141823; font-family: Helvetica,Arial,"lucida grande",tahoma,verdana,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; word-spacing: 0px;">
<br /></div>
<div style="color: #141823; font-family: Helvetica,Arial,"lucida grande",tahoma,verdana,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; word-spacing: 0px;">
<b>Vestia-se quase como um mendigo, o cabelo encrespado parecia não ter sido regado havia dias ou mesmo semanas, o blusão surrado acumulava gordura no colarinho e nas mangas, a barba crescia-lhe desordenada e a sua forma de se expressar era extremamente difícil de ser entendida: entrava num caminho de discurso para logo se perder nas encruzilhadas e depois nas curvas e mais tarde regressava, passado tempo ao ponto de partida. Mas era bom a escrever, confuso, mas bom.</b></div>
<div style="color: #141823; font-family: Helvetica,Arial,"lucida grande",tahoma,verdana,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; word-spacing: 0px;">
<br /></div>
<div style="color: #141823; font-family: Helvetica,Arial,"lucida grande",tahoma,verdana,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; word-spacing: 0px;">
<b>Assim, havia alguns planos que podiam muito bem ser considerados quase paranóicos no comportamento do meu personagem sobretudo quando se entendia - quando se entendia - o fio daquilo que ele dizia e que afinal era claro e simples para ele e para muita gente que o quisesse entender.</b></div>
<div style="color: #141823; font-family: Helvetica,Arial,"lucida grande",tahoma,verdana,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; word-spacing: 0px;">
<br /></div>
<div style="color: #141823; font-family: Helvetica,Arial,"lucida grande",tahoma,verdana,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; word-spacing: 0px;">
<b>Mas, acho que as pessoas não o queriam mesmo entender quando ele falava: tinham criado dele uma imagem, tinham incorporado aquilo que ele escrevia na sua imagem dele e a razão da sua grande frustração devia-se não a ele mas sim aos outros que tinham de alguma forma feito daquilo que ele era aquilo que sempre pensaram e iam pensando dele sempre na mesma linha de construção.</b></div>
<div style="color: #141823; font-family: Helvetica,Arial,"lucida grande",tahoma,verdana,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; word-spacing: 0px;">
<br /></div>
<div style="color: #141823; font-family: Helvetica,Arial,"lucida grande",tahoma,verdana,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; word-spacing: 0px;">
<b>Não havia mesmo nada a fazer, dizia eu mesmo ao meu personagem, porque eu dialogava com ele, procurava encontrar-lhe uma saída que lhe fosse satisfatória, que o levasse a permitir-me ao fim de umas duas centenas de páginas escrever finalmente a palavra «fim».</b></div>
<div style="color: #141823; font-family: Helvetica,Arial,"lucida grande",tahoma,verdana,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; word-spacing: 0px;">
<br /></div>
<div style="color: #141823; font-family: Helvetica,Arial,"lucida grande",tahoma,verdana,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; word-spacing: 0px;">
<b>Ele chegara à conclusão que as pessoas não o liam tal como ele escrevia, quer dizer, que as pessoas davam um sentido diferente quer às suas palavras quer aos seus temas e ao percorrer quase o mundo em conferências tentou sempre explicar que não era aquilo que as pessoas pensavam o que ele queria dizer, porque essas mesmas pessoas faziam a identificação dos seus textos com ele mesmo e faziam as suas palavras, entendidas nesta perspectiva, como se fossem guias ou referenciais do seu comportamento real e ao tomá-lo como ídolo pensavam que a sua ligação comportamental pessoal era a ideal, aquela que deviam seguir.</b></div>
<div style="color: #141823; font-family: Helvetica,Arial,"lucida grande",tahoma,verdana,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; word-spacing: 0px;">
<br /></div>
<div style="color: #141823; font-family: Helvetica,Arial,"lucida grande",tahoma,verdana,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; word-spacing: 0px;">
<b>Ora, de nada disso se tratava, repetia ele, uma vez e dezenas ou mesmo centenas de vezes quer em conversas particulares, quer em escritos, quer nas inúmeras conferências para as quais era convidado. A sua ideia - dizia ele - era a de criar nos seus leitores uma repulsa tão forte àquilo que os seus personagens representavam ou faziam que fizesse surgir neles, leitores, o desejo de uma moral e de um comportamento inverso.</b></div>
<div style="color: #141823; font-family: Helvetica,Arial,"lucida grande",tahoma,verdana,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; word-spacing: 0px;">
<br /></div>
<div style="color: #141823; font-family: Helvetica,Arial,"lucida grande",tahoma,verdana,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; word-spacing: 0px;">
<b>E era dramática a situação dele, tentando combater moinhos que existiam de facto mas que não eram susceptíveis de lhe proporcionar nem sequer uma ilusória vitória.Tentei convencê-lo a suicidar-se, coisa que teria parecido uma coisa assim quase normal para quem trabalha na escrita a tal nível de complexidade e abstracção e que tem grande tradição na literatura e nas artes mas ele não aceitou a ideia o que me alegrou ao fim e ao cabo.</b></div>
<div style="color: #141823; font-family: Helvetica,Arial,"lucida grande",tahoma,verdana,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; word-spacing: 0px;">
<br /></div>
<div style="color: #141823; font-family: Helvetica,Arial,"lucida grande",tahoma,verdana,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; word-spacing: 0px;">
<b>Para mim nada mais eficaz, nestes casos do que uma morte acidental, uma coisa que possa acontecer a qualquer um, uma doença em limite, enfim, uma morte normal se é que a morte é alguma vez uma coisa normal.</b></div>
<div style="color: #141823; font-family: Helvetica,Arial,"lucida grande",tahoma,verdana,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; word-spacing: 0px;">
<br /></div>
<div style="color: #141823; font-family: Helvetica,Arial,"lucida grande",tahoma,verdana,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; word-spacing: 0px;">
<b>Mas tanto ele como eu tivemos receio que isso acabasse por funcionar como um incentivo maior à sua leitura, porque escritor morto tem mais sucesso. Havia a possibilidade, sempre tão seguida na literatura de o mandar para um sítio qualquer inopinado, uma reclusão num desconhecido local mas isso não resolvia nem o meu nem o problema dele.</b></div>
<div style="color: #141823; font-family: Helvetica,Arial,"lucida grande",tahoma,verdana,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; word-spacing: 0px;">
<br /></div>
<div style="color: #141823; font-family: Helvetica,Arial,"lucida grande",tahoma,verdana,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; word-spacing: 0px;">
<b>Continuariam, os seus leitores à espera que ele voltasse e eu não conseguiria gerir a sua ausência de forma a meter o tão desejado termo «fim» no meu romance.</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="color: #141823; display: inline; font-family: Helvetica,Arial,"lucida grande",tahoma,verdana,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px 0px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; word-spacing: 0px;">
<b>Que posso eu dizer mais? Nada mais tenho a acrescentar senão pedir desculpas por não ter escrito este romance. E daí, desculpa porquê ? Talvez este meu romance nem fosse lido senão por mim...bem talvez também o lesse a pessoa que fizesse a correcção e o ordenamento na editora, mas essa não conta.</b></div>
<div style="color: #141823; display: inline; font-family: Helvetica,Arial,"lucida grande",tahoma,verdana,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px 0px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; word-spacing: 0px;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="color: #141823; display: inline; font-family: Helvetica,Arial,"lucida grande",tahoma,verdana,arial,sans-serif; font-size: 14px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: 15.456px; margin: 6px 0px 0px; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; word-spacing: 0px;">
<br /></div>
Daniel Teixeirahttp://www.blogger.com/profile/02895025907829007517noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4984103550764103419.post-52109928899865967892014-12-05T06:48:00.001-08:002014-12-05T06:48:47.164-08:00Um leve sonho pesado - Conto de Daniel Teixeira<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEifA-Sm5XS8i_J8rYopH2swio5WBkVBzgGmPLA006LxiA1fFGzteEO-0DqVzV_uoT2M52HyCB_Dya7YQwxnwkkoFKyyGtg_pecvCadUVBVHFsQStXfUox977e_ttqnDNKTa4rQ0ADaLbRGk/s1600/eumini.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEifA-Sm5XS8i_J8rYopH2swio5WBkVBzgGmPLA006LxiA1fFGzteEO-0DqVzV_uoT2M52HyCB_Dya7YQwxnwkkoFKyyGtg_pecvCadUVBVHFsQStXfUox977e_ttqnDNKTa4rQ0ADaLbRGk/s1600/eumini.jpg" /></a></div>
<div style="text-align: center;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Um leve sonho pesado - Conto de Daniel Teixeira</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Lembro-me, lembro-me sempre - e mais ainda me lembro disso de cada vez que conto esta história - que as pessoas dividem os sonhos em sonhos que são sonhos e em pesadelos. Está combinado que seja assim, a sociedade, os homens, o hábito, combinaram isto tudo desta forma mas todos sabemos que um e outro são sonhos, um que se considera bom ou agradável, e que </b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>se chama de sonho e o sonho pesado, que se considera como sendo um pesadelo.</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Não existe, contudo, que eu saiba, saída para o pesadelo senão o acordar abrupto. Ora neste sonho que eu tive e que tem uma parte grande de pesadelo, eu não acordei, no pesadelo. Houve o cuidado inconsciente, é claro, de me libertar dele, de adoçar o seu final transformando o pesadelo em sonho tal como se entende ser o sonho. </b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Foi um trabalho árduo da minha mente, para o qual eu não terei </b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>contribuído como é certo e para o qual ela, a minha mente dentro do meu eu consciente adormecido arranjou uma solução ou um seguimento narrativo quase coerente, passe o surrealismo próprio das coisas que são sonhadas.</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Por isso, hoje, ao escrever aqui aquilo que foi este meu sonho, entre tantos que tenho tido, deixo à minha mente liberta do consciente as minhas mais sinceras homenagens. Ela merece! </b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Quanto ao sonho...nele, dentro dele,primeiro havia um grande pássaro, um pássaro enorme, de asas negras e peito acinzentado que rodava, rodava e rodava à minha volta como se estivesse preso num mastro pelas pernas, fazendo círculos quase perfeitos e largando pios profundos, que me soavam como gritos de criança e que pareciam começar nas suas entranhas, como se fossem expirados por um sopro ainda maior que elas. Era, o piar, maior que os pulmões donde advinha, foi o que pensei.</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Um Haiaiaiai! prolongado que durava minutos, muitos minutos, ou então era impressão minha, e acabava num som rouco, como se o ar sorvido antes se não tivesse ainda esgotado dentro do peito do pássaro grande. Assim mesmo. E era um roncar em cordas agudas, forte, ensurdecedor, como se os ruídos da própria terra e o ar à sua volta nada fossem comparados com ele, com o gritado pelo pássaro negro.</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Depois havia um índio que era um índio com uma só pena presa tombada da cabeça por uma fita que parecia de couro, pintada com uma enormidade de cores em pequenos quadrados e um rosto que parecia cavado na pedra, sem expressão, de olhos fechados e cabeça tombada, cantando e rezando, como se estivesse a invocar aquela terra muito vermelho acastanhada, seca, batida pelo sol que passava pelos meus olhos à frente e atrás das asas do enorme pássaro.</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Durou tudo muito tempo, não sei bem quanto tempo demorou até que o animal, que estava preso no seu circulo de voo, parecendo estar preso pelas pernas, começou a alargar os círculos que fazia, como se o elástico do seu arco se fosse esticando e sempre gritando passou rente a mim uma vez e outra vez e por fim lá partiu em direcção ao sol que se encostava já ao longe numa montanha.</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Eu tinha os meus olhos protegidos com os braços e a partir de certa </b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>altura preferi não olhar para o pássaro e cruzava ainda com mais força os dedos, entrelaçando-os junto aos olhos, como se isso para mim fosse a esperança, aquilo que me restava, a melhor arma que o meu medo arranjara: não ver para evitar sofrer.</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Eram dois mundos, duas realidades ao mesmo tempo contando como se fossem tempos diferentes e a minha recolhia-se por tempo infindo e abria-se por segundos, apenas pelo tempo suficiente para eu ver o pássaro, a sua sombra e o índio e a terra onde eu estava deitado.</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>E o índio lá continuava sempre, de pernas dobradas junto ao solo, de quando em vez fazendo pequenos movimentos como se procurasse assentar melhor as pernas dobradas a cada voo e a cada passagem do pássaro. Mas não saía praticamente do mesmo lugar, estava sempre ali, esteve sempre ali mesmo depois que o pássaro partiu. </b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Procurava precaver-se do seu regresso, do regresso do pássaro enorme, de asas negras e peito acinzentado, pensei eu, tal como se tinha protegido do voo do pássaro enquanto ele durara, cantando e rezando sempre numa lenga lenga da qual eu não entendia nem o começo nem o fim.</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Havia várias lendas sobre aqueles pássaros, tinham-mas contado na aldeia e todas elas apontavam para a destruição certa de quem fosse cercado pelo «bicho negro». Que havia olhos arrancados primeiro, braços decepados e por fim o pouso triunfal do animal sobre o peito da sua vítima arrancando com o seu enorme bico a carne do peito, ficando apenas o esqueleto e o coração.</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Este órgão, o coração, segundo as lendas que eu tinha ouvido na aldeia, ficava palpitando e se alguém chegasse após a partida do bicho e o arrancasse e o metesse numa ânfora de barro meio cheia de sangue de cabra - tinha de ser de cabra, o sangue, segundo as lendas - ficava vivo para sempre, latejando baixinho, tão levemente que só quem olhasse atentamente podia ver. Mas lá estaria ele, a mexer, sorvendo o sangue de cabra a expelindo-o de novo para a ânfora num compasso quase imperceptível.</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Eu não conhecia o índio, não conhecia nem acreditava no pássaro, nem acreditava na imortalidade do tal coração deixado intacto pelas bicadas do pássaro negro. Era uma lenda, nada mais que isso, não significava nada. Agora penso que foi talvez por eu não acreditar, por eu não crer, que tive aquele sonho. Talvez tenha sido por isso mesmo... </b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Então apareceu uma jovem, era mesmo uma jovem, uma jovem que não constava da lenda que me tinha sido contada e que dificilmente</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>encaixaria no episódio do voo do pássaro negro com peito acinzentado, nem sequer o velho com face petrificada que rezava ainda.</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Mas fazia parte da história, a jovem e fazia parte da história o índio </b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>cantante da pena solitária na cabeça mesmo que não fizessem parte das lendas que tinha ouvido na aldeia. As lendas não contam nunca tudo, nunca se debruçam sobre os detalhes e no emaranhado das suas versões há sempre uma especial apetência pelo realce do horrível, pelo realce da provação. </b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>A jovem agarrou-me na mão esquerda que tal como a direita tapavam ainda os meus olhos receosos, fez um pouco de força para me erguer, sorriu e levantando os braços finos começou a içar-me, primeiro pondo-me de pé e depois elevando-me num voo que eu não entendia como podia ter lugar uma vez que ela não tinha asas. Talvez fosse um anjo e talvez nos sonhos os anjos não tenham asas, não sei, mas foi assim mesmo como conto que tudo se passou. </b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Fez-me sobrevoar uma montanha, depois outra e ainda outra e depois, entre duas montanhas, e sobre um vale verdejante que contrastava com o vermelho acastanhado do resto que nos rodeava, deixou-me a mão e eu senti que também podia voar.</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Estava aterrorizado embora voasse livremente sobre o vale verdejante, tinha medo que o impulso acabasse, que eu viesse a cair a pique da altura em que encontrava mas nada disso aconteceu e pousei os pés no solo, num espaço livre de arbustos. </b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>A jovem ficou lá pelo ar olhando-me e depois foi partindo na mesma </b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>direcção que tinha tomado o pássaro negro de peito acinzentado, lá onde o sol se punha, e foi-se fazendo cada vez mais pequena até que a perdi de vista.</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Belisquei-me, não era sonho, tinha sido assim mesmo, era assim mesmo, tudo tinha sido real, desde o pássaro negro até ao índio cantante e à jovem que voava e eu que voara. E ali estava eu no meio do nada, verdejante, é certo, mas sem ter noção do caminho a seguir para regressar a casa.</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Consegui divisar uma estrada logo ali no cimo do vale, uma estrada que era estrada para mim porque via nela passarem os topos de carros e camiões. Estava zonzo, mesmo zonzo, não percebia o que se passava, o que se tinha passado, não sabia nada e em certo sentido não queria saber. </b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Só queria sair dali, abandonar aquele lugar, aquele sonho que não era bem um sonho, ou que talvez fosse, queria sair daquele mundo tão surreal, daquele mundo onde tanta coisa tinha acontecido em tão pouco do tempo de toda a minha vida.</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Na estrada houve um carro que parou ao pé de mim com alguma chiadeira de pneus. A estrada era longa e direita e convidava à velocidade. O senhor que conduzia o carro abriu-me a porta sem uma palavra mas nada disso era para mim importante. Queria sair dali e saí.</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Daniel Teixeira</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
Daniel Teixeirahttp://www.blogger.com/profile/02895025907829007517noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4984103550764103419.post-17063641471821996502014-12-05T06:45:00.002-08:002014-12-05T06:45:59.130-08:00O João e a Filó - Conto de Daniel Teixeira<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEifA-Sm5XS8i_J8rYopH2swio5WBkVBzgGmPLA006LxiA1fFGzteEO-0DqVzV_uoT2M52HyCB_Dya7YQwxnwkkoFKyyGtg_pecvCadUVBVHFsQStXfUox977e_ttqnDNKTa4rQ0ADaLbRGk/s1600/eumini.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEifA-Sm5XS8i_J8rYopH2swio5WBkVBzgGmPLA006LxiA1fFGzteEO-0DqVzV_uoT2M52HyCB_Dya7YQwxnwkkoFKyyGtg_pecvCadUVBVHFsQStXfUox977e_ttqnDNKTa4rQ0ADaLbRGk/s1600/eumini.jpg" /></a></div>
<div style="text-align: center;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>O João e a Filó - </b><b>Conto de Daniel Teixeira</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Os dentes dele batiam de uma forma que o assustava, mas era sempre assim. Não era porque estivesse muito frio, de facto a sala estava sempre bem aquecida, naquela temperatura ideal para um dia de inverno, tinha-o sentido quando se despira e quando a enfermeira abrindo a porta um pouco, sem olhar muito para ele, lhe tinha perguntado se já estava despido. </b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Sim, estava! Disse com uma resposta rápida, como se tivesse receio que ela entrasse mesmo e visse o seu corpo, um pouco magro, mas de qualquer forma não excessivamente magro para a sua idade jovem. </b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Tenho de comer mais dizia muitas vezes mas o apetite faltava-lhe e agora estava ali, numa consulta, porque a sua mãe tinha dito ao médico que não compreendia porque é que ele estava naquele estado como se o estado dele fosse alguma coisa de grave. </b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Fui sempre assim, dizia ele tantas vezes à mãe, e ao pai que também lhe ralhava e que achava que havia coisas que ele não devia fazer porque era demasiado fraco. Deixa que eu levo – dizia-lhe o pai quando se tratava de carregar algo mais pesado na loja, pronunciando este deixa que eu levo como se ele fosse um inútil ou estivesse num processo pronunciado de decadência, ele que tinha quinze anos, mal feitos. </b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>O médico dissera que não devia ser nada mas que era melhor ver acrescentando um misterioso nunca se sabe…nunca se sabe como (?) ele não era Médico (?) deveria saber pois então (!!)…mas não sabia e tinha-o mandado tirar uma radiografia aos pulmões, outra radiografia, mais uma radiografia, que raio de coisa, dizia para si mesmo: eu não estou doente nada, só não tenho tanta fome assim e faria uma vida normal se não fosse a mãe estar sempre com o come rapaz ou o pai com aquelas tiradas parvas do deixa que eu levo até nos embrulhos pequenos porque estavam carregados de ferragens e isso era muito pesado para mim, pelo menos era o que o pai dizia.</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Depois havia o se não vais à tropa não tens moça que te queira, elas fogem todas de ti não sabia bem porquê, mas se calhar as moças só casavam com moços que tivessem ido à tropa, ora bolas, ele que até estava desejando não andar com aquela farda verdosa, horrível, como via nos seus primos, e aquela boina toda mal posta que era como eles lá no exército queriam porque achavam melhor mas ele não achava e o boné dele estava sempre bem enterrado na cabeça, dava-lhe um ar de rufia, dizia para si mesmo quando se via ao espelho, daqueles rufias safos que a sabem toda. </b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Dançaste João (!?) perguntava-lhe a mãe quando ele voltava dos bailes onde a mãe o obrigava a ir e lhe dava então algum dinheiro para ele gastar com os amigos e as moças, comprar um chocolate oferecer, à filha da ti Rosa, que é uma moça bonita e depois dizia e forte como um touro fazendo-o lembrar de novo que estava magro, que comia pouco e que se queria a Filomena que era a filha da Ti Rosa tinha de comer mais senão ela não o queria e se o pai estivesse por perto acrescentava logo pois se ele não for à tropa nem a a Filó nem nenhuma outra o quer e etc. etc. se de mais se lembrasse.</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Veio a enfermeira de novo para o levar ao médico antes de fazer a radiografia, a porta era logo ali ao lado e ela puxou-o por um braço com força como se tivesse medo que ele se escapulisse. Caramba, dizia o João com os seus botões, tenho de andar neste vai vem que pareço um pássaro, levantar os braços para o médico me apalpar debaixo dos braços, dar duas ou três voltas para ele me ver o corpo todo, que raio deu a esta gente que nem sequer sabe que eu tenho vergonha de andar a mostrar o pirilau por aí e ainda com a enfermeira lá a mexer nos frascos, nas seringas de vidro, nas agulhas enormes como se estivesse ameaçando. </b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Aqui não tens nada, mas tem de comer, pá, tens de comer, vamos a ver a radiografia, ver o que ela diz, mas eu acho que não é nada só que tens de comer pá, tens de comer e lá continuou ele a lengalenga do costume, desde o chouriço até às couves, mais o tomate, mais o toucinho, mais a carne, mais o pão, mais o leite, mais o queijo e dormir bem, tens de dormir bem. </b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Ele até dormia bem, até dormia sim senhor e dormiria mais se não fosse ter de ir à Escola, andar cinco quilómetros até chegar à estrada e apanhar a camioneta que o levava para a vila onde ele e mais uns quantos andavam a acabar o 9º ano. Antes era melhor, havia 4 anos a Escola ela logo ali ao lado e vinha almoçar a casa e agora não: levava uma marmita, um bocado de pão, uma laranja ou outra fruta e à hora do almoço lá se sentavam todos numa sala onde a Contínua embirrava com ele para ele acabar a marmita, a marmita que mãe lhe arranjava, cheia de cozido, mais o pão e a fruta. </b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Bem a radiografia está bem, parece bem, disse o médico, não tens nada, só precisas de comer melhor, tens de comer melhor, para a próxima quero-te com mais cinco quilos, ouviste? Ouviste? Ouviste? </b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>E a mãe dele à espera na rua com o então que disse o doutor (?) – que da radiografia já ela sabia - que precisas de comer mais, e que te quer com mais cinco quilos na próxima vez que cá vieres, eu sabia, eu sabia, tens cinco quilos para engordar nestes meses: quando cá voltares quero que faças uma surpresa ao médico, trazes mais seis quilos, o que achas, achas que consegues? </b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Chegados a casa o pai com a tropa e com as moças que não me vão querer se eu não for à tropa e daqui a três meses a mesma história e todos os dias a mesma história deixa que eu levo o mais pesado e a Filó é muito boa moça, um brinco de rapariga e a Ti Rosa que é viúva e tem terrenos, hortas, amendoeiras, oliveiras, árvores de fruto e a Filó que é filha única e daquela fábrica já não sai mais nada porque ela é viúva. E agora vai lanchar que estiveste muito tempo sem comer.</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
Daniel Teixeirahttp://www.blogger.com/profile/02895025907829007517noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4984103550764103419.post-35882596364733467402014-11-30T06:17:00.000-08:002014-11-30T06:17:26.932-08:00O preço dos figos - Conto de Daniel Teixeira<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEifA-Sm5XS8i_J8rYopH2swio5WBkVBzgGmPLA006LxiA1fFGzteEO-0DqVzV_uoT2M52HyCB_Dya7YQwxnwkkoFKyyGtg_pecvCadUVBVHFsQStXfUox977e_ttqnDNKTa4rQ0ADaLbRGk/s1600/eumini.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEifA-Sm5XS8i_J8rYopH2swio5WBkVBzgGmPLA006LxiA1fFGzteEO-0DqVzV_uoT2M52HyCB_Dya7YQwxnwkkoFKyyGtg_pecvCadUVBVHFsQStXfUox977e_ttqnDNKTa4rQ0ADaLbRGk/s1600/eumini.jpg" /></a></div>
<div style="text-align: center;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>O preço dos figos - Conto de Daniel Teixeira</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>De calças compridas dali onde estava, eu nada percebia no seu corpo levantando-se e baixando-se sob uma figueira. De costas abaixadas aqui rente ao chão, a pessoa que eu via logo levantava o dorso mais além num emaranhado de ramos e ramagem onde despontavam pequenos pontos arroxeados. </b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Virou-se então um pouco e ainda ao longe na minha direcção e eu, incerto, penso ter divisado um volume de seios. Talvez fosse uma mulher que colhia figos e que olhava de quando em vez em redor de si e das figueiras como se estivesse receosa. E devia estar, pensei eu.</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>As figueiras que pontuavam pelo pequeno monte não eram daquela pessoa, isso eu sabia e talvez fossem - e isso eu não sabia bem - de um homem de meia idade parecendo um pouco sujo e de barba salteada que por ali cirandava de quando em vez com um feltro escuro na cabeça e um colete sobre a camisa.</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>E então a pessoa que apanhava figos deslocou-se para uma outra árvore que estava mais perto do local onde eu observava e eu então vi perfeitamente que se tratava de uma mulher de cabelo enrolado em quase carrapito e um chapéu de palha que me pareceu desfiado nos bordos que transportava duas largas cestas de verga. </b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Eu não tinha nada a ver com isso, quer dizer, nada tinha a ver com os figos e eles eram tantos ao longo das figueiras na pequena encosta que mesmo que estivessem a ser roubados pouca diferença fariam ao homem um pouco sujo do colete e do chapéu de feltro, se ele fosse mesmo o dono das árvores o que eu não sabia.</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>E a mulher aproximou-se ainda mais e eu, na sacada da minha varanda, três andares acima do solo que ela pisava, vi aproximar-se um miúdo, talvez com seis ou sete anos. Não deveria ter mais que isso, com certeza e tinha vestidos uns calções de ganga com suspensórios e disse-lhe «Mãe, dá-me um figo».</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>A mulher, talvez porque não esperasse que o miúdo ali aparecesse pareceu ficar um pouco mais assustada do que aquilo que me parecia antes e segundos depois deu-lhe um figo que o miúdo quase mastigou de uma vez. «Mãe, dá-me mais figos» disse logo em seguida o miúdo. </b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Ela então respondeu-lhe que não podia dar-lhe mais figos, que os figos eram para ela ir vender mas mesmo assim o miúdo repetiu o pedido: «Mãe, dá-me mais figos» e a mulher então colocou as mãos nos quadris e disse-lhe que com o dinheiro da venda dos figos ia comprar pão e leite e massa para ele e para os irmãos e deu fim ao pequeno discurso com um autoritário «Vai para casa».</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>O miúdo encolheu-se um pouco mais na sua pequenez, tentou fazer outra tentativa para que a mãe lhe desse mais figos, isso eu percebi pela postura dele, mas acabou por sair dali a correr e a mulher retomou então a sua tarefa, baixando-se e levantando-se sobre a farta figueira que estava três andares de prédio abaixo de mim.</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Não demorou muito que o miúdo voltasse, talvez cinco, talvez dez minutos, fazendo um pequeno ruído com os sapatos no terreno que despertou a atenção da mulher. Antes que ela tivesse oportunidade para dizer o que quer que fosse o miúdo disse-lhe então: «Mãe, vende-me figos» ao mesmo tempo que mostrava na palma da mão algumas moedas escuras.</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>O que ela então quis saber foi onde ele tinha arranjado o dinheiro e o miúdo respondeu que tinha sido o tio que estava à porta da taberna que lho dera, sem ele pedir, acrescentou, ele não pediu nada, ele simplesmente lho dera como fazia algumas vezes como a mãe sabia, foi dizendo.</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>A mulher então retirou uma mão cheia de figos de uma das cestas, com a outra mão recolheu o dinheiro e entregou então os figos, talvez meia dúzia, não mais, na concha das duas mãos do miúdo dizendo-lhe que era esse o preço dos figos, que ele fosse para casa e que se não conseguisse vender todos levaria o resto para casa, para ele e os irmãos comerem o que fez estampar um sorriso largo na face do miúdo que chamou de António.</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Não pensava ficar por ali mais tempo, eu, e não teria ficado se entretanto não tivesse reparado que o homem um pouco sujo, que usava um colete por cima da camisa e um chapéu de feltro e que eu pensava ser o dono das figueiras não tivesse assomado mais abaixo junto a um canavial que corria ao longo de um ribeiro de inverno. </b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Assobiou, ele, o homem, e ela, a mulher que apanhava figos olhou à volta e deixando as cestas de verga foi em direcção ao canavial. Talvez eu não devesse ter visto o que vi, talvez eu não devesse ter visto o resmalhar nas canas, talvez eu não devesse...Bem não devia mesmo. </b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Há coisas que não são para se ver, mas se o não tivesse feito não teria visto a mulher regressar recompondo a recomposta blusa entre as calças, não teria adivinhado como adivinhei e depois vi as lágrimas escorrendo pela face dela e não saberia que o preço dos figos, o verdadeiro preço dos figos vai por vezes muito além do valor de algumas moedas.</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Daniel Teixeira</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
Daniel Teixeirahttp://www.blogger.com/profile/02895025907829007517noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4984103550764103419.post-10913530566483549732014-11-30T06:10:00.000-08:002014-11-30T06:11:01.947-08:00O gato preto<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEifA-Sm5XS8i_J8rYopH2swio5WBkVBzgGmPLA006LxiA1fFGzteEO-0DqVzV_uoT2M52HyCB_Dya7YQwxnwkkoFKyyGtg_pecvCadUVBVHFsQStXfUox977e_ttqnDNKTa4rQ0ADaLbRGk/s1600/eumini.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEifA-Sm5XS8i_J8rYopH2swio5WBkVBzgGmPLA006LxiA1fFGzteEO-0DqVzV_uoT2M52HyCB_Dya7YQwxnwkkoFKyyGtg_pecvCadUVBVHFsQStXfUox977e_ttqnDNKTa4rQ0ADaLbRGk/s1600/eumini.jpg" /></a></div>
<div style="text-align: center;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>O gato preto</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>A Arminda vivia no décimo andar de um prédio cujo elevador se mantinha entaipado havia anos. Os condóminos, por razões que todos achavam certas, variavam nas suas objecções ao arranjo do mesmo, razões essas que me não cabe a mim desenvolver aqui. Aliás, nem moro lá - caso isso não tenha ficado subentendido até agora. </b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Apenas sou, no que à questão residencial se refere, visitante da Arminda e quando cheguei a casa dela desta vez estava não só derreado como estava irritado e sentia na pele da face agora crestada a falta do ar condicionado dos outros dias e aquela aragem pequena mas refrescante que o contínuo mandava do rés do chão rodando o botão para o lado do sinal mais por ser para mim.</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Era bom cliente, eu, naquele prédio e o porteiro sabia-o mas desta vez pareceu-me ausente não de corpo, porque ele estava lá, com a sua farda cheia de medalhas e galões à tropa, mas porque estava e não estava no seu posto.</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Ou seja, o corpo dele (e os galões e as medalhas) estavam lá plantados no sítio do costume, atrás de um balcão coberto a fórmica, mas o espírito, a alma, o sopro vital dele, aquela coisa que distingue as pessoas vivas das pessoas mortas, a respiração, o bafo, andavam nos limiares do coma, e acabei por apressar o passo no Hall. </b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Disse-me depois a Arminda que lhe tinha falecido um gato, um pretinho que frequentava o terceiro andar e que eu não devia conhecer porque ele nunca ia para as escadas mas eu disse-lhe que não senhor, que era capaz de ser aquele que eu tinha visto na última vez que lá tinha estado entre o primeiro e o segundo andar embora tivesse visto um gato preto como veria outro gato preto qualquer porque os gatos pretos são todos iguais.</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>A Arminda disse-me então que sendo assim era bem provável que eu até o tivesse visto no dia da sua morte porque ele, o porteiro, tinha encontrado o seu corpinho desfalecido precisamente na zona do rés do chão, entre as caixas vazias de uma arrecadação.</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Mas deixemos isso, disse-me ela enquanto me enchia um copo de vinho do Porto para me fazer subir a alma, disse ela, coisa que eu bem precisava, de uma alma subida depois daquela subida de dez andares e peço perdão pela redundância.</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Os processos de luto do porteiro eram assim, isso eu sabia de raspão, mas para ela, Arminda, este era mais profundo, acrescentou: ela já lhe tinha conhecido vários lutos felinos o que lhe permitia - e eu aceitava - pronunciar-se agora da forma peremptória como o fazia.</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Ele, o porteiro, tinha vários gatos, mas o que morrera agora, um dos </b><b>pretinhos, era especial como o eram todos os outros, não por ser preto, havia mais pretos, mas porque - no dizer que ele tinha dito à Arminda - era um gato que lhe tinha sido oferecido por uma pessoa que ele considerava especial e de certa forma pode dizer-se agora, sem grande dificuldade, que ele, porteiro, via talvez naquele gato um pouco daquilo que via na pessoa que lho oferecera.</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Amor (?) pela pessoa ou simplesmente um respeito respeitoso ? - </b><b>Perguntei eu à Arminda quando já ia no segundo copo de Porto. Ela não conhecia a pessoa, nem sequer sabia se era homem ou mulher e o porteiro nunca fora além daquelas singelas palavras: fora-lhe oferecido por uma pessoa de quem ele muito gostava e vocalizava um lento ponto e uma vírgula para não dar o irrespeitoso ar abrupto do ponto final.</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Quando a Arminda tentava puxar dele um pouco mais, naquela curiosidade quase natural para tentar descortinar algo mais daquilo que haveria para dentro da farda castanha, dos botões igualmente castanhos, das medalhas coloridas e dos galões dourados ele desviava a conversa dizendo que aquele gato (o agora falecido) não lhe dava nenhuns problemas praticamente desde que viera para aquele prédio.</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Tinha - dizia ele como se ela (Arminda) não soubesse - a sua caixinha próximo da janela da sacada onde fazia as suas necessidades, uma caminha em pano acolchoado com um padrão de florzinhas brancas sobre fundo azulado (o que não condizia com o gato - ciciou-me no momento a Arminda com alguma ironia) e duas tigelas também junto à janela: uma com água e outra com ração que comia parcimoniosamente. </b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Normalmente o porteiro (é melhor dizer o nome do homem agora) senhor Jorge Kovac em anteriores períodos de luto felino desinteressava-se das coisas e não valia a pena insistir com ele porque ele olhava-nos (disse ela) com os olhos vazios, abanava a cabeça como se tivesse percebido tudo mas no final não tinha percebido nada porque não conseguia perceber.</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Mas desta vez, no caso deste grato preto, o processo estava a prolongar-se no tempo e na intensidade por razões que embora se admitissem dificilmente se suportavam sobre a estreita mas sólida base do minimamente exigente profissionalismo, do brio e até do desapego que deveria haver pelas coisas pessoais durante as horas de serviço.</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>E eu que o dissesse, da falta de profissionalismo do Kovac - frisei à </b><b>Arminda - pois tinha tido a recente e dolorosa experiência própria </b><b>subindo os dez andares de escadas sem assistência suplementar de ar condicionado coisa que nunca tinha acontecido no verão e nem sequer no inverno. </b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Na altura do inverno o aquecimento também me era facultado em suplemento tal como o refrescante ar extra me era facultado no verão, devo precisar, embora algumas vezes tivesse razão de queixa no Inverno porque como qualquer pessoa sabe através do esforço os corpos aquecem e a partir do quinto piso o ar quente tornava-se excessivo. </b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Mas sempre perdoei ao Kovac esta sua falta de sincronização </b><b>temperaturamental optando por ir tirando o sobretudo, o casaco, a blusa de gola à barco e chegando a casa da Arminda em camisa com gravata já desabotoada.</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Ora - e fazendo contas simples - o J. Kovac tinha a seu cargo vários </b><b>gatos, e talvez uma ou mesmo duas mortes em média anual e embora possa parecer pouco humano da minha parte referir isto seria de exigir, na minha opinião, que ele tivesse já algum calo em relação à morte natural dos seus felinos. </b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Calo esse que se poderia e deveria repercutir-se sobre esta última morte mesmo sendo inopinada. Coisa que assim dita pode parecer absurda porque as mortes, salvo raras excepções, são todas inopinadas.</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Mas e conforme vimos acima, e se foi verdadeira a nossa ilação de que eu tinha visto este agora falecido gato preto na última vez em que lá tinha estado (em casa da Arminda) e tendo em atenção que eu não frequentava os seus aposentos senão uma vez por semana, teremos de tirar duas conclusões que interessam ao desenrolar da história.</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>O gato preto tinha falecido (coitado) provavelmente no dia em que eu estivera em casa da Arminda pela última vez antes daquela, quer dizer, havia oito dias arredondados e se as coisas se tinham passado como a Arminda aventava e se a fatalidade foi detectada nesse mesmo dia (oito arredondados atrás) isso queria dizer que o Kovac estava naquele estado havia sete, oito dias, sensivelmente.</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Ora isso era muito tempo de luto e alheamento social mesmo que houvesse como fundamento o caso de um gato especialmente querido. Aliás a literatura médica não trata desta questão com detalhe bastante , mas será de estipular razoavelmente para o Kovac e tendo em atenção a sua envolvência com felinos, cerca de dois, três dias no máximo de luto sentido por cada gato.</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Assim sendo e fazendo uma análise apressada e muito sumária e sabido que a questão do luto do Kovac já ultrapassava as marcas da razoabilidade e atingia patamares até ali difíceis de conceber propus eu à Arminda que tratasse de se inteirar mesmo indirectamente que fosse junto dele quanto tempo mais tinha o Kovac em previsão manter aquele estado lutuoso, tendo em vista - embora possa parecer cínico da minha parte - escalar telefonicamente nova visita à Arminda numa data posterior à sua </b><b>libertação depressiva.</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Eu utilizava os serviços da senhora, já entradota como é normal nestas coisas, o pessoal jovem já não faz destas coisas, só querem empregos de escritório e sobretudo empregos e não trabalhos. Ora a Arminda trabalhava e meu Deus como ela trabalhava: aquilo era uma máquina autêntica, salvo seja, porque no seu métier explorava o serviço personalizado, razão pela qual eu lá ia também desde havia cerca de dois anos já.</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Estávamos neste bate papo sem termos entrado ainda em quaisquer preliminares sobre aquilo que ali me levava quando ouvimos um urro, um verdadeiro urro. Era do Kovac, só podia ser ele quem estava na origem do berro seco e grosso e eu, com mais um suspiro contrariado de imediato tirei a mão do cinto das calças que ia começar a desapertar.</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Estava feita a tarde, nada mais se poderia acrescentar ali na casa da Arminda, tínhamos os planos semanais furados, já abalados antes pelo meu cansaço e suprimidos agora pela necessidade de dar atenção ao rompante grito. </b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Mas a coisa era grave, mesmo, tenho de reconhecer agora: alguém, por artes sádicas que só aos inumanos são atribuídas após a exemplar e irada lição de Moisés aos adoradores dos bois e outras imagens alegadamente sagradas, alguém, repito, tinha tomado a iniciativa de deixar um envelope com uma folha e letras de jornal coladas ao Kovac afirmando que ele (o anónimo) lhe tinha lançado um bruxedo por causa do gato «para ele saber que ofertas daquelas feitas por quem foram» teriam para ele Kovac, sempre, resultados funestos. </b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Ciúme, certamente, ciciei eu para a atónita Arminda enquanto esta </b><b>temerosa se benzia, acrescentando que ainda hoje me parece impossível que haja pessoas que, por ciúmes, se esqueçam da existência da sua própria alma.</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Ressalvando a morte do pobre do animal que me ficou a roer na </b><b>consciência durante bastante tempo (meses, mesmo) afastei-me por isso da minha costureira de arranjos Arminda, e por carambola do Kovac nunca mais vindo a saber nada desse pessoal. </b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>De facto, o meu limite, o final da minha trilha, a beira do meu </b><b>precipício mental, lá onde estaco o meu cavalo é quando chego ao ponto em que um oportuno lampejo memorial revolucionário me faz ficar instantaneamente convencido de um meu absurdo comportamental. </b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Para este caso e neste caso, durante dois anos fui estúpido pois que nada justifica andar a subir e a descer dez andares para ter botões cozidos ou bainhas de calças levantadas.</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Daniel Teixeira</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
Daniel Teixeirahttp://www.blogger.com/profile/02895025907829007517noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4984103550764103419.post-91182241735111430752014-11-10T14:29:00.001-08:002014-11-30T07:12:50.062-08:00O cavalo que morria devagar - Conto de Daniel Teixeira<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEifA-Sm5XS8i_J8rYopH2swio5WBkVBzgGmPLA006LxiA1fFGzteEO-0DqVzV_uoT2M52HyCB_Dya7YQwxnwkkoFKyyGtg_pecvCadUVBVHFsQStXfUox977e_ttqnDNKTa4rQ0ADaLbRGk/s1600/eumini.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEifA-Sm5XS8i_J8rYopH2swio5WBkVBzgGmPLA006LxiA1fFGzteEO-0DqVzV_uoT2M52HyCB_Dya7YQwxnwkkoFKyyGtg_pecvCadUVBVHFsQStXfUox977e_ttqnDNKTa4rQ0ADaLbRGk/s1600/eumini.jpg" /></a></div>
<div align="center" style="text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
<strong>O cavalo que morria devagar - Conto de Daniel Teixeira</strong></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
<strong><br /></strong>
<strong>Havia um cavalo pastando e um velho sentado numa pedra olhando o cavalo. </strong></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
<strong><br /></strong>
<strong>Havia também os dois netos do velho e um pequeno prado murado e com muitas pedras soltas musgadas. Parecia um prado tão velho quanto o velho. Ou talvez mais. Eu sempre o conheci assim, aquele prado e aqueles muros meio derrocados.</strong></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
<strong><br /></strong>
<strong>Poderia ter perguntado ao velho quanto velho era aquele prado e aquela cerca que o cercava quase por completo. Porque havia uma parte do muro que arrendava dois finos troncos cruzados que o velho certamente levantava e baixava para fazer entrar de manhã cedo e fazer sair à tarde, já quase noite, o cavalo. </strong></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
<strong><br /></strong>
<strong>Podia ter perguntado a idade daquelas pedras ali assim colocadas e talvez ele me soubesse responder. Mas o velho estava absorto, pensava naquelas coisas que os velhos pensam e cofiava o bigode e remexia o solo com o seu grosso cajado. </strong></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
<strong><br /></strong>
<strong>Não sei no que os velhos pensam quando estão assim absortos mas achei melhor não lhe perguntar nada e deixei que ele continuasse a pensar no que pensava.</strong></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
<strong><br /></strong>
<strong>Os dois netos dele, esses não tiveram o meu cuidado, eram crianças e as crianças nem sempre resguardam os tempos de pensamento de cada um e eu sei isso porque já fui criança, já tive filhos que foram pequenos e um dia, se calhar terei também netos como os dois netos do velho. </strong></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
<strong><br /></strong>
<strong>Os miúdos tagarelaram um pouco entre si e eu percebi que eles iam fazer uma pergunta ao velho: esticaram o pescoço como se quisessem ficar mais próximos do velho e disseram: «Avô!! É hoje que o cavalo vai morrer?»</strong></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
<strong><br /></strong>
<strong>O velhote voltou-se então para eles, como se fosse surpreendido pela sua presença ali, ou pela pergunta, não fiquei a saber, mas ele pareceu acordar de um mundo que era o dos seus pensamentos e ficar desperto num outro que demorou um pouco a parecer perceber.</strong></div>
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<strong><br /></strong>
<strong>Depois respondeu aos seus netos: «Não me parece que seja hoje, o cavalo está a comer bem e quando se come bem não se está a morrer.» Não percebi logo se a última parte da frase era também um subtil conselho aos netos mas acho que é verdade que quando se come bem não se está a morrer.</strong></div>
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<strong><br /></strong>
<strong>Os netos abriram os olhos com um misto de entusiasmo e de alegria, disseram mais algumas coisas entre eles e partiram em direcção à meia dúzia de casas que ficavam logo ali. Iam brincar, certamente: talvez tivessem os amigos por ali. Poucos, certamente, deviam ser poucos os seus amigos porque a aldeia estava quase deserta de vida e isso eu tinha visto logo que cheguei.</strong></div>
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<strong><br /></strong>
<strong>Reparou então em mim o velho e reconheceu-me. A mim, eu que já havia tantos anos que ali não ia e isso mesmo também foi o que ele disse logo. Sem se levantar da pedra onde estava sentado fez-me um aceno como se fosse um cumprimento e eu entrei então na cerca e no prado para o cumprimentar. </strong></div>
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<strong><br /></strong>
<strong>Já há mais de vinte anos, disse-lhe eu, há mais de vinte anos que aqui não venho. «Pois está tudo na mesma, como vês, quase nada mudou. O pessoal foi-se indo embora para as cidades, outros morreram, mas o resto ficou tudo na mesma.»</strong></div>
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<strong><br /></strong>
<strong>E para ele estava tudo na mesma, ou quase tudo estava na mesma porque quem fica não vê as coisas da mesma maneira dos que estão ausentes muito tempo. Vinte anos, repeti eu, e em vinte anos muita coisa mudara mesmo que o senhor Afonso achasse que estava tudo na mesma.</strong></div>
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<strong><br /></strong>
<strong>Ele não fumava, eu também não e ali ficamos um bocado olhando o cavalo que pastava. Já não era novo, não e era certo aquilo que os netos do senhor Afonso temiam: que o cavalo morresse e eu disse-lhe isso. Não quis criticá-lo por ter dito isso de o cavalo estar a morrer aos netos, longe de mim tal ideia mas ele deve ter percebido aquilo que eu respeitosamente não lhe disse.</strong></div>
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<strong><br /></strong>
<strong>«Tenho cá os meus netos e eles adoram o cavalo, sabes (?). Não quero que eles se afeiçoem muito a ele para não terem um desgosto muito grande quando ele morrer. Mas ele está morrendo devagar, muito devagar. Parece que sabe que eu não quero que os meus netos tenham esse desgosto e espera que eles voltem para a escola, para a cidade.» </strong></div>
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<strong><br /></strong>
<strong>Olhando a aldeia deserta, as hortas sem verdura, pensando nos meus que tinham ali morrido pensei sem lhe dizer: afinal tudo e todos nós morremos um pouco devagarinho a cada dia que passa e o senhor Afonso pensa que o seu cavalo morre todos os dias um pouco mais devagar. </strong><br />
<strong><br /></strong>
<strong>Talvez, talvez não seja assim mas é bom que ele o continue a pensar.</strong></div>
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<strong><br /></strong>
<strong>Daniel Teixeira</strong><br />
<strong><br /></strong>
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Daniel Teixeirahttp://www.blogger.com/profile/02895025907829007517noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4984103550764103419.post-72458624732233230302014-11-10T14:22:00.001-08:002014-11-30T07:15:36.531-08:00Reflexão - Texto/Conto de Daniel Teixeira<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEifA-Sm5XS8i_J8rYopH2swio5WBkVBzgGmPLA006LxiA1fFGzteEO-0DqVzV_uoT2M52HyCB_Dya7YQwxnwkkoFKyyGtg_pecvCadUVBVHFsQStXfUox977e_ttqnDNKTa4rQ0ADaLbRGk/s1600/eumini.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEifA-Sm5XS8i_J8rYopH2swio5WBkVBzgGmPLA006LxiA1fFGzteEO-0DqVzV_uoT2M52HyCB_Dya7YQwxnwkkoFKyyGtg_pecvCadUVBVHFsQStXfUox977e_ttqnDNKTa4rQ0ADaLbRGk/s1600/eumini.jpg" /></a></div>
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<strong>Reflexão - Texto/Conto de Daniel Teixeira</strong></div>
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<strong><br /></strong>
<strong>O terreno à minha frente está escuro, acinzentado. Parece que por ele passou labareda. E passou mesmo, digo-o a mim enquanto olho para aquele espaço tristemente defunto. Passou o fogo dos dias tórridos de um estio que não sei bem se destrói ou se purifica a terra. Ou faz as duas coisas, destrói e purifica, deve ser assim que as coisas se passam, penso eu agora. </strong></div>
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<strong><br /></strong>
<strong>Deve ser por isso que os traços do tractor revolveram as raízes do que quer que lá havia, e um tractor não risca os solos sem ter uma razão, uma lógica, um princípio. São assim os homens e os tractores, pensam de igual modo, pensam sempre o mesmo uns e outros.</strong></div>
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<strong><br /></strong>
<strong>O homem e o tractor arrancaram ao que quer que ali havia o alimento que lhes vinha da terra e deixaram os caules de raízes expostas à sorte que se calhar todos os anos lhes é destinada. Eu não conheço os terrenos, não sei como as coisas se passam nas terras nem o que se passa dentro delas: apenas posso reflectir e é isso e só isso que faço.</strong></div>
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<strong><br /></strong>
<strong>Se calhar estrumarão a terra, pode dizer-se, farão isso, entranhando-se mortos na terra e renascendo-se aos poucos aqui e ali quando as chuvas começarem a cair no composto. O solo matizar-se-à então naquele cinzento escuro com verde dos rebentos, primeiro, depois ficará tudo verde e não haverá mais cinzento queimado até ao ano seguinte. </strong></div>
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<strong><br /></strong>
<strong>Mas ainda não, não há verde que desponte no solo. Apenas há três ou quatro canas encostadas ao declive que se transforma num estreito ribeiro no Inverno. Erectas e muito verdes entre as outras amareladas que se deitaram, são o verde que por aquele lado há.</strong></div>
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<strong><br /></strong>
<strong>O homem passeia o cão ou o cão passeia o homem do cajado. Tem um boné que lhe tapa os olhos mas parece-me ser já velho, certamente que é, vejo pelo andar dele, um pouco arrastado. </strong></div>
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<strong><br /></strong>
<strong>Tem uma trela na mão mas a trela não conduz o cão. Este corre com a liberdade que os chamamentos do velho lhe permitem. Logo ali à frente há a estrada por onde corre veloz um trânsito que leva muita gente e mercadorias. </strong></div>
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<strong><br /></strong>
<strong>Um carro foi deixado ali, no terreno, um pouco à direita, um carro que já foi azul e que agora tem a cor da sucata azul. Ninguém o mexe e ele já não vai mexer-se por si mesmo. Está ali plantado no bordo das laranjeiras pequenas que não cresceram mais. A nora está tão morta como o solo escurecido e já não rega nada. </strong></div>
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<strong><br /></strong>
<strong>Foi uma horta verdejante, isto que eu vejo e agora já não é. Vai para construção, certamente, é o que acontece a todas as hortas verdejantes por estes lados. Aqui, donde eu vejo o que hoje vejo dentro de anos não haverá mais ervas que renascem, nem laranjeiras, nem carro morto. </strong></div>
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<strong><br /></strong>
<strong>Só o velho de cajado continuará a passear o cão ou o cão a passeá-lo a ele, espero.</strong></div>
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<strong><br /></strong>
<strong>Daniel Teixeira</strong><br />
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Daniel Teixeirahttp://www.blogger.com/profile/02895025907829007517noreply@blogger.com0