quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Quem somos nós, afinal!?

 
 Quem somos nós, afinal!?
 
 
Tenho-me deparado nestes últimos tempos com alguns trabalhos, que vou lendo por essa Net fora, onde a pergunta - pelo menos implícita - que surge é a já velha questão «netística» de se saber se as pessoas na Net são reais ou são diferentes da sua realidade.
 
Pessoalmente, e apesar de já ter entrado algumas vezes na discussão do tema, acho que essa pergunta é, pelo menos parcialmente, uma falsa questão, quando colocada exclusivamente no âmbito do raciocínio sobre a Net. Na verdade nunca ninguém é, de uma forma estável e estática, ou duradoura, da forma que o outro desejaria e idealiza em termos comportamentais na Net ou fora dela.
 
Todos flutuamos em termos de «humor», quase todos temos problemas e alegrias que condicionam os nossos comportamentos e as nossas apreciações, quase todos somos um pouco aquilo que somos e um pouco aquilo que não somos, com Net ou sem ela. Isto no que se refere a comportamentos, a formas de agir, a atitudes que se tomam.
 
Amos Oz, um escritor israelita, define, por outras vias e com uma outra gravidade esta situação com o seu tema a mulher à janela. Nenhuma delas, Israelita ou Palestiniana sabe concretamente o que a outra pensa, quais os seus problemas pessoais, as razões de uma estar bem ou mal disposta, enfim, não existe qualquer informação trocada entre elas, só podem imaginar-se...
 
O problema pode ser colocado em qualquer circunstância e em qualquer meio, e tendo como exemplo o referido acima sobre Amos Oz, trata-se de saber se o comportamento ou a atitude de uma dada pessoa entra dentro de um padrão que se considera aceitável. Quer dizer, se esse comportamento não sai, para mais ou para menos, de um espaço que a nossa mente calcula razoável.
 
A ideia que se pretende e que na Net não se consegue obter senão após um lapso de tempo maior do que na vida real, é esta acima referida certeza relativa de uma regularidade comportamental que só se consegue através da solidificação da nossa ideia, da nossa opinião e aqui entram em linha de conta outros factores que já foram aflorados acima : na verdade, e sumarizando e muito, até que ponto o outro imaginado do lado de lá não corresponde a um modelo que nós mesmos temos criado dentro de nós!?
 
Quer dizer, até que ponto a ideia que fazemos e vamos fazendo do outro não é para nós aquela que nós consideramos razoável e / ou desejável e / ou possível dessa mesma pessoa tendo como «modelo» um modelo ou um conjunto de modelos que recolhemos em meio múltiplo e armazenámos na nossa mente?
 
A questão tem tantas variáveis como variável é o mundo pessoal e colectivo de cada um e o problema maior não está no resumo em si, na necessidade que se tem de se fazer esse resumo unificador, de classificar o outro dentro de um padrão. O problema está, a meu ver, em saber-se que dada a  escassez de meios que a Net proporciona para conhecimento do outro, seria bom que o nível de exigência sobre o conhecimento do outro tivesse isso em consideração: quer dizer, e sumarizando e regressando a Amos Oz de novo, quanto menor é a informação maior terá de ser a nossa construção dessa mesma informação de forma a conseguir-se um perfil que se adapte, pelo menos minimamente, a uma ideia razoável que seja aceite como suficiente pela nossa necessidade de conhecer o outro, em nós.
 
A Net tem, incontestavelmente os seus limites, mas como temos ido vendo esses limites existem um pouco por todo o lado: a questão está em reconhecer a existência desses mesmo limites, em aceitar que não temos nunca a informação toda sobre o outro (nem seria próprio, diga-se, e nem seria possível, também).
 
Este blogue, como aliás qualquer meio de difusão sério e que prime pela honestidade e pela imparcialidade é um meio de conhecimento do outro. Não se trata como é evidente de saber tudo sobre o outro - já vimos que tal seria impróprio e impossível - mas no plano cultural pessoalmente, eu, todos os dias, a todos os momentos, vou sabendo coisas novas, expurgando alguma ideias menos verdadeiras que a minha envolvência criou em mim, afinando outras, breve, com o tempo sinto que vamos melhorando todos com o conhecimento que vamos tendo uns dos outros.
 
Podia apresentar exemplos, muitos mesmo, de evolução na compreensão mútua neste nosso mundo que tem por meio comum de contacto uma linguagem, assim como podia apresentar muitas afirmações e atitudes que só serviriam para demonstrar que ainda há muitas pedras no meio dos nossos caminhos a contornar.
 
Há neste nosso meio - e voltando a Amos Oz - muitos homens e muitas mulheres à janela. Uma coisa teremos de ter contudo como certa, é que existem agora muito menos homens e mulheres à janela do que havia logo que iniciámos a nossa actividade aqui no blogue.
 
Serão poucos / as ou muitos /as, isso ninguém sabe, mas qualquer que seja o resultado, numericamente significativo sempre, foi a Net, sim a Net (!), que nos aproximou.

COLUNA UM - Daniel Teixeira
 
 

A História Interminável do Diário de Irene III

A História Interminável do Diário de Irene III
 
Uma ideia mais explorada colocaria neste handicap de superficialidde do real em Irene o peso da sua necessidade de levar as coisas da sua vida por uma rama sempre conveniente. Possuidora de um nariz daqueles, feia em todo o seu conjunto, compreende-se (quem quiser compreender) a conveniência de se ser superficial e de cultivar a superficialidade mesmo que ela não tenha base de existência ou carne substancial onde se apoie.
 
Mas o "explorador" mais atento, como foi e é o meu caso, repara que a Irene - em certas afirmações que faz, já a partir da primeira metade do seu diário - não era de todo avessa a alguns vislumbres da crua realidade. Existe, de facto, nesta segunda metade do seu diário que diferenciei, da parte dela, um esforçado desejo - vincadamente expresso por vezes - de fazer com que a realidade da qual se vai apercebendo coincida com aquela que descreveu inicialmente.
 
Por outras palavras mais simples: a erupção da sua percepção da realidade leva-a a falsear a realidade que absorve mas não já de uma forma descuidada e sem regras como o fazia inicialmente : busca já a coerência narrativa com o já escrito o que me leva a pensar que a Irene se tenta segurar na ficção e que, de uma forma talvez não dirigida, que ela busca, ao fim e ao cabo, uma forma de encontrar um sentido nas coisas, mesmo que esse sentido seja o sentido possível e não o sentido exacto, mas de qualquer forma um sentido.
 
Ora esta constatação dupla fez com que eu mesmo procurasse em livros de geografia e depois de antroplogia e etnografia a Ilha dos Narigudos uma vez que ela representava para mim  não só um vislumbre da Irene na sua única acção opcional significativa que era do meu conhecimento.
 
Devo no entanto dizer desde já que a própria Irene depressa se apercebeu e anotou nas primeiras páginas do seu diário que afinal na Ilha dos Narigudos não havia narigudos naturais, isto é, que os seus habitantes, não tinham apêndices nasais como ela, mas sim que utilizavam uma máscara de nariz pontiagudo e que o tamanho do nariz era um sinal de estatuto social. O chefe da tribo, segundo Irene, colocava uma máscara, que utilizava sempre e não só em dias festivos, cujo nariz tinha (ainda segundo ela) o dobro do tamanho do seu.
 
Ora isto levará sempre a pensar que a Irene tinha tido por fito inicial encontrar na Ilha dos Narigudos pessoas como ela, com narizes enormes, e que, de uma forma que eu considero possível só nela (e em muito poucas mais pessoas) tinha partido fazendo milhares de quilómetros sem sequer ter uma noção exacta do sítio que ia visitar e sem avaliar da impossibilidade real de haver um local na terra onde só houvessem pessoas com narizes grandes.
 
Mas, regressando às suas primeiras páginas escritas para tentar dar uma ordem tão próximo da cronológica quanto possível a esta história de Irene, será sempre de nos  perguntarmos as razões que levaram Irene, uma sedentária por excelência e em tempo inteiro, a enveredar por um cruzeiro a uma ilha quase desconhecida e cujo alcance não era nada fácil, conforme veremos mais à frente. A sua ideia de encontrar pessoas com narizes grandes, na sua ignorância ingénua parece-me ser a razão mais correcta. Ao fim e ao cabo, caso tal fosse verdade, a Irene acabaria por sentir-se como que numa família agora que a sua família natural se resumia a ela e acabaria por integrar-se numa sociedade que absorvia a sua discriminante diferença tornando-a normal.
 
Mas, a Ilha dos Narigudos, para além do significado que a Irene lhe deu não é mais do que uma ilhota com pouco mais de uma centena de habitantes ainda vivendo em estado de primitividade e contém em si uma etnia ou nação próxima da extinção. O deus ou tótem desta ilha é o “Amazona Imperialis “, o papagaio imperial ou Sisserou, que, segundo os ornitólogos existe apenas nesta ilha e calcula-se que não haja mais deles do que 60 exemplares, todos em estado selvagem - como aliás os seus habitantes humanos - tendo em comum com eles, e com todos os papagaios, penso, um enorme bico onde está acoplado o nariz.
 
Este animal, o Sisserou, é considerado como um dos mais bonitos do mundo, com as suas asas raiadas de vermelho que podem atingir, de uma ponta à outra, mais de 75 cms; a cauda e o dorso são em verde brilhante e a cabeça é negra e tem olhos de rubi. O peito é arroxeado. Esta descrição é minha com base nas informações que recolhi, mas a Irene refere o Sisserou "como um passarouco giro" (sic), sem com isso fazer qualquer outra referência mais cuidada à beleza da ave ou qualquer ligação analógica ao facto de os habitantes da ilha venerarem os seus narizes.
 
Ora, para mim, e pela primeira recolha bibliográfica que fiz, pareceu-me evidente que havia uma relação entre o culto local dos grandes narizes e o Amazona Imperialis e não me enganei porque antropólogos e etnólogos que visitaram a ilha já tinham levantado essa hipótese desde o sec.XIX.
 
(Continua)