terça-feira, 18 de setembro de 2012

COLUNA UM - O Heroi Americano e o Heroi de Lagos - Por Daniel Teixeira

 
 
COLUNA UM - O Heroi Americano e o Heroi de Lagos - Por Daniel Teixeira
 
Recentemente, nestes dois ou três dias, dois factos colocaram nas páginas dos jornais duas pessoas que, cada uma à sua maneira, levavam as suas vidas numa normalidade relativa.
 
Um piloto americano conseguiu fazer «amarar» um enorme avião no rio Hudson (manobra considerada das mais difíceis da aviação) e salvou da morte que se adivinharia todos os passageiros e tripulantes do seu avião.
 
Existe um certo misticismo à volta do piloto aviador; afinal nem todos temos apetência por levar todos os dias a andar num ambiente tão fluído como é o ar e a ideia que se tem, apesar das garantias todas que são dadas quanto à segurança do voo aéreo, é que em caso de queda nada se salva, ou acaba por se salvar muito pouco.
 
A ideia do trambolhão (lagarto, lagarto) de centenas ou milhares de metros de altura não é das mais toleradas pela nossa mente e pode ver-se quanto estranha nos é a ideia quando compararmos a facilidade com que se carrega no pedal por essas estradas fora, por vezes a velocidades em que o resultado, em caso de embate, é semelhante àquela que referimos acima sobre o avião, ou seja, não se pode salvar nada ou o que se salva é muito pouco.
No entanto o mais espontâneo acelera de estrada é capaz até de ter o tal receio de ser confrontado com a possibilidade de ser vítima de uma queda de avião, porque na sua mente ele pensa sempre que, se for a conduzir, tem ainda algum controle sobre a situação, mas no ar nada há a fazer. Ora o piloto americano mostrou (e outros têm mostrado ao longo dos tempos) que existe uma margem de controle sobre as situações.
 
Não queremos, como será evidente, menosprezar as qualidades técnicas do dito piloto, nem sequer a sua coragem e sangue frio e a sua opção (ainda que delimitada pelas possibilidades que havia) de amarar e não de escolher antes um outro sítio qualquer, que nem sequer sabemos se estava disponível ou não perto de uma cidade com milhares de torres em betão.
O que se coloca aqui é saber, pelo menos, que a vida dele, piloto, também esteve em jogo. A vida dele, dos colegas de tripulação, dos passageiros, ou seja, todas as vidas estavam em jogo, incluindo a dele piloto.
O Heroi de Lagos, no Algarve, no entanto não tinha a sua vida em jogo quando «num repente» como diz, saltou para o estribo de um enorme camião e torceu o volante do mesmo de forma a fazer embater o veículo que era conduzido por um alegadamente psicologicamente (ou psiquiatricamente) afectado condutor «tresloucado» - segundo a terminologia empregue.
Ou seja, o Heroi de Lagos ia provavelmente a passear, ia almoçar a casa, ou ia mesmo para o trabalho (é auxiliar num estabelecimento de saúde) e, vendo que o «tresloucado» condutor enfileirou o camião para um café - esplanada onde estavam sentadas calmamente cerca de uma centena de pessoas, entre homens, mulheres e crianças, «num repente» como diz em «lingua» algarvia, saltou para o estribo do veículo, forçou o volante das mãos do tal «tresloucado» e centrou-o para bater numa parede reduzindo assim a dois feridos (ele e o condutor) o acontecimento.
Uma senhora veio infelizmente a falecer depois de ser atropelada minutos antes numa outra tresloucada volta do condutor pela baixa de Lagos.
Ora, o heroi de Lagos. não tinha, minutos antes a vida em risco: passou a tê-la a partir do momento em que num repente decidiu fazer o que fez. O seu objectivo, não estando nós dentro da cabeça dele como será claro, foi o de «resolver» uma situação que ninguém até ali tinha tido a possibilidade ou a vontade de fazer: e fê-lo com o sucesso que se conhece.
A nossa televisão e a comunicação social em geral já lá foram a casa visitá-lo, inquirir sobre ele, porque tinha tido aquela atitude...enfim, foram informar-se.
Nos tempos que se seguem será o senhor objecto de algumas, muitas, atenções, na sua terra e fora dela nos sítios deste rectangulozinho português onde ele seja reconhecido. O piloto americano é considerado herói nacional.
Não estamos aqui a tentar fazer comparações entre situações que apenas coincidem no tempo mais ou menos próximo em que tiveram lugar.
Sem retirar mérito a um ou a outro constato as diferenças: os americanos(talvez por vocação, quem sabe e seguramente que não são todos) «nacionalizaram» o herói. O de Lagos, assim que tiver alta dos ferimentos que sofreu vai seguramente voltar a trabalhar para poder viver, ele e a sua família.
Um e outro terão contudo algo a partilhar em partes iguais, algo que sabe muito bem e que é muito gratificante:
 
a sensação do dever cumprido.
 
   Daniel Teixeira
 
Publicado no Jornal Raizonline nº 5 da 3ª semana de Janeiro de 2009

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