segunda-feira, 20 de maio de 2013

Missão possível

 
Missão possível
 
Uma manhã, mais propriamente de madrugada, recebi uma mensagem no meu telemóvel com um intrigante texto: «Tem missão. Recolher indicações no sitio do costume.»
 
Primeiro devo dizer que tenho tido sempre missões, sendo a mais importante agora procurar sobreviver no meio desta confusa amálgama de crises sucessivas e que para isso não preciso de recolher indicações em lado nenhum até porque não as há.
 
Embora não seja um ás no que respeita à resolução dos meus problemas normalmente faço esse exercício por mim mesmo e sem necessitar de indicações.
 
A mensagem veio ter ao meu telemóvel por engano no número, foi o que pensei ainda meio ensonado, lembrando-me de uma outra, também recente em que uma tal de Mikkas dizia precisar de vir tomar banho a minha casa porque o esquentador dela não funcionava.
 
Ora a Mikkas não apareceu (fosse ela quem fosse) e aquela missão anunciada devia pertencer à mesma família dos enganos. Voltei a dormir e quando chegou a hora vesti as minhas ainda existentes e parcas vestes e saí para tomar uma bica e comprar tabaco.
 
A senhora da tabacaria, sempre simpática, prestável ao extremo, contrariamente àquilo que era costume não me fez passar à frente na fila dos totolotos e embora andasse de um lado para o outro com o meu pedido maço de cigarros parecia estar a fazer tempo, manipulando o maço de cigarros entre os dedos como se estivesse a tomar-lhe o peso e o volume.
 
Assim que o espaço vazou, entregou-me o maço de cigarros e um envelope amarelo que tinha atrás do balcão dizendo-me «está aqui tudo e são três euros e setenta!» com uma expressão extremamente grave onde dificilmente se notavam os traços da sua costumaz simpatia que naquele dia foi ultrapassada por um pungente olhar quase lacrimejante.
 
Entendi que «aquilo» que ela mostrava na sua lastimante face estava relacionado com a minha ainda não acreditada missão. Logo ela tinha aberto o envelope, tinha lido o que lá estava e tinha pesado através disso a possibilidade de perder para sempre um cliente e fazer menos três euros e setenta de caixa diária.
 
Fiz-lhe pois um olhar tranquilizador e confiante, levantei o polegar em «ok» arrancando-lhe um sorriso forçado e enveredei em direcção à casa de banho do mercado para abrir o envelope longe de olhares indiscretos, sujeitando-me durante minutos a um cheiro terrível.
 
Acho que foi essa a parte mais difícil da minha anunciada missão, na qual começava já a acreditar. O resto foi praticamente um petisco. Segui à risca o que lá estava dito, fiz aquilo que tinha de fazer e ficou tudo bem.
 
Ainda hoje estou para saber quem me encomendou aquela missão e gostava mesmo de saber porque lá dizia que «o pagamento do serviço» seria efectuado dentro de quarenta e oito horas e já lá vai uma semana e nada.
 
 

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