segunda-feira, 20 de maio de 2013

Boleias iniciadas em direcção a França

 
Boleias iniciadas em direcção a França
 
A boleia pela Espanha e em direcção a França, começou bem, logo ali nos arredores de Fuentes de Oñoro até Ciudad Rodrigo, que era a zona onde mais se temia uma acção inconveniente dos carabineiros espanhóis, que era o recambio para Portugal, dada a proximidade relativa com a fronteira portuguesa.
 
Na nossa mente colocava-se bem forte a ideia de que a acção dos carabineiros ali caso nos vissem seria a de nos levar em jeep até à fronteira de Vale Formoso, relativamente próxima, e lá entregar-nos sumariamente aos seus colegas portugueses (na altura Guarda Fiscal) pouco se importando eles com aquilo que nos sucederia a seguir.
 
E este «a seguir» não era simplesmente uma presença num tribunal qualquer, mas sim num tribunal militar ao qual não foi nunca aconselhável a ninguém estar presente na altura (e nem agora, embora as razões e as situações possam ser diferentes).
 
Apesar da tranquilização psicológica obtida após um copo de bagaço (isto às seis da manhã, sensivelmente) fornecida pela pequena comerciante fronteiriça espanhola para onde estava direccionado marcar o ponto, a altura e a relativa gravidade da situação não era muito propícia a tranquilizações verbais e felizmente não chegámos a ter de testar a força do argumento da senhora e ainda bem.
 
«Se têm Bilhete de Identidade não têm problemas com os carabineiros!» foi o que ela nos disse. E passámos perto do quartel deles (tínhamos mesmo de passar pois não havia outro caminho) e não vimos vivalma nem de sentinela.
Estava um frio de rachar, é um facto, pouco propício a patrulhamentos de rotina, mas só ficámos mais tranquilos quando nos fizemos à estrada propriamente dita, a pé, claro, distanciando-nos progressivamente do bordejar fronteiriço português.
 
A fama dos carabineiros não era muito favorável a votos de confiança e havia até uma certa mitologia que os conseguia colocar degraus acima de alguma brutalidade conhecida das nossas forças da ordem, o que pode parecer difícil de aceitar para quem viveu neste período e teve de se confrontar com os «nossos», mas era mesmo assim.
 
Aquele chapéu com três bicos que eles usam ou usavam faz lembrar terrores quase medievais e mais proximamente agora as tropas napoleónicas bem menos temporalmente medievalizadas.
 
Não eram uma polícia simpática mesmo que se rissem ruidosamente como os vimos fazer depois já mais à frente dentro de Espanha e é preciso não esquecer que era também para nós de difícil compreensão aquele acordo de «deixar passar os portugueses» quando a Espanha vivia no nosso período salazarista em pleno período franquista.
 
Felizmente ao fim de cerca de dez minutos foi-nos fornecido um transporte até Ciudad Rodrigo para chegarmos depois de autocarro a Salamanca, onde tínhamos um outro ponto de encontro. Um emigrante português, sozinho no carro, tinha vindo rezar a Fátima e teria passado em Vilar Formoso e acedeu a levar-nos aqueles poucos quilómetros.
 
Posso parecer mal agradecido, mas o meu compatriota conduzia mal como tudo e apesar de alguns sustos e comparando abstractamente achámos menor o risco de ir com ele no carro do que tropeçar com a temida Guarda Civil, mesmo que ela se tenha mostrado inocente para nós até ao final do nosso percurso.
 
Em Salamanca era suposto termos um guia que nos levaria pelo menos até Madrid, mas embora não fosse já calculado por nós não nos surpreendeu que esse nosso guia tivesse mais que fazer nesse dia, tinha um espectáculo algures por ali e não lhe dava mesmo jeito nenhum foi o que nos disse.
 
Mas fez o mapa do nosso percurso e disse-nos então que a boleia era um meio eficaz de transporte aconselhando no entanto a que nos separássemos uma vez que é difícil encontrar boleia tripla. Assim e a partir de Salamanca foi cada um por si, no melhor sentido, ficando o primeiro e o segundo a chegar a Irun de esperar pelos restantes.
 
Aqui também nada disto aconteceu, não por falta de vontade de cada um de nós, mas acabámos por nos reunir já em França e ainda bem que essa foi a solução mais lógica como alternativa porque o último a chegar levou quase uma semana a bater-nos à porta.
 
Nada de mau lhe tinha acontecido mas tinha tido dificuldades em arranjar boleias: dormia em pensões rascas, sem serviço de despertar e tinha vindo quase directamente das «saias» da mãe que, segundo nos disse, por vezes lhe levava o pequeno almoço à cama.
 
Era, para ele, muito difícil acordar a horas convenientes para apanhar boleia, a preferência e o uso começava logo de manhã cedo, pelo que ele secava nas estradas muitas vezes quase até ao anoitecer para conseguir dar um «salto» de poucos quilómetros.
 
Eu, quando cheguei ao país basco, comecei a encontrar grande dificuldade em obter boleia.
 
Estávamos num período de grande actividade dos independentistas bascos o que era também patente pelo elevado número de tropa com que se tropeçava quase a cada passo.
 
Percorri quase toda a Espanha sem ter visto mais que o normal de soldados (espanhóis, neste caso) mas no País Basco eram como cogumelos: como gozo ficou-me na memória que tendo ido a um urinol público nele estive eu e três soldados durante aqueles curtos minutos.
 
Depois de ter dado a vez a um colega japonês na única boleia com um só lugar que nos apareceu era já quase noite e quando estava já a poucos quilómetros da fronteira Espanha - França, resolvi optar por um táxi e isto porque a moeda portuguesa na altura ainda valia qualquer coisa e as pesetas estavam fracas.
 
Em boa hora o fiz, embora a intenção primeira não fosse essa: conversando com o taxista sobre como passar para «o outro lado» ele mesmo me pôs logo à vontade e prontificou-se a fazer também isso o que afinal até era fácil.
 
Ele mesmo falou com os guardas espanhóis naquela que foi a primeira vez em Espanha que tive de mostrar o Bilhete de Identidade, e eles foram lá dentro ver talvez a questão dos mandatos de captura, mas sobre mim não havia notícias, como a continuidade mostrou.
 
Nem boa viagem me desejaram o que já não aconteceu no posto de França logo a seguir onde até fizeram o cumprimento habitual, tipo continência militar e me trataram sempre como senhor.
 
Dei as indicações que me pediram, era preciso ter uma morada algures em França que fosse ponto de referência e passaram-me então aquilo que se chamava de salvo-conduto que dava para atravessar toda a França sem problemas. Tinha validade de um mês mas depois tinha de ir à Prefeitura (Governo Civil lá do país) para tratar da efectivação da papelada.
 
E foi assim...
 
 

Sem comentários:

Enviar um comentário