terça-feira, 30 de abril de 2013

Pacatez

 
 
Pacatez
 
O suspense, ah, o suspense, aquela certeza incerta ou aquela incerteza certa de que algo vai ter lugar, que alguma coisa vai acontecer, seja como for e da forma que for é seguramente um atributo da mente humana que não tem nem pode ter explicação racional. Mas esteve ali comigo, naquele dia, naquela hora, naquele local.
 
Segundos antes eu era apenas uma pessoa sentada num banco de jardim, uma pessoa qualquer, alguém que procurava fazer passar o tempo, ou deixá-lo passar por mim, tanto me fazia.
 
Segundos antes : ouvia os pássaros a chilrear, o ruído das ramagens das árvores bandeando ao vento, as buzinas de carros e comboios lá ao longe, o chapinhar da água de encontro aos muros da doca, os gritos agudos das gaivotas e tudo, mas mesmo tudo,  parecia normal.
 
Depois veio aquela sensação estranha, aquele incómodo, aquele aperto no estômago, aquele acelerar da pulsação, aquela sensação incerta e mista de medo e de expectativa, e mais nada ficou normal dentro do meu pensamento: ia acontecer alguma coisa, eu sabia, sabia isso. Mas não sabia o que seria.
 
Contudo não demorou muito até tudo acontecer, poderia dizer felizmente porque para mim foi libertador, ou seja, libertei-me de uma sensação de indefinição para passar a viver uma situação que podia definir mas ainda hoje estou sem saber se na altura senti que uma situação foi melhor que a outra.
 
Ouvi o grito, um grito longo, um grito de socorro, estridente, talvez a cinquenta metros de mim, para trás de mim e virei-me quase instintivamente. Não vi nada. As ramagens que bordejavam a álea não me deixavam ver, ramagens espessas, recortadas. E era dali que tinha vindo o grito, aquele grito longo. Tentei levantar-me e correr, senti vontade de intervir, tentei, estou absolutamente certo de que tentei, mas as pernas não me deixaram.
 
Ouvi o grito de socorro de novo, e de novo, e de novo, estridentes, prolongados e depois apercebi-me que enquanto os gritos, aqueles gritos, iam durando o seu volume baixava e se ouvia como que um debater quase silencioso nos silvados e que finalmente quase tudo desaparecia como que num soluço para voltar a aparecer de novo, para voltar a ouvir-se de novo e para voltar a silenciar-se aos poucos.
 
Confesso, hoje posso confessar, agora que já passou algum tempo que foram as minhas pernas que não me deixaram sair do banco onde estava sentado e correr em direcção ao grito porque era isso que eu queria mas foi isso que eu não consegui.
 
Desde esse dia, quando me sento naquele banco de jardim lembro-me daqueles gritos de socorro sobre a origem ou a causa dos quais nunca ninguém disse nada. Eu vivo numa cidade pacata, as pessoas são pacatas, se alguma coisa aconteceu ali ninguém iria falar nisso.
 
Mas nunca mais senti aquela sensação de intranquilidade, aquela sensação estranha, aquele incómodo, aquele aperto no estômago, aquela sensação incerta e mista de medo e de expectativa e isso é bom, para mim é bom.
 
O que quer que fossem aqueles gritos, viessem donde viessem e fossem pelas razões que fossem, em cada um dos dias que lá me sento, logo que são passados os primeiros minutos sei que nada vai acontecer. Sinto isso.
 
Série Contos Impopulares
 
 
 

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