segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Coluna Um - Inversões e marcha atrás

 
 
Coluna Um -  Inversões e marcha atrás
 
 Em tempo de crise económica e social as questões que levantamos não aparecem como se tivessem estado escondidas atrás de uma pedra durante o tempo das vacas confortadas.
 
Estiveram, essas mesmas questões, antes, envolvidas no tal de manto diáfano da fantasia em que fomos vivendo através do desviante e silenciador massacre das propagandas privadas e oficiais, que através da insistência da sua própria lógica e desenvolvimento, fizeram até com que essas questões tivessem passado para uma outra dimensão quase extraterrestre.
 
Não há muitos anos, fazendo uma viagem à terra dos meus avós e meus bisavós, uma triste terra, é um facto, onde se aplicava integralmente desde havia muitos anos antes o ditado popular que «a agricultura era a arte de empobrecer alegremente», um técnico, que estava comigo presente na altura segredou-me perante a descoladora imagem de uma população envelhecida que apesar de tudo continuava a insistir em cavar terras e a plantar alguns pés de trigo, cevada, couves e batatas, que ele, se tivesse meios e poderes, pagava àquela gente para se ir embora «para ter uma vida condigna».
 
Relembrando o passado e recolhendo na memória dos outros, o passar de cavalo para burro aplicava-se ali integralmente; de duas vacas, seis ovelhas, dois cavalos e uma égua trinta anos antes, um dos presentes na pequena conferência da semi-taberna estava naquela altura na posse de dois velhos burros cujos potenciais compradores, em caso de necessidade, seriam apenas e só os indivíduos de etnia cigana se ele os encontrasse e se eles estivessem nessa disposição.
 
O pão caseiro, de uma excelência de forno de estevas e loendros, saindo a respirar como gente da boca do seu mundo, era já, naquela altura (cerca de vinte anos) batido aos pontos económicos pelo pão de padaria industrial e era fácil fazer as contas: cerca de 5 vezes mais caro - mesmo não contabilizando todos os factores -. O pão verdadeiramente caseiro estava ali também a despedir-se deste mundo na altura em que lá estivemos.
 
Veio depois o plantio dos infalíveis eucaliptos, ditos de crescimento rápido e a vivência das miseráveis reformas de toda aquela gente. Desapareceu um mundo, ali, em várias fases, mas sem outras opções de sobrevida. Uma forma de ver vencida pela roda trituradora do alegado progresso. Falta saber se foi mesmo um progresso...

Na situação em que estamos penso que não haverá grandes dúvidas de que eucaliptos não dão de comer a ninguém, salvo a meia dúzia de pessoas e durante períodos limitados de tempo. Dão de comer sim aos grandes industriais, às suas grandes empresas que investem na bolsa ou noutros locais menos conhecidos e que agora estão cai não cai no domínio da intervenção económica estatizante.

Pode assim fazer-se um balanço, ainda que os indicadores não sejam todos favoráveis à tese de que «antes era melhor». Não era, de facto, melhor trabalhar de sol a sol, com meios técnicos rudimentares, envelhecendo prematuramente, não tendo condições de apoio à saúde, trabalhar para o boneco, praticamente, porque o resultado económico obtido era inferior ao esforço e aos meios envolvidos, não era melhor. Só que agora é ainda pior...

Aqui em Portugal 150 milhões de euros dão para alargar o período de benefício do subsídio de desemprego, mais 150 milhões de euros dão para reduzir temporariamente para metade uma parte substancial dos pagamentos mensais de quem comprou casa a crédito (sob garantia hipotecária antes e agora). Isso soma 300 milhões de euros.

Só para alegadamente garantir os depósitos de um banco que só não se chama de falido porque ainda ninguém se lembrou disso foram dados, pelo Estado, 750 milhões de euros. Para um outro, que segundo alguns é um caso de polícia, já se vai perto, com as novas exigências de reequilíbrio, dos 300 mil milhões de euros (não são 300 milhões, são 300 mil milhões, repete-se).
 
Isto numa altura em que o Governo Alemão já mandou às urtigas este tipo de apoios e em que a França se debate com forte contestação social que pode resultar no habitual. Entretanto em Espanha vai fervendo em fogo lento...
 
Fazendo contas simples, toda essa massaroca, cerca de 400 mil milhões de euros, davam para aumentar a garantia do benefício do subsídio de desemprego mais dez anos, garantindo ao mesmo tempo alguma confiança social, dava para reduzir as prestações de pagamento de casas à banca em período de carência durante outros dez anos, contribuindo para descomprimir os gastos no consumo corrente, fomentando e reforçando empresas e credibilizando a hipótese da retoma, e, de uma forma ou de outra, o retorno seria certo e seguro (o dinheiro ironicamente já é desde logo também deles). E alinda sobrava algum pois que 300 milhões vezes dez dá 300 mil milhões e estamos a falar de um plafond concedido e a conceder de 400 mil milhões.
 
E isto retornaria, todo este dinheiro retornaria, porque os desempregados arranjariam emprego ou reformavam-se sem andarem por aí a viver de forma pouco digna nalguns casos (a maioria), revoltados, fervendo ainda em águas mansas e os proprietários de casas compradas nestas condições acabariam por ter de resolver a situação logo que pudessem.

Ora, também, reactivar algumas actividades que têm substância de desenvolvimento e de produção efectiva e outras que estejam relacionadas com actividade verdadeiramente produtiva é trabalho que deve preocupar qualquer pessoa que tenha alguma altura de testa.
Mas não...arranja-se dinheiro ou crédito para fazer grandes investimentos que bem poderiam esperar, pressiona-se a banca para conceder crédito às pequenas e médias empresas de vida periclitante, como se a banca estivesse em condições de andar a fornecer dinheiro sem garantias efectivas de retorno sob risco de piorar ainda mais a sua situação e entrar mais no ciclo vicioso da intervenção estatal.

Ora, dentro daquilo que foi jogado fora, incluindo as oportunidades de aplicar melhor os fundos que já não voltam, e repetindo parte do sermão aos peixes do Padre António Vieira, o que terão até agora feito os homens senão manter no mar aquilo que eventualmente tem hipóteses de ser reactivado e de fomentar o encaminhamento da resolução de situações?
Que tem feito esse tal de aparelho de estado para ver estas coisas? Por onde anda a razão mais simples que qualquer um usa no dia a dia ao ir buscar coisas que por pequenas desvantagens relativas em relação ao novo colocou na prateleira/armazém para resolver agora temporariamente os inconvenientes da falência da sua máquina nova?

Esta gente não pensa ?? Não sabe pensar?? Não consegue pensar!!???
 
 

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