segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Coluna Um - A culpa é do branco

 
 
Coluna Um -  A culpa é do branco
 
Há dias, durante a visita do Primeiro Ministro Inglês a Brasília, o Presidente Lula da Silva afirmou sucintamente que a presente crise económica é resultado da actuação de indivíduos «brancos, louros e de olhos azuis», numa referência que todos entendemos estar o mesmo Lula a dizer que os países pobres (em princípio não brancos) estavam a sofrer aquilo que outros tinham fabricado, e que essas pessoas apareciam antes pelo Brasil e por outros países «julgando e dizendo que sabiam tudo».
 
É um facto que, de uma forma geral, a crise actual, resultando sobretudo de especulações financeiras subidas além do chinelo da razoabilidade, tem o seu alicerce nos países ocidentais normalmente considerados ricos e sobretudo, na medida da sua importância em termos económicos, o seu efeito é proporcional à sua capacidade financeira. Quanto maior a nau maior a tormenta e neste caso concreto maior ondulação produz a grandeza dessa nau agora sem rumo nem remos.
 
Esta coisa da moeda é algo de extraordinariamente simples na sua origem: a moeda resulta das transacções de mercadoria (para as quais se estipula um dado valor) evitando-se assim o tradicional sistema da troca directa, ainda em uso nas comunidades rurais, por exemplo, em que se paga com ovos, por exemplo, o café.
 
O intermediário capital, neste sistema, contudo, ganha vida própria, desliga-se da sua realidade de base, joga com os tempos, com remunerações para aplicação, é aplicado com remuneração, ou seja, procura reproduzir-se: quem tem mil euros disponíveis, por exemplo, entrega-os a um banco, que por sua vez o remunera numa dada percentagem e, por estranho que pareça, dizem os financeiros, esses mesmo mil euros na sua rotação podem atingir cerca de 100 voltas, ou seja, podem «transformar-se» em 100 mil euros, dos quais 99 mil são em parte substancial virtuais.
 
E digo que são em parte virtuais, estes 99 mil euros e não na totalidade, porque uma parte dessa virtualidade acaba por agregar-se a realidades e acaba por fazer parte dessa mesma realidade. Vejamos - e peço desculpa por ser tão primário no raciocínio mas não sei trabalhar de outra forma - vamos supor que nessa rotação uma parte fomenta uma actividade produtiva (ou outra complementar) e o milagre da multiplicação dos pães está feito.
 
Os mil euros iniciais, que resultavam de uma realidade, são assim acrescidos na sua realidade com mais mil, ou dois mil, ou dez mil, ou 99 mil, segundo esta lógica. É claro que isso implica um processo de rotação progressiva: não se trata de dar 100 voltas ao dinheiro e voltar a receber os mesmos mil euros. Isso seria absurdo, como é claro, e mais resultado dava tê-lo a abobrar nos cofres (não pagando remuneração nenhuma).
 
Ora visto isto, vamos aos senhores da pele branca, cabelos louros e olhos azuis: o que esse senhores fizeram foi simplesmente furar o sistema, não integrando nos tais mil euros o bastante de realidade que lhe desse um suporte aceitável.
 
Pelas minhas contas feitas assim aqui em casa, e dado o buraco que as coisas estão a apresentar, e tomando como exemplo um caso que dá brado aqui em Portugal, o famoso caso do Banco Português de Negócios (e do Banco Privado Português numa escala mais pequena em valores), o primeiro (BPN) de uma necessidade de solvabilidade (diferença entre a realidade e a virtualidade) de 450 mil euros, passou a 750 mil numa semana e a três mil milhões em dois meses.

O que é que isto quer dizer? Que inicialmente estava descoberta (dada a pressão dos pedidos de retorno dos depositantes) uma soma de 450 mil euros e que essa soma evoluiu para 3 mil milhões de euros. Fazendo umas contas ao contrário, e se entendermos que o dinheiro inicial dos depósitos, rodou 100 vezes (o que é elogioso porque a média da rotação é de 40, 50 vezes) isso quer dizer que foi incorporado no processo uma irrealidade (ou uma virtualidade pura) de 3 mil milhões de euros menos 1%, ou seja, 2.700 milhões de euros.

Se quisermos ser mais correctos podemos dizer que tendo rodado a média (40/50 vezes) a percentagem de virtualidade se reduz a metade e que em vez de haver um virtual puro de 2.700 milhões de euros há um virtual puro de 2.400 milhões de euros, sendo que o real de partida (depósitos) será no primeiro caso de 300 milhões de euros e de 600 milhões de euros no segundo caso.

Ou seja, em qualquer dos casos, em vez do milagre da multiplicação dos pães assiste-se ao milagre da microscopização dos pães: os iniciais mil euros com que começamos as nossas contas «valem» agora 1% ou 2% de si mesmos, ou seja, 10 ou 20 euros, tendo levado assim uma «dentada» de 990 euros ou 980,00 euros.

É claro que os senhores de olhos azuis não conseguiriam fazer isso se não contassem com a tradicional sofreguidão dos aplicadores de capitais entre os quais se encontram muitas instituições públicas (aqui em Portugal o Fundo da Segurança Social do Estado tinha num destes bancos 450 milhões de euros aplicados, que ao que parece levantou a tempo).

Por outro lado uma parte substancial das empresas públicas, e privadas, com capitais a disponibilizar por períodos curtos ou longos segundo as capitalizações (lucros) e os investimentos terão de vir um dia à luz do dia, e para já a recente redução dos lucros apresentados na sua maioria resulta da perda de capitais investidos em larga percentagem e numa parte bem mais pequena das reduções da procura e da disponibilidade financeira das famílias.
 
Por outro lado, essas aplicações estão a contar como capital (património) pelo valor corrente do mercado que ninguém sabe onde vai parar em termos de descida daqui a dias ou meses.

Ora, numa altura em que se pode considerar que os implicados nesta mega fraude varrem muitos quadrantes, de forma activa ou passiva (a este passivo eu chamo ganância e / ou ignorância) é muito cedo para andar a deitar todas as culpas sobre o branco, embora fique sempre bem o apelo à unidade, isto porque amanhã ou depois vai ficar-se a saber que a culpa é do branco, do preto, do amarelo e das mais cores que se forem arranjando.

Até aqueles (brancos, pretos, amarelos, etc.) que nada têm, ou que têm muito pouco, têm culpa porque deixaram nas mãos de meia dúzia de parolos a gestão dos seus destinos.
 

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