sexta-feira, 22 de maio de 2015

Valores reais - Texto de Daniel Teixeira


Valores reais


Texto de Daniel Teixeira

Este titulo e uma parte do texto / argumento é «emprestado» pela nossa amiga e colaboradora do Jornal Raizonline, Renata Rimet, residente na Baía (desculpem lá escrever à portuguesa) e que tem um poema precisamente com este titulo colocado de forma poetizada.

Peço desculpa de não ir agora ver qual a forma exacta utilizada por ela mas esse poema foi publicado no jornal e o que me interessa aqui (para além de plagiar pelo menos parte do título e a ideia de parte do seu conteúdo) é fazer a destrinça que ela faz no seu poema de uma forma mais alongada.

Como sabem não sou poeta nem sintético: poeta gostaria de ser mas ser sintético / sumarizador já é outra coisa e francamente não vou mudar, provavelmente nunca.

O poema da Renata retrata um assalto a um autocarro (não me lembro como se diz no Brasil e estou mesmo atrasado neste texto e não dá para andar a fazer pesquisa - aliás tenho horror ao termo, parece-me que é ónibus...

Bem, continuando: no referido assalto o autor do mesmo não leva nada dos valores que quer, mas rouba, segundo a Renata - e com toda a razão - sentimentos às pessoas. Intimidade exposta (quer dizer aquelas coisas que por vezes se levam nas malas ou nas algibeiras ou nas mochilas e que fazem parte da nossa intimidade e que não gostamos que os outros vejam), devassa dos nossos pertences (algumas coisas compradas nos chineses aqui em Portugal, por exemplo e que são conotadas com a penúria pessoal por as termos comprado, o que é paradoxal, mas já veremos isso).

Bem, o que está em causa na descrição poética da Renata é o facto de uma determinada atitude ou comportamento (neste caso um assalto à mão armada ainda por cima) trazer prejuízo a quem o sofre mesmo que não traga, como não traz, vantagem ao outro ou ao criminoso - neste caso.

Pois por mais estranho que lhes possa parecer e tomando a posição do outro (sem crime como é claro) eu posso não obter nada do que quero, retirar (comprando) a outro algo, mas, por uma posição de escala de valores isso não me servir para nada ou para muito pouco.

Se fizerem uma viagem com os olhos - não precisam mexer-se do sofá - verão à vossa volta pelo menos dezenas de coisas que não servem absolutamente de nada e nem sequer já para regalo da vista, como foi o caso daquele pote chinês que se comprou quase compulsivamente num dado dia, que se adorou durante uma semana ou um mês e que acabou por ser arquivado no nosso circuito de atenção.

Pois a sociedade de consumo é assim: as coisas são compradas (e não roubadas (!); a Renata aqui entra de férias neste texto) muitas vezes por impulso. A nossa necessidade natural de novidade, de ver ou fazer diferente, é excessivamente explorada pela nossa envolvência, seja ela comercial ou não.

Depois existe também uma tendência também quase natural para seguir e por vezes perseguir o outro: na minha infância por exemplo lembro-me bem que as coisas desejadas, mesmo de melhor qualidade, se enquadravam quase sempre no necessário: quer dizer, comprar uma mobília ou um colchão melhor, um sofá, uma televisão com um ecrã maior (naquele tempo - agora é com maior fidelidade de imagem), enfim...mesmo que já houvesse uma descolagem do reino do aperfeiçoamento do necessário ameaçando a descambada no supérfluo, ainda havia uma relação com a base que se foi depois afastando progressivamente. Agora andamos constantemente de avião, neste plano...

Perseguir o outro foi a fase seguinte à fase primitiva: começámos a desejar não só o que nos fazia falta como começámos também a desejar o que fazia falta aos outros (vizinhos, familiares, meros conhecidos e os meros desconhecidos que colocavam coisas nas montras - todas elas apetitosas diga-se).

Ficámos assim despojados dos valores reais, dos reais valores, com os quais ainda temos alguma ligação que muitas vezes falseamos oportunistamente: uma coisa não nos faz falta mas dentro das caves do nosso raciocínio encontramos presto para ela uma «utilidade». Esta estante ficava mesmo a matar ao lado da outra que temos naquela nossa cave onde só vamos duas vezes por ano para borrifar o insecticida.

Breve...temos, de uma forma geral, e descrita de forma exagerada como se requer, uma necessidade grande de «comprar», de ter novo ou diferente...
Ora, sem que isto se aplique senão de forma abstracta, porque razão não direccionamos nós esta forma de desejar para aquilo que mesmo sendo considerado por vezes supérfluo, faz de facto também falta, como a cultura (?) ...

Porque aceitamos (generalizo de novo) melhor um novo modelo de automóvel do que um filme bom? (que até sai bem mais barato...).

Bem, no fundo todos sabemos porquê: é mais fácil encontrar um plasma numa casa relativamente degradada do que uma estante de livros: um é um símbolo de poder o outro é um símbolo do saber e o saber já não se usa. Usa-se a esperteza e essa compra plasmas, carros ultimo modelo e tudo o resto.

Por isso (mas não só por isso) estamos como estamos um pouco por todos os lados deste nosso planeta. A esperteza no entanto é um «bem» de carreira curta, sempre o foi e os espertos nunca acreditaram nisso e ainda não acreditam.

Daniel Teixeira




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