quinta-feira, 21 de maio de 2015

Eu e fulana - Conto (Humor) de Daniel Teixeira


Eu e fulana

Conto (Humor) de Daniel Teixeira

Este título precisa de ser explicado porque podem aparecer várias opiniões sobre o facto dele ser como é, o título. Quando se diz fulana (ou fulano) embora nunca se consiga esconder o factor depreciativo, pode estar a querer dizer-se que se trata de alguém cujo nome não queremos, por razões diversas, escrever por explicado explícito.

Numa conversa de rua, por exemplo, e quando vão passando diversas pessoas nas proximidades, pode-se utilizar o termo (fulana ou fulano) para esconder a identidade da pessoa de quem se está a falar, porque não é conveniente que essa identidade seja declarada, mesmo que não se saiba se as pessoas que vão passando à nossa volta estão (pela notoriedade dela) ou estariam (pelo teor da conversa) sim ou não interessadas em saber do que ou de quem se está a falar.

O meu caso, e isto desde logo porque não interessa muito estar a consumir tempo e espaço, é diferente: escrevi fulana porque a mulher (senhora) tinha (e deve ter ainda) um nome horrível.

A mulher do Afonso Henriques chamava-se Urraca e, com todo o respeito patriótico que me é exigido, devo dizer que eu não casava com uma mulher com um nome destes: eu sei que o amor é cego e etc. mas desculpem-me todas as Urracas deste mundo mas comigo não contem...nem as Urracas nem aquelas cujo nome seja igual à que eu agora chamo de fulana. E mais uns quantos nomes, mas isso agora não vem ao caso...

Por mais depreciativo que possa parecer, o termo fulana está milhas acima do nome daquela mulher (senhora). E a coisa era assim, avançando eu na descrição da minha relação com fulana.

Vivíamos próximo, numa daquelas ruas com casas térreas quase todas iguais e eu de vez em quando era solicitado pela Dª Fulana (é melhor meter maiúscula!) para desenrascar coisinhas daquelas que levam meses a ser resolvidas por um sempre assoberbado profissional de qualquer métier relacionado com a domus, desde o parafuso na fechadura até ao candelabro do sec. XVIII.

A coisa ia bem, razoavelmente bem: as solicitações da Dª Fulana, que só era Dona porque era de boas famílias mas que em teoria deveria ser Menina, embora fossem frequentes, essas solicitações, atingiam uma regularidade mensal por mim considerada razoável: uma média de dois parafusos e uma lâmpada chama por mês ou uma de casquilho grosso ocasionalmente, mas factores exteriores ao nosso relacionamento semi-profissional (sou amador, eu) vieram conturbar uma relação que tendia a estender-se até às nossas respectivas covas (a dela primeiro que a minha segundo a lei das probabilidades).

A Dª Fulana arranjou um namorado, um espertalhão, na minha opinião, que tinha como fito declarado na cara sugar-lhe os tostanitos e metê-la daí a anos num Lar da Misericórdia se não optasse por dar à sola quando a coisa estivesse mais para lá do que para cá.

Ora, a minha intimidade com a Dª Fulana (cujo nome real eu era obrigado a dizer pelo menos uma vez quando batia à sua porta), era daquelas intimidades tipo paternais.

Embora eu fosse (e sou) bastante mais novo que ela eu era o pai dela nas questões que metiam parafusos, porcas, lâmpadas, tomadas, peras e nalguns cuidados especiais quando começaram a aparecer na casa dela as novas tecnologias como o micro-ondas, o DVD, a televisão por cabo, etc.

Ora, nestas coisas, como o seu namoro, eu não deveria nunca meter a colher, e não meti e esse terá sido o meu grande erro. Ora o homem era o que era e ela era maior e vacinada e pergunto a qualquer leitor imparcial se eu não procedi bem...é claro que procedi! O homem não tinha fusíveis, nem termóstato, nem comando electrónico porque razão eu me deveria meter!?

Por outro lado, e já disse isto acima, o amor é louco e etc. e ela sabia ou deveria saber bem as linhas com que se cosia. Ser solteirona não é certificado universitário de imbecilidade para ninguém...

Como já devem ter calculado, o gajo, por artes e engenhos vários, foi-lhe sacando aos bochechos o dinheirinho que ela tinha no banco e pirou-se em seis meses e isto ao ponto dela nem sequer ter disponibilidade para comprar as lâmpadas e os parafusos que eu continuava a substituir-lhe em casa.

O micro-ondas deu o bafo, a televisão por cabo foi-lhe cortada, e lá tivemos de regressar ao velho sistema da antena no telhado com acesso a 4 canais com os riscos que isso voltou a comportar para mim obrigando-me a constantes subidas e descidas ao telhado para acertar a imagem.

Quando a coisa começou a tornar-se incomportável para mim (ela já me devia seis lâmpadas - três chama e três de casquilho grosso - uma antena nova e o preenchimento de uma declaração de IRS com multa) eu tive de lhe dizer:"Ó Dª Fulana!!! O barco vai titanicando e a este ritmo não há Céline Dion que nos safe!!" fui então surpreendido pela surpreendente resposta.

"A culpa é sua!! Você sabia muito bem que o fulano (chamava-se Góis!) me ia levar à penúria e não me avisou de nada!!"

Daniel Teixeira



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