quinta-feira, 21 de maio de 2015

O drama verde de Roberta - Conto (Humor) de Daniel Teixeira


O drama verde de Roberta

Conto (Humor) de Daniel Teixeira

Uma vez que me parece que gostam de histórias aqui vai uma que não é especialmente de Natal embora se passe também no Natal. O ano, como todos sabem, tem 365/366 dias, dentro dos quais está compreendido o período de Natal e esta história passa-se durante todos os ainda curtos anos de vida desta menina de que eu vos vou falar.

Exactamente quantos Natais se tinham passado na vida desta menina na altura em que me contaram a história não sei exactamente, mas, para jogar pelo seguro, vou escrever que se tinham passado à volta de dez anos (dá para menos e dá para mais nesta proximidade decadal).

Pois bem, a Roberta; um nome como outro qualquer mas com conotações especiais neste caso porque o seu pai se chamava Roberto o que faz pressupor ao mais imparcial observador e desde logo uma razoável dose de egocentrismo da parte do pai, tinha, a Roberta, filha do senhor Roberto e da senhora Maria das Dores ( aqui começo a ter a impressão que a escolha do nome Roberta como opção não foi de todo infeliz ) tinha, esta menina um problema familiarmente grave que se resumia - "resumia" para nós que não vivemos o problema - ao facto de ela não gostar de ervilhas.

Nada de grave (!!), dirão e com bastante razão porque não conhecem o resto da história. Na verdade existem milhares ou pelo menos centenas de substitutos para a ervilha e está provado que se pode viver perfeitamente sem comer ervilhas.

Mas os pais da Roberta gostavam de ervilhas e tinham a certeza de que a Roberta também gostava de ervilhas.

Ela, por simpatia e para não desgostar os ainda não muito velhos pais, nada dizia. O drama para a Roberta corria numa frequência considerada razoável numa família normal, arranjando ela as desculpas usuais para se escapar da mesa em dia de ervilhas.

Deveria ter dito que não gostava de ervilhas, é certo, mas quantos de nós não gostamos de uma dada coisa e, por delicadeza ou para não ferir sentimentos, e quando se trata de comida, somos até capazes dessa hipocrisia suprema que é dizer que essa coisa de que não gostamos (ou que odiamos mesmo ) e que somos obrigados a comer em casa de amigos "estava óptima" etc. etc. e que, para não dar muita pomada, afirmamos que com um bocadinho mais de noz moscada ainda ficava melhor?!

O cúmulo, que é o que algumas mulheres sobretudo, mas mulheres ou homens, sem coração, fazem, é segredar ainda a super hipócrita frase: " tens de me dar a receita!!" O ser humano é verdadeiramente esquisito, digo-vos eu, mas isso pode ser dito por qualquer um de nós e não implica qualquer esforço suplementar.

Pois bem, o rame rame sacrificial da Roberta foi cortado por um acontecimento inesperado por ela mas há muito desejado secretamente tanto pela sua mãe como pelo seu pai.

Houve, um dia, um saldo extraordinário numa grande cadeia de supermercados e os pais da Roberta resolveram atacar a arca congeladora preenchendo-a de sacos de quilo de ervilhas (congeladas como não podia deixar de ser ).

A Roberta assistiu ao transporte de cerca de 100 kilos de ervilhas do carro para a arca com um sorriso nos lábios ( era boa mocinha, a Roberta ), ajudou inclusivamente ao descarregamento e era ver as suas mãozinhas enternecidas, enrubescidas e enregeladas pelo contacto com o plástico trazerem os sacos e virem colocá-los alinhados dentro da arca.

Ao mesmo tempo um observador mais atento ( que neste caso foi o narrador da história ) poderia ver as lágrimas brotarem dos seus lindos olhos azuis e correr-lhe pela face.

Mas sem um sinal sequer de contrariedade ou de revolta. Amor de filho é assim. Ao deitar deu o usual beijo aos pais e eles nem se aperceberam que ela nessa noite se chegava mais a eles no abraço, e que ela lhes acarinhava docemente o cabelo, fazendo correr as suas mãozinhas pelos fios onde ia depositando grossos bagos de lágrimas.

E, sem dizer mais nada, durante a noite abandonou o lar.

Tinha então cerca de doze anos a Roberta e os pais nunca mais souberam nada dela. Nem um telefonema, nem uma carta, apesar da pobre e dolorida mãe quase sempre ir apanhar o carteiro na estrada tanta era a sua esperança...

A história é um pouco mais triste ainda porque o Roberto e a Dona Maria das Dores nunca mais entraram no quarto da Roberta e, carinhosamente ( como só os pais sabem fazer ), com os olhos vermelhos de tanto chorar todos os dias tanto tempo, serviam sempre um prato que colocavam no lugar que antes a Roberta ocupava na mesa.

Com alguma frequência eram ervilhas...

Daniel Teixeira




Sem comentários:

Enviar um comentário