sábado, 13 de outubro de 2012

COLUNA UM - A Política Comum e a Fome

 
 
COLUNA UM -  A Política Comum e a Fome
 
 As diversas Pac's (políticas agrícolas comuns) que têm tido lugar ao longo dos anos, antes e depois da entrada de Portugal na então C.E.E., caracterizam-se por diversos aspectos convergentes e divergentes deste que vamos referir em concreto mas, esta sua multiplicidade díspar de forças não anula nem fere o princípio basilar das coisas: tratava-se e trata-se ainda de criar e fomentar dentro das fronteiras europeias a auto-suficiência europeia em termos alimentares, coisa louvável, diga-se de passagem.
 
 Muito antes desta denominação rebuscada (PAC. Nova Pac e o que mais que se verá) todos os países agora pertencentes de uma forma ou de outra à U.E. (com euro e sem euro) procuraram afanosamente dentro das suas fronteiras não comuns atingir esse utópico objectivo em quase todos os campos: ser auto-suficientes ou caminhar para isso em termos alimentares, em termos energéticos, em termos tecnológicos, em termos de mão de obra, enfim...em termos de tudo incluindo o tratamento de resíduos sólidos, líquidos e gasosos.
 
O ser humano, muito antes disto, antes de existirem a Comunidade Europeia e os países, as cidades e as vilas e mesmo as casas em pedra ou em tijolo tinha a mesma ambição (não passar muita fome ou nenhuma, sumariamente) e ainda tinha tempo (segundo rezam os antropólogos com maior ou menor aldrabice) para se dedicar a fazer preces pintadas em cavernas para que o boi, bisonte ou suíno da altura fossem fartos na passagem à sua frente e os seus braços certeiros na pedrada, na cacetada ou na frechada.
 
As diferenças entre os primeiros homens, descendam eles ou não do símio, e os burocratas da C. Europeia é apenas uma diferença de dimensão, de vestimentas, de hábitos alimentares e de mordomias, que, na sua relação com os tempos decorridos, os tais milhões de anos ou milhares segundo os calendários religiosos, até podem em rigor ser comparáveis. Um casaco de pele de ovelha a tresandar (suponho) valeria ou poderia valer na altura em termos relativos, tanto quanto a mais in bruxelense fatiota com carimbo actualmente.
 
Mas, sem nos afastarmos da questão, e criado o cenário deste teatro universal para onde fomos jogados, os processos, contrariamente ao que se diz, repetem-se, cabulam-se (colam-se como dizem os brasileiros ou fazem copy past como se diz agora) como se pode verificar mais uma vez.
 
A ambição da Politica Agrícola Comum é o mesmo que a ambição da política energética comum, da política financeira comum e de tudo aquilo que possa entrar nesta denominação de comunidade: desejar para uma multiplicidade de pessoas aquilo que o homem das cavernas desejava para si mesmo, para a sua prole, para a sua tribo e por aí adiante.
 
Os meios ou a estratégia utilizada também não diferem senão na dimensão assim como não vai diferindo a reacção das pessoas quando confrontadas perante possibilidades pouco desejadas ou nada desejadas. Um pouco por toda a Europa (e pelo mundo em geral) tenta-se gerir a escassez que existe e aquela que se prevê: a mesa farta ao visitante é primeiro menos farta, a seguir escassa e por último nula. É aquilo a que se chama pejorativamente de «cada um por si».
 
Nem temos de estranhar que assim seja, ou que assim venha a ser: ainda que inseridos em estruturas mediaticamente cobertas, a fronteira entre o «cada um por si» e o cavalheiresco «um por todos e todos por um» sendo metaforicamente interessante nunca foi uma evidência senão em termos «legislativos».
 
O afã escrevinhador dos burocratas foi e é um mero escrevinhar...uma bolsa de valores abstractos que caminhará progressivamente para uma cada vez maior rotura com a realidade que nunca espelhou.
 
Entretanto e em vez de se terem atenuado as potenciais fontes de conflito a própria dinâmica dos processos de rentabilização levou ao seu agudizar: quem cultivava e pouco colhia e quem produzia e pouco produzia e quem lucrava e pouco lucrava teve de ceder o seu lugar, normalmente por via indemnizatória mas a maior parte por sumário afogamento, àqueles que os ultrapassavam desde logo e àqueles que os iam ultrapassando à posteriori.
 
A concentração das actividades produtivas no sector primário, nas transformadoras e no terciário, sendo muito interessante em termos estatísticos criaram uma «pirâmide» quase quadrada que se foi afunilando cada vez mais na base e só se mantém de pé com escoras.
 
Mais que «reinventar» o sistema capitalista, como diz o Presidente francês, é preciso primeiro reparar as asneiras que ele mesmo construiu ao longo destes tempos. Recompor estruturas abandonadas, descentralizar as actividades e as produções, fomentar em suma a arte e o engenho que nos têm mantido à tona nestes milhões de anos todos: em suma, trata-se de «desartificializar» o que é natural, mesmo que isso custe alguns dos faustosos salários que pagámos e vamos pagando para chegar a este beco de saída cada vez mais estreita.
 
Temos sido «lixados», temos pago por isso...é justo exigir que agora arranjem o que estragaram!

Daniel Teixeira
 
Publicada pela primeira vez no Jornal Raizonline nº 8 em Fevereiro de 2009
 
 
 

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