terça-feira, 23 de outubro de 2012

COLUNA UM - Os catadores e a informalidade

 

COLUNA UM - Os catadores e a informalidade
 
Toda a sociedade tem os seus problemas e isto parece e em certo sentido é um chavão consumível pelas consciências quando alertadas. A figura do catador como elemento indispensável à sociedade e à ecologia através da sua participação na actividade de reciclagem tem sido de alguma forma explorada como elemento mítico motor da sua aceitação pelas sociedades sobretudo latino americanas e têm-se feito vários documentários, em boa hora premiados tanto pelo tema que desenvolvem como pela qualidade dos trabalhos.
 
Para europeus como nós em cuja sociedade o fenómeno não tem reflexo significativo é sempre com algum espanto que se assiste ao impacto da questão e, em todo o sentido, se vê com alguma estranheza quase «folclórica» o Presidente do Brasil receber as insígnias dos catadores e se assiste, para além daquilo que poderia ser considerado normal à profusão de trabalhos de reportagem ou artísticos sobre os diversos catadores da América latina (pepenadores, cartoneros, cirujas, clasificadores, buceadores, guajeros, minadores, catadores, thawis, barequeros e um infinito número de denominações de acordo com o local onde trabalham).
Tentamos, pelo menos tentamos, compreender a importância do fenómeno e a realidade estudada com que nos deparamos sendo complexa e motivo de várias opiniões ajusta-se no entanto ao nosso conhecimento comum. Sem nos querermos deter nos catadores e na infinidade de nomes que lhes é dada por toda a América Latina acabamos por verificar números que são relativamente assustadores até num país como Portugal que está, como se sabe, na cauda da Europa em termos económicos.
 

 
A ilação que se pode tirar desde logo pode ser esta: se no caso, português, em que o diferencial de economias é mais reduzido em relação aos restantes países da Europa e logo mais próxima dos sistemas económicas sul-americanos, porque razão temos nós de ver com estranheza tamanha a situação dessa informalidade económica nos países sul-americanos?
 
 Bem, antes de mais, não devem haver muitos portugueses que conheçam o Brasil real: para nós é a terra dos futebolistas famosos (e bons na sua generalidade), das telenovelas que mostram os grandes empresários dirigindo as suas empresas com secretárias vazias de papelada e a cabeça cheia de romances ou imbricados problemas familiares e salvem-se algumas que nos foram trazidas pelas adaptações das obras de Jorge Amado...o Brasil dos catadores é assim como que uma outra galáxia que nos surpreende.
 
Contudo está tudo escrito, há dezenas ou mesmo centenas de trabalhos sobre a economia dita informal de sobrevivência, os números estão lá espelhados, é só preciso procurar que se encontra. Por exemplo, Martín Medina, tem o título de doutor em estudos ambientais da Universidade de Yale e é pesquisador no Colegio de la Frontera Norte, em Tijuana, México, e tem estudado catadores de lixo em países do mundo inteiro.
 
As razões que o levam a afirmar que os catadores não são um problema que é preciso eliminar prendem-se seguramente com o sólido conhecimento que tem do problema, facto esse que o leva a considerar pouco relevante os factores de distúrbio social do catador minimizando-os sumariamente: é verdade, diz, que os catadores podem causar alguns inconvenientes, como abrir sacos de lixo e espalhar seu conteúdo pelas ruas. Trabalhar em depósitos de lixo apresenta sérios riscos de saúde dos catadores (e da restante sociedade, acrescentamos nós). Na maioria dos casos as políticas repressivas, onde elas existem ou são praticadas, diminuem a renda dos catadores e agravam suas condições de vida. Se as autoridades desejam reduzir a pobreza, não devem perseguir os catadores.
 
Evidente que ninguém está interessado, pensamos nós, em utilizar políticas repressivas para resolver problemas sociais graves, mas dizer que os catadores não são um problema a eliminar parece-nos pelo menos descabida como afirmação resultante de tal curriculum. Os catadores, e todos os pobres de Deus, são mesmo para eliminar, inserindo-os em actividades de economia não - informal, o que aliás é feito com os catadores, ainda que de forma ténue e insuficiente.
 
O problema contudo é bastante grave nos países da América latina: a economia informal, na qual se inserem os catadores na sua medida, representa por exemplo qualquer coisa como 60% das horas trabalhadas no Peru, metade de todos os empregos no México, paga 40% dos salários na Argentina, e envolve mais brasileiros do que o total empregado no sector formal e no sector público. Ora, com números destes é relativamente difícil fazer sugestões que possam resultar.
 
De facto, e como se diz noutro texto que recolhemos a prosperidade não chega à América Latina porque uma economia onde a maioria das pessoas é forçada a fazer negócios fora da protecção da lei com um terço da produtividade dos que estão dentro do sistema estará sempre condenada a baixas taxas de crescimento real, a uma disparidade cada vez maior de riqueza, e ressentimento social.
 


 
Embora todas as nações possuam economia informal, nos países ricos ela representa na média uns 15% do total de bens e serviços produzidos, enquanto em economias sub - desenvolvidas esta cifra chega em pelo menos um terço de toda a produção. Ora, como comparação relativa entre a economia informal no seu todo e a importância dos catadores no Brasil recolhemos as palavras da assistente social Maria Alice Erthal que ressalta desta forma a importância do trabalho que os colectores fazem em Curitiba. «A maioria do lixo reciclável produzido na nossa cidade está na mão de vocês. Os colectores de Curitiba colectam cinco vezes mais do que o caminhão». Não era para ser ao contrário ? E o que acontece ao lixo não -reciclável, quer dizer àquele que não é comercializável, o chamado lixo (ainda mais) sujo?
 
Bem, acontece mais ou menos isto, citando Maria Helena de Andrade Orth, Engenheira química, que tem um curso de mestrado em Engenharia química e meio ambiente, que é Presidente da Associação Brasileira de Limpeza Pública e Resíduos Sólidos – ABLP, que é Ex-secretária de Serviços da Prefeitura do Município de São Paulo, Ex-gerente do programa de Resíduos Sólidos da CETESB – Companhia de Tecnologia e Saneamento Ambiental do Estado de São Paulo e por último é Presidente da Proema Engenharia e Serviços Ltda.
 
Como exemplo, cita-se a colecta selectiva praticada na comunidade Europeia, em especial na região da Bavaria (Alemanha) e na região Metropolitana de Barcelona (Espanha) onde 10% dos resíduos urbanos colectados são reciclados e na Região Metropolitana de São Paulo - RMSP (Brasil) onde a reciclagem não alcança 1% dos resíduos urbanos colectados. Na RMSP localiza-se seu maior município, a cidade de São Paulo (10.434,252 habitantes/ 2002) onde somente 0,7% de resíduos são reciclados em relação ao total de 9.000 toneladas/dia (2005) de resíduos colectados.
 
De esclarecer, em relação ao que se disse sobre Curitiba acima, que se trata aqui da totalidade dos resíduos (recicláveis e não recicláveis); que os números de S. Paulo são esclarecedores para análise do diferencial entre resíduos potencialmente recicláveis e resíduos não recicláveis (incineráveis) : mesmo supondo que na Baviera e em Barcelona as percentagens de resíduos reciclados possa não corresponder à percentagem de resíduos potencialmente recicláveis a performance da Região Metropolitana de S. Paulo e de S. Paulo em si é esclarecedora (1/10) o que nos pode fazer pensar, pelo menos pensar, que o não reciclável seja, dentro desta pobreza, pelo menos de igual sorte se não for (como nos parece evidente dado o seu nulo interesse comercial) ainda pior.
 
Compreende-se o problema social da sociedade brasileira e o problema dos catadores por isso é de aplaudir que cerca de 10 mil catadores de papel sejam capacitados e recebam apoio técnico por meio de convénio firmado entre a Fundação Banco do Brasil (FBB) e o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), para fazerem frente à crise, diga-se, como se eles não estivessem desde sempre em crise e não tivessem de trabalhar num sector em que aplicar-lhe o termo crítico para o definir nos parece muito pouco.
 
Estranha sociedade a nossa...
 
Daniel Teixeira
 
Publicado pela primeira vez no Jornal Raizonline nº 9 de Fevereiro de 2009
 
 
 



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