sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

A visita - Conto de Daniel Teixeira

 
A visita - Conto de Daniel Teixeira
 
O homem que eu procurava era muito magro, disse-me a Ana quando me indicou a casa dele, e parecia estar muito doente, acrescentou. Sim, devia estar, foi só o que disse à Ana mas a Helena quando me falou que eu devia ir visitá-lo tinha referido em voz muito baixa e comovida que ele devia estar muito doente, em final de vida, pensava ela.
 
Exilara-se para ali para estar em paz consigo mesmo e a sós consigo mesmo e quando ela lhe telefonara ele dissera-lhe que não queria que ela, a Helena, fosse lá a sua casa. Talvez não quisesse que a filha o visse assim, acho eu mas a mim recebeu-me bem quando lhe disse que ia a mandado da Helena. 
 
Talvez fosse por isso que eu via ali nele, perante mim, um alheamento, uma indiferença, um  olhar vago, um olhar que queria dizer que agora tanto se lhe dava que o visitassem ou não.
 
A Helena devia ter percebido que ele lhe tinha dito para não o visitar querendo que ela fosse lá vê-lo, porque é assim que as coisas se passam muitas vezes, ele não queria que ela o visse mas queria vê-la a ela, queria despedir-se dela, dizer-lhe adeus ou para sempre ou até um dia.
 
Depois foi pouco mais que um minuto o tempo que esteve comigo, nem sei ao certo mas foi tudo muito rápido.Talvez tivesse  muita coisa em que pensar, pensei eu, as pessoas quando estão a morrer vêm todo o seu passado e um passado com muitos anos tem de ser repensado em muito menos tempo. Só há aquele tempo que resta para repensar tudo, ou as coisas mais importantes, talvez seja só isso, só se deve pensar nas coisas mais importantes.
 
Eu não sabia quanto tempo ele teria de vida, nem a Helena sabia, acho que ninguém podia saber nem mesmo ele, o homem que ia morrer brevemente.
 
A vida quando acaba, acaba mesmo, pode levar algum tempo a acabar, minutos, horas ou mesmo dias, mas nunca dá tempo a que se saiba antes, nunca há tempo para que se saiba quando se entra no caminho sem regresso e quando se está no caminho sem regresso e quanto tempo leva a percorrer todo o caminho sem regresso.
 
Eu não sabia se o homem magro e doente queria viver mais, isso também não sabia, nem na curta conversa que tive com ele pude aperceber-me disso, não deu mesmo tempo, nem essas coisas se mostram logo ao primeiro encontro nem provavelmente numa sucessão de encontros e de conversas.
 
Querer ou não querer morrer é uma coisa que não se mostra, acho eu, é uma coisa íntima. E o homem que estava a morrer nem quis que eu o ajudasse se precisasse de alguma coisa, tal como eu lhe perguntei.
 
Respondeu-me que não precisava de nada e eu vi nos seus lábios quase desaparecidos um sorriso que talvez fosse de agradecimento pela minha lembrança mas era um sorriso triste, um sorriso que talvez quisesse dizer que uma ajuda minha por grande que fosse não ia resolver nada.
 
Acho que as pessoas pensam assim, por vezes, juntam as coisas e uma pequena ajuda que se oferece conta como a tal grande ajuda de fazer recomeçar a vida noutro ponto, de retomar o caminho dela anos ou meses atrás e isso é uma coisa que ninguém pode fazer.
 
Isto se ele gostava de viver, se ele queria viver mais, há pessoas que se cansam  de viver e podia muito bem ser o caso dele e isso eu não sabia, só ele o podia saber ou talvez nem ele soubesse ao certo o que queria.
 
Saí dali com intenção de voltar no dia seguinte, foi o homem muito magro e doente que me disse para fazer isso, para voltar no dia seguinte, logo de manhã, acrescentou, e disse-me que gostaria de falar comigo, acho que ele precisava mesmo de falar com alguém, foi o que eu pensei.
 
E no dia seguinte, logo pela manhã conforme ele dissera lá estava eu e ele, com a pele escurecida, sentado numa cadeira, morto. Estava morto e tinha um sorriso ligeiro na face.
 
Afinal ele queria mesmo morrer ou não queria morrer e morreu, assim, não sei como, nem procurei saber depois.
 
Afinal eu tinha ido visitá-lo e não cheguei a conhecê-lo, quase nada, ou nada mesmo. Não fiquei a saber se ele tinha falecido porque chegara a sua hora ou se tinha morrido porque quisera.
 
Não me dizia respeito, isso, e nem procurei perguntar ao médico como se tinham passado as coisas, porque morrer é mesmo uma coisa íntima, foi uma coisa que se passou só com ele e eu nada tinha a ver com isso.
 
Daniel Teixeira
 

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