segunda-feira, 19 de agosto de 2013

O Leão, o meu amigo e eu

 
O Leão, o meu amigo e eu
 
-Eu acerto pá. Podes crer que ele não mexe mais.
-Acertas uma ova, fostes atirador especial mas isso foi no tempo da Maria Cachucha, tinham as armas de carregar pela boca acabado de sair de circulação.
-És um brincalhão...não são armas muito modernas hoje mas eram fiáveis, a gente fazia tiro a mosquitos e tudo...
-Ah, Ah! Isso é que era bom de ver, os mosquitos a partirem-se todos mas de rir. Deixa-te disso, eu não nasci ontem...já cá contam setenta e tal e a esta distância nem num elefante tu acertavas.
 
Depois se fazes o barulho com a espingarda então é que ele repara em nós e a gente já não tem pernas para fugir...estás nos oitenta, tu, não!?
-Setenta e nove, meu caro, ainda não cheguei aos oitenta.
 
O leão estava de facto logo ali, quer dizer a cerca de cem metros, com a sua calma toda, deslocando-se de um lado para o outro e sacudindo as moscas. Não nos tinha visto ou se nos tinha visto, como tinha a barriga cheia tinha achado que nem valia a pena incomodar-se.
-O que será que o gajo comeu? Parece que anda pesado, estás a ver aquela barriga toda? E é um leão não é uma leoa, com aquela barrigona também, mas que grande barrigada ele teve com certeza.
 
- Pois, se calhar é melhor a gente passar-lhe logo ao lado, não temos outro caminho e se for preciso usas tu a tua excelente pontaria quando ele estiver para aí a cinco metros de nós. Aí deves acertar, de certeza.
- Daqui mesmo eu acerto. Devias ter um pouco mais de confiança em mim. Isto de fazer tiro é como andar de bicicleta, nunca se desaprende.
 
-Isso é válido só até aos setenta anos, a partir daí perde o prazo de validade...nunca ouviste dizer? Senilidade, meu caro, lentidão nos reflexos, plasticidade reduzida. Afinal fazes parte da Associação da Terceira Idade e não sabes isso?
 
- Sei sim, mas mesmo com rapidez muscular reduzida eu só tenho de apontar e mexer o dedo do gatilho. E tenho uma vista boa...fiz operação às cataratas há pouco tempo e vejo as letras todas do cartaz lá do consultório. O médico até me disse que eu via bem demais. Não me disse mas acho que ele queria dizer que mais um pouco de falta de vista me dava jeito.
 
- Sim, ele lá tinha as suas razões, certamente. É para não andares a ver o que não deves, a moça lá do café bem me disse que tu andas a espreitar-lhe para as pernas.
- A Lita? Ah, essa miúda calhava mesmo bem agora aqui a ver-me disparar. Era tiro e queda do leão e dela.
 
- A Lita, essa miúda, como tu dizes, tem quase sessenta anos e umas pernas que são uns tocos. E dizes tu que vês bem...
- Bem, estamos aqui para falar de mulheres ou para resolvermos o nosso problema? Temos de passar aquela clareira ou voltar para trás. Na clareira está um leão, tu não queres que eu dispare. Mesmo que aches que eu não acerto pelo menos posso assustá-lo e pô-lo a fugir daqui.
 
- Os leões não fogem, não percebes nada disto. Correm em direcção a ti a quase cinquenta quilómetros à hora, mesmo com a barriga cheia e nem terás tempo de fazer pontaria de novo. Tempo terias, aqui há uns anos, mas é preciso ter calma e não nos atrapalharmos.
- Qual o problema? É só puxar a culatra atrás e voltar a disparar.
 
-Essa arma tem culatra automática, caramba. Não precisas de puxá-la atrás, ela vai e vem sozinha. A idade está a dar-te cabo do raciocínio. Por este caminho ainda vou eu falar com o leão, digo-lhe que estou acompanhado de um nabo com uma arma na mão e que tu és perigoso. Acho que ele vai compreender e deixar-nos passar.
 
-Ok! Então faz lá isso...que eu dou-te cobertura.
 
Daniel Teixeira (Série Humor Triste)
 
 

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