segunda-feira, 4 de março de 2013

Sociedades e micro problemas

 
 
Sociedades e micro problemas

 Por Daniel Teixeira
 

Ao longo da minha formação pessoal fui confrontado com a necessidade de conhecer as formas de formação das sociedades para entender melhor esta em que vivemos.
 
A antropologia cultural (aquela que não aldraba) é um dos domínios onde me movimento relativamente bem na medida em que tenho feito bastantes leituras sobre o tema e embora se dê presentemente pouca relevância a estes conhecimentos é por exemplo interessante saber-se que uma parte das concepções de hoje vêm de trabalhos realizados séculos atrás e que uma parte substancial da nossa organização social e económica, cuja origem se atribui ao ontem ou ante ontem tem na verdade muitos séculos de treino histórico.

Aliás um dos problemas grandes das sociedades actuais é por vezes não terem presente as suas origens de forma a saberem aquilo que podem implantar com maior certeza de vingar e poderem também acautelar substancialmente mais aquilo que é relativamente recente em termos de formulação para que essa força enorme que é a cultura social dos povos não venha a confrontar-se com contradições cujo alcance e objectivo não entende.

Na minha vida profissional, como jornalista, embora trabalhe pró bono, ou seja, é uma profissão por vocação mais do que uma profissão no sentido de se executar trabalho remunerado, tenho encontrado em muitos campos, de forma por mim percebida desde logo e outras vezes de forma quase automática, aplicação para muitos conceitos, filosofias, ideologias, teorias e aspectos científicos conhecidos desde longa data e conhecidos de longa ou fresca data por mim que estou convencido que me levam a melhor gerir os interesses e conceitos aparentemente contraditórios com os quais me defronto.

Trabalhando com um jornal online que pretende inserir-se no âmbito da diversidade cultural que é própria da CPLP (Países de Língua Oficial Portuguesa) não é difícil entender-se que para conjugar num campo uniforme uma diversidade geograficamente, economicamente e socialmente tão distribuída é preciso um pouco mais do que a simples boa vontade.

Temos, nós, portugueses europeus e / ou assemelhados, o triste hábito, por vezes, de nos alcandorar como fonte única e genuína da cultura portuguesa e admitirmos com alguma dificuldade a variância da sua complexidade universalista. Temos sempre mais facilidade em aceitar aquilo que «deixámos» por esse mundo fora do que temos facilidade em aceitar aquilo que «recebemos» e os exemplos são tantos que seria preciso um suplemento bem paginado para as descrever com alguma extensão aceitável.

Como exemplo, não partilho do princípio que as coisas se impõem por decreto, naquele sentido em que se contraria através de decreto (forma formal) aquilo que são os movimentos das sociedades. Partilho sim, de uma ideia com conotações um pouco esquisitas e geralmente muito pouco seguida que é o esclarecimento, o convencimento, a função pedagógica.

Se eventualmente se consegue que um decreto (visto neste sentido da sua inadaptabilidade) resulte, em grande parte ele terá pouca duração, ou haverá uma forma de contorno do mesmo que levará à sua inutilidade pelo menos parcial. Não sou contudo avesso a junções que sejam resumos unificadores escritos (em forma de decreto que seja) daquilo que já existe ou que através de uma análise se aponta como direccionado para um dado caminho.

Será a título de exemplo só o caso do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa que tanta celeuma levanta e levantaria sempre qualquer que fosse a sua forma e o conteúdo escolhido. Um acordo deste género, por menos relevante que seja no seu impacto com o mundo da lusofonia (esse mundo porque é real vai continuar o seu caminho com acordo ou sem acordo) sendo um instrumento unificador de uma língua dada (neste caso o português) é um mero instrumento técnico destinado a conjugar princípios que levem a que se construa uma melhor comunicação, isto sabendo-se que a língua tem essa função, a de comunicar.

Para quem não tem presente, as regras gramaticais de todas as línguas foram desenhadas pelo uso e unificadas para fins pedagógicos, ou seja, como instrumentos de ensino da língua. Curiosamente os primeiros gramáticos foram músicos, não porque para isso estivessem particularmente vocacionados, mas porque a metodologia da pauta (baseada em tons) era a que mais se aproximava da sua primeira componente, a fonética.

Ora – e avançando – no que se refere a um ambiente ideal para que língua portuguesa tivesse uma plataforma ideal para se encontrar pacificamente necessário seria que as condições económicas, sociais e políticas deste largo espectro fossem convergentes em mais aspectos do que aqueles em que o são.
 
Tal sendo impossível – as sociedade existem e movem-se para além deste (para elas simples / básico) facto da língua portuguesa – trata-se assim de arranjar uma plataforma mínima de convergência que acabe afinal por ser uma média abstractamente considerada das diversas diversidades linguísticas, económicas, sociais e culturais.

Ora tendo eu oportunidade de estar pelo menos minimamente informado das realidades dos diversos países que falam melhor ou pior o português, também tenho de ter em atenção as necessidades próprias das suas próprias evoluções.

Só como exemplo complementar, fala-se agora muito dos trabalhadores das diversas organizações de ajuda internacional, algumas vezes referidas como Ong’s mas também como organizações Institucionais relacionadas quer com a ONU quer com as suas sub - organizações dela dependentes directamente ou por ela comparticipadas.
 
Esses trabalhadores dessas organizações têm sido vítimas, mais nestes últimos anos do que em períodos anteriores, de violência que algumas vezes acaba na morte de alguns deles em zonas inclusivamente consideradas de pouco risco.

Pois bem, embora não descure a gravidade da situação e das outras componentes culturais em jogo, tenho sempre pensado que é devido a dificuldades de comunicação que algumas destas coisas acontecem, isto sem fazer referência àqueles trabalhadores que exercem a sua actividade em zonas de risco e guerra, onde os acontecimentos a terem lugar, são quase um acontecimento com graus de probabilidade de ter lugar acrescidos porque neste caso não se vive em campo diplomático mas sim no campo do braço armado da diplomacia que é a guerra.

Mas como disse as sociedades, por mais diversificadas que sejam, têm alguns pontos comuns: se em Moçambique se queimaram, por exemplo, trabalhadores de uma Ong que distribuía redes de mosquiteiro contra a malária, porque alegadamente, e no entender popular, eles difundiam a malária, ao mesmo tempo – e tenho de falar de novo de Moçambique – nas zonas urbanas, os centros de tratamento e aconselhamento de doentes com HIV / Sida têm tido dificuldade em implantar-se porque são rejeitados pelas populações circunvizinhas.

Nada que não tenha acontecido aqui em Portugal, não de uma forma tão exuberante, em termos de movimentações populares e de gravidade, mas de facto durante os meus tempos de jornalismo escrito, tendo seguido uma parte desses processos encontrei em muita respostas que recebia a mesma questão de rejeição.
 
Em entrevistas, que efectuei várias, ao Dr. João Goulão, então Director da Delegação do Instituto da Droga e da Toxicodependência no Algarve e agora Presidente do mesmo Instituto (IDT) a nível nacional o problema era o mesmo ainda que mais polidamente discutido. A vizinhança dos postos de toma de metadona não agradava…e não agrada.

Ora, as sociedades são organizadas de forma diversa, têm condições económicas e sociais diferentes, mas os problemas podem ser os mesmos ou parecidos. E é esta plataforma aqui mostrada na sua forma negativa que existe também na sua forma positiva e o caso que referi acima do Acordo Ortográfico é de certa forma um exemplo de existem seguramente pontos de acordo que é possível explorar e que existem pontos de desacordo que pode ser possível gerir.

Assim, por mais diferentes que sejam os graus de potencialidade económica, a diferenciação social e cultural há pontos de convergência que «apenas» é preciso detectar.

Já no que se refere a tecnologias, parece-me evidente que as sociedades se concentram naquelas soluções que mais ao seu alcance estão e quando refiro alcance não me limito a frisar o seu aspecto do custo financeiro. Claude Levy Strauss num dos seus paradigmáticos livros, Tristes Trópicos, faz uma abordagem com de cerca de 50 anos de distanciamento e refere factos que para mim me parecem de todo absurdos terem tido lugar: uma parte substancial dos índios Tupi (etnia índia dominante no Brasil) foram contemplados com apetrechos técnicos e tecnológicos nos anos 30/40 que para eles não tinham nenhum significado, desde cafeteiras a máquinas de costura.

Ora passados esses cerca de 50 anos o antropólogo vai encontrar aquilo que seria desde logo expectável, quase nada, materiais enferrujados (nomeadamente cafeteiras de café) que teve de negociar para obter e peças soltas de outros objectos cuja origem era já difícil detectar. Assim, parece-me claro que se as tecnologias evoluem, existem estádios para que elas sejam aplicadas.
 
Só como exemplo desta disparidade o ferro de engomar eléctrico doméstico foi inventado (1882) antes da generalização pelo menos mínima do fornecimento da energia eléctrica em meios urbanos desenvolvidos. Posteriormente a electrificação, pelo menos em Portugal, só foi considerada próxima da totalidade de cobertura nacional nos anos 90 do sec. passado. Assim, e pegando nesta história e aplicando-a à língua portuguesa nos seus diversos aspectos, temos mais de 100 anos de «ferro eléctrico» verbal entre o seu aparecimento e a sua implantação mais próxima da sua universalidade.

Ora tão importante para mim como conhecer as evoluções técnicas é saber se elas são convenientemente empregues e nestes dois casos referidos logo acima parece-me que pelo menos num caso tanto o ovo como a galinha não nasceram simplesmente no caso dos Tupi e não nasceram pela ordem devida no caso do ferro de engomar. Acabaram por nascer mais tarde pela ordem possível.
 
Ora há que diferenciar entre língua portuguesa e «linguarice aguda» e se estivermos atentos, iremos descobrir que uma parte substancial das formulações do português dito erudito não tem quem se sirva delas por razões diversas que normalmente se agrupam sob o termo de analfabetismo de função e que não dependem por vezes exclusivamente da qualificação académica e da falta dela. Dependem da sua adaptabilidade às situações vividas quer a nível pessoal quer a nível profissional quer a nível institucional quer a nível mais geral da sociedade.

Quem não tiver, para este campo, isto presente, e há muitos radicais tanto para cá como para lá dos Oceanos…poderá ser em termos opinativos apelidado de «analfabeto» temporal.

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