Coluna Um
Há problemas na divulgação da ideia de comunidade de língua portuguesa?
Daniel Teixeira
A Comunidade dos países de língua portuguesa (CPLP) parte de uma ideia difusa que nem sempre e nem por todos é possível acompanhar: uns porque não chegam lá, à ideia, outros porque não podem (dada a sua formação) e outros porque não querem, chegar a essa ideia.
Contudo ela é simples, em si, como ideia mas vale a pena darmos aqui aquela ideia que nós temos dessa mesma ideia, pelo que comecemos pela história. Pessoalmente nunca fui um adepto muito convicto da ideologia que foi defendida em várias matizes de que existia, da parte dos portugueses, um dom especial que os levava a conseguir um relacionamento privilegiado com outras raças e culturas.
Povo com uma tradição cultural estreita, com sangue elitista (azul, terra tenente, e residualmente burguesmente industrial) eram de rejeitar desde logo as ideias peregrinas de que essa potencialidade de relacionamento privilegiado se encontrava em cada pessoa, em cada um de nós.
A conhecida Junta do Ultramar tem nos seus arquivos excelentes trabalhos teóricos (e práticos) de alguns cientistas sociais que, procurando justificações para o lançamento dessa ideia do «dom» relacional, procuravam, num arroubo que se queria de realista, encontrar a origem desse «dom» não no factor cultural, mas sim no factor acultural: ou seja, para esses teóricos (Jorge Dias à cabeça) a nossa vantagem no relacionamento com os outros povos advinha antes da nossa ignorância e do estado imberbe dos nossos sistemas de exploração económica, que, no seu conjunto, se constituíam como factores de convergência relacional perante os povos colonizados e logo igualmente - ou num outro grau próximo - pouco desenvolvidos.
A ideia teve o seu cheque mais notável em acontecimentos que muitos preferem esquecer, ao lançar-se uma colonização, nomeadamente em Angola, baseada nestes princípios: como os portugueses eram ignorantes e pouco formados em termos tecnológicos nada melhor que colocá-los na mesma situação dos povos indígenas onde alegadamente eles funcionariam como um elemento catalisador dado o diferencial, mesmo mínimo, entre estes e os locais.
O processo, que é sempre pouco referido, teve pelo menos o mérito - e que me perdoem os descendentes desta muito sofrida operação - de mostrar que afinal não eram os povos indígenas que exploravam inconvenientemente as suas parcelas agrícolas - que eram a base da sua economia - mas sim que o problema ia para além disso o que no fundo se pode traduzir no chavão mais conhecido da economia: falta de estruturas.
A chamada «inteligência» portuguesa estava mais interessada no acantonamento junto das Cortes do que em produzir ou fomentar a produção. A atracção pelo Estado protector (e pouco exigente em termos de retorno), alimentado bastamente antes pelas caravelas vivia ainda esse período em termos ideológicos e foi vivendo assim (e de certa forma vai ainda vivendo assim).
Resultado disso, mesmo nos tempos mais recentes, já nos finais do Sec. XX, a exploração de mão de obra foi sempre intensiva, o investimento em tecnologias quase nulo e compreende-se não se compreendendo a falta de visão estratégica do pelo menos imberbe empresariado: uma máquina custava mais que manter os trabalhadores que ela iria substituir, daí a manutenção de uma política de exploração da mão de obra barata.
Resultado disso, mesmo nos tempos mais recentes, já nos finais do Sec. XX, a exploração de mão de obra foi sempre intensiva, o investimento em tecnologias quase nulo e compreende-se não se compreendendo a falta de visão estratégica do pelo menos imberbe empresariado: uma máquina custava mais que manter os trabalhadores que ela iria substituir, daí a manutenção de uma política de exploração da mão de obra barata.
Nestes termos, o colonialismo português não foi nem melhor nem pior que os outros, na sua prática diária, mas teve a seu favor - se quisermos considerar assim - o facto de, em termos numéricos de população colonizadora, nunca ter tido bases para se alicerçar numa autonomia solidária entre «iguais» bastando-se a si mesma.
A negociação com os autóctones (mão de obra ainda mais barata) impôs-se desde sempre e as potencialidades em termos militares nunca conseguiram implantar um colonialismo «puro e duro». Outras fossem as circunstâncias e outro galo não cantaria agora na CPLP.
Mas, e regressando ao presente, estas condições sociais acabaram por fomentar todo um conjunto de factores interligados entre os quais vamos agora referir a miscenização (termo ingrato, mas cientificamente correcto). Ora a miscenização por muito desagradável que possa parecer a afirmação, processa-se entre o povo e constrói laços de afinidade suficientemente distanciados das elites que lhe permitem um regime de vivência autónomo.
Assim, é nas bases da sociedade, quer dizer, nas classes menos favorecidas que se desenvolve o sentimento de igualdade (ou de desigualdade menor) apesar das exclamações à boleia das classes mais favorecidas.
A recente guerra do Alecrim e da Manjerona ortográfica é disso um exemplo claro (ao lado de outras com a mesma base): a chamada «intelectualidade» elitista comunga dos mesmos princípios que temos vindo a referir; não lhe restando, como factor de diferenciação interventiva senão a defesa da tradição que os alimentou e alimenta à sombra de uma ainda farta bananeira estatal e mecenária (não confundir com mercenária) estão contra a abolição do «p» e do «v» e contra o acrescento do «a» e do «b».
Mas quem se preocupa com estas vozes ainda não sabe (infelizmente) que elas não chegam ao céu da realidade do dia a dia.
A negociação com os autóctones (mão de obra ainda mais barata) impôs-se desde sempre e as potencialidades em termos militares nunca conseguiram implantar um colonialismo «puro e duro». Outras fossem as circunstâncias e outro galo não cantaria agora na CPLP.
Mas, e regressando ao presente, estas condições sociais acabaram por fomentar todo um conjunto de factores interligados entre os quais vamos agora referir a miscenização (termo ingrato, mas cientificamente correcto). Ora a miscenização por muito desagradável que possa parecer a afirmação, processa-se entre o povo e constrói laços de afinidade suficientemente distanciados das elites que lhe permitem um regime de vivência autónomo.
Assim, é nas bases da sociedade, quer dizer, nas classes menos favorecidas que se desenvolve o sentimento de igualdade (ou de desigualdade menor) apesar das exclamações à boleia das classes mais favorecidas.
A recente guerra do Alecrim e da Manjerona ortográfica é disso um exemplo claro (ao lado de outras com a mesma base): a chamada «intelectualidade» elitista comunga dos mesmos princípios que temos vindo a referir; não lhe restando, como factor de diferenciação interventiva senão a defesa da tradição que os alimentou e alimenta à sombra de uma ainda farta bananeira estatal e mecenária (não confundir com mercenária) estão contra a abolição do «p» e do «v» e contra o acrescento do «a» e do «b».
Mas quem se preocupa com estas vozes ainda não sabe (infelizmente) que elas não chegam ao céu da realidade do dia a dia.
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