segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Ao encontro de Camões

Ao encontro de Camões

"Amou a nossa língua como poucos e deixa, por isso mesmo, uma lembrança luminosa do que realizou, para valorizar a cultura brasileira".

Arnaldo Niskier *

Na missa de 7º dia, no Colégio Notre Dame, o padre Jorjão, diante de mais de 200 familiares, amigos e discípulos de Leodegário Amarante de Azevedo Filho, recordou que o mestre falecido vivia cantarolando o "Queremos Deus que é nosso Pai", como se estivesse se preparando para a glória da vida eterna.

O nosso estimado Leo, com quem tive o privilégio de um convívio de mais de 50 anos, não conheceu o otium cum dignitate, expressão latina cunhada por Cícero, que significa lazer com dignidade, ou seja, todo homem, depois de uma dura vida de trabalho, tem direito, no fim da sua existência, a um honrado repouso(aposentadoria), o que ele não conheceu por jamais ter interrompido as suas atividades de professor e escritor laureado. Nisso teve sempre a colaboração muito próxima da sua amada Ilka, ex-aluna da UERJ, com quem se casou para tornar prático o pensamento expresso no soneto de Camões, em que o vate português afirmou em inspirado soneto que "amor é fogo que arde sem se ver." Segundo a filha Cláudia, o amor entre eles podia ser visto constantemente, tal a afinidade das duas existências. Foi um casal exemplar.

Leodegário presidiu várias instituições, por último a Academia Brasileira de Filologia, que lhe prestou sentida homenagem. Destacou-se, na vida literária brasileira, pela devoção permanente aos estudos da lírica de Camões, o que o levou seguidas vezes a Portugal, onde era muito conhecido e querido. Dominava como poucos os feitos do autor de "Os Lusíadas", talvez a maior obra poética da Língua Portuguesa, que procurou detalhar verso por verso, para facilitar a sua devida compreensão. Reuniu dezenas de fontes quinhentistas, que pesquisou com extremo cuidado e competência.

Professor de Língua e Literatura Portuguesa, dedicou-se também a autores brasileiros como Cecília Meireles, por quem nutria especial simpatia. Quando uma vez lhe perguntei a razão, sua resposta foi simples: "Ela era também professora." Não poderia existir uma sintonia mais forte, ele que era um homem de hábitos moderados e cuja simplicidade, no dizer da sua amada Ilka, "deixa um grande vazio em nossa casa."

No meu caso, devo-lhe o primeiro convite para lecionar numa instituição de ensino superior. Ainda aluno da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da então Universidade do Distrito Federal, num fim de tarde, no 3º andar do saudoso Instituto La-Fayette(hoje, felizmente preservado), recebi de chofre o convite-intimação do Leodegário para lecionar na Faculdade de Filosofia de Campo Grande. Lembro suas palavras: "Será para você um belo começo de carreira".

Não pude aceitar, por questões de horário, mas ficou a grata lembrança do gesto de carinho e confiança. Leodegário, sempre prestativo, promotor de inúmeros congressos e seminários, no Brasil e no exterior, amou a nossa língua como poucos e deixa, por isso mesmo, uma lembrança luminosa do que realizou, para valorizar a cultura brasileira. A nossa saudade.

* Arnaldo Niskier é doutor em Educação, da Academia Brasileira de Letras e presidente do CIEE/Rio

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